Guerras em múltiplas frentes, gastos militares descontrolados e, mais recentemente, um crescente isolamento internacional por conta dos massacres contra civis palestinos e da destruição da infraestrutura em Gaza empreendida pelo governo de Benjamin Netanyahu.

O impacto causado pela invasão do Hamas a Israel, em 7 de outubro, continua repercutindo na vida cotidiana dos israelenses, ainda à espera da libertação dos últimos reféns e divididos sobre a proposta de paz com os palestinos sugerida pelo presidente americano Donald Trump.

Em meio a tanta tensão e incerteza, a economia de Israel conseguiu algo que parecia improvável para um país em guerra. De início, como era esperado, o impacto econômico veio de múltiplos canais. A convocação de reservistas para o combate apertou o mercado de trabalho doméstico. Além disso, a redução da entrada de palestinos em Israel prejudicou o setor da construção civil. Por fim, o fluxo turístico diminuiu 80%.

Israel parecia destinado a essa transformação econômica clássica de guerra - os gastos com defesa dispararam mais de 50% desde outubro de 2023. Investidores internacionais, muitos dos quais esperavam que a economia afundasse sob o peso de um conflito prolongado, suspenderam aportes e fusões no mercado de tecnologia.

Dois anos depois, porém, tudo mudou. Após um 2024 anêmico –com 0,7% de crescimento da economia -, a OCDE agora prevê um crescimento do PIB israelense de 3,3% neste ano e de 4,9% em 2026, uma das taxas mais altas do mundo desenvolvido.

Para se ter uma ideia da resiliência da economia israelense, no dia 8 de outubro de 2023 - um dia após o ataque do Hamas -, o principal índice de ações na Bolsa de Tel-Aviv despencou cerca de 23%. Este ano, as ações negociadas atingiram um recorde histórico, com alta de mais de 200%.

Alguns fatores explicam essa recuperação econômica israelense. Um deles é a pujança do setor de alta tecnologia, que contribui com cerca de 20% do PIB israelense, emprega mais de 10% da força de trabalho e representa mais da metade das exportações do país.

Embora a convocação de centenas de milhares de reservistas tenha inicialmente interrompido as operações e o número de funcionários de empresas e startups, o setor de tecnologia captou mais de US$ 12 bilhões em 2024, um aumento de 27% em relação ao ano anterior, superando o crescimento dos mercados europeu e asiático.

O primeiro semestre de 2025 viu esse impulso continuar, com as empresas captando US$ 9,3 bilhões, o semestre mais forte para financiamento de tecnologia em três anos. A atividade de fusões e aquisições (M&A) refletiu esse boom, disparando nos três primeiros trimestres de 2025, com US$ 71 bilhões em negócios, quase cinco vezes os níveis de 2024.

Dois megacordos, é fato, influenciaram esse número surpreendente: a venda da Wiz, empresa israelense de segurança em nuvem, para o Google (Alphabet), em março, por US$ 32 bilhões; e a compra de outra empresa israelense, a CyberArk - referência global em segurança de identidades e acessos privilegiados – pela Palo Alto Networks, em julho, num negócio de US$ 25 bilhões.

Se o setor de tecnologia fez a sua parte para recuperar a economia, o governo israelense também contribuiu, com uma medida fiscal que ajudou a manter a economia aquecida em meio aos múltiplos conflitos.

O segredo foi adotar um truque fiscal que boa parte dos economistas ignorou. Entre 7 de outubro de 2023 e maio de 2025, o governo destinou US$ 18 bilhões – o equivalente a mais de 1,5% do PIB anual de Israel - especificamente para a compensação dos salários dos mais de 400 mil reservistas, que recebem o mesmo de seu emprego formal, complementado por bônus e serviços sociais gratuitos.

Isso representa uma evolução do que os economistas chamam de keynesianismo militar, mas com uma diferença crucial. Em vez de as compras tradicionais de defesa criarem empregos na fabricação de armas, Israel canalizou os gastos militares diretamente para o consumo doméstico, impulsionando a indústria local.

Esse conjunto ajuda a explicar a inflação baixa, de 2,9% anualizada, a taxa de juros de fazer inveja ao Brasil, de 4,5% ao ano, o desemprego em apenas 4% e o fato de o shekel israelense ter se mantido forte em relação às principais moedas durante o conflito.

Dívida descontrolada

O lado B da recuperação da economia israelense foi o aumento do endividamento público. No ano passado, o Banco de Israel (o banco central do país) estimou que os custos diretos relacionados à guerra para o período 2023-2025 poderiam chegar a US$ 55,6 bilhões, o equivalente a cerca de 10% do PIB do país.

Os valores, porém, ficaram muito acima do esperado. Só nos gastos militares em múltiplas frentes – em Gaza, no Líbano e com o Irã -, o país torrou até agora US$ 89 bilhões, sendo um terço desse total apenas nas operações militares na Faixa de Gaza. Em dois anos, o nível de dívida do país passou de 60% para 70% do PIB.

Para ajudar a pagar a conta, o governo de Israel anunciou medidas de austeridade, incluindo um corte de 3% em todos os ministérios e o aumento da alíquota do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), de 17% para 18%, no início de 2025.

A pressão econômica não passou despercebida nos mercados internacionais. Os crescentes gastos militares e os riscos dos conflitos levaram a S&P e a Moody's a rebaixar a classificação de crédito de Israel. Isso aumentará os custos futuros de empréstimos do governo, agravando ainda mais a pressão financeira.

Os massacres têm cobrado um preço elevado, isolando cada vez mais Israel na comunidade internacional. O fundo soberano da Noruega, o maior do mundo, anunciou importantes desinvestimentos em diversas empresas israelenses, alegando padrões éticos. Enquanto isso, a União Europeia, principal parceira comercial do país, ameaça aumentar as tarifas sobre produtos israelenses.

Israel ainda não perdeu seu mais importante aliado e patrocinador, os Estados Unidos, que fornecem cerca de US$ 4 bilhões em financiamento por ano. Mas até isso pode mudar. Pesquisas recentes mostram uma mudança drástica na opinião pública americana, com a maioria dos eleitores agora se opondo ao envio de mais ajuda militar ou econômica a Israel.