Os Estados Unidos caminham para uma crise fiscal e os partidos Republicano e Democrata não demonstram disposição para tomar medidas eficazes, chegando a cogitar a possibilidade de um calote.
O alerta é de Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do FMI e professor de Harvard. Segundo ele, as principais forças políticas de ambos os lados tendem ao populismo econômico, inclusive no que diz respeito à independência do Federal Reserve (Fed), o banco central americano.
“É mais provável que os Estados Unidos enfrentem problemas fiscais nos próximos quatro ou cinco anos”, afirmou Rogoff, em 29 de setembro, durante o evento Macro Vision, promovido pelo Itaú BBA. “Não vejo a estratégia ortodoxa — corte de gastos e aumento de impostos — sendo considerada.”
A resistência a adotar medidas impopulares pode levar ao ajuste via inflação e repressão financeira. Esta última, que envolve controle de capitais, é difícil de implementar devido à profundidade do mercado americano.
Nesse contexto, o risco de calote permanece, especialmente com a dívida americana equivalendo a 120% do PIB. “Na Casa Branca de Trump e no Partido Democrata, essas ideias são populares”, disse Rogoff.
A convergência populista entre republicanos e democratas também se manifesta em relação ao Fed. “Ambos os lados querem se livrar do Fed. Os progressistas — não os Clintons, mas os mais à esquerda, onde está a energia — têm essa intenção”, afirmou.
No caso de Donald Trump, que busca ampliar sua influência sobre a autoridade monetária, Rogoff avalia que, se avançar com sua agenda, poderá obter ganhos de curto prazo, mas comprometerá a credibilidade americana no longo prazo, além de gerar instabilidade econômica.
“Medidas populistas funcionam por um tempo, mas os problemas vêm depois. Ninguém sabe quando a inflação aparecerá, pois após um longo período de estabilidade, ela demora a surgir”, disse Rogoff.
“O mundo não vai acabar de repente, e quem aposta nisso está enganado. Mas é preciso pensar no longo prazo, pois a inflação virá, acompanhada de maior volatilidade”, complementou.
Rogoff também abordou o futuro do dólar como principal moeda de reserva, tema de seu livro mais recente, Our Dollar, Your Problem, lançado em abril.
Ele destacou que o dólar não perderá espaço imediatamente, por falta de alternativas, mas vem cedendo terreno ao yuan e ao euro. Isso ocorre tanto pelo enfraquecimento da economia americana quanto pela aversão de países ao risco de sanções.
Esse movimento é amplificado pelos criptoativos, que não competem com o dólar em transações convencionais. “Mas mais de 20% da economia global opera na informalidade, para evitar impostos, e esse mercado é grande”, afirmou.
Sobre o valor do dólar nos próximos anos, Rogoff prevê uma queda significativa, por considerar a moeda sobrevalorizada, apesar das políticas de Trump. “Não sei quando isso ocorrerá, mas é bem possível nos próximos dois ou três anos”, concluiu.