A controversa linha de crédito de US$ 20 bilhões que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ofereceu no mês de outubro ao colega argentino Javier Milei ganhou um novo e surpreendente capítulo na quinta-feira, 13 de novembro, com a revelação de que parte do dinheiro foi sacado de uma conta dos EUA no Fundo Monetário Internacional (FMI) para a Argentina pagar ao próprio FMI parcela de um empréstimo contraído anteriormente junto ao Fundo.

De acordo com o jornal britânico Financial Times, a operação triangular ocorreu pouco antes do vencimento da parcela de US$ 840 milhões do empréstimo também de US$ 20 bilhões que o governo argentino obteve junto ao FMI em abril.

No fim de outubro, os EUA sacaram US$ 870 milhões de suas reservas no FMI, de uma conta que tem como rubrica “direitos especiais de saque" (SDR, na sigla em inglês) – referente a fundos que podem ser usados para pagar dívidas ou trocados por dólares, euros e outras moedas.

A conta de SDR da Argentina no Fundo aumentou no mesmo valor logo em seguida, pouco antes do vencimento do pagamento de US$ 840 milhões ao FMI, em 1º de novembro.

O Departamento do Tesouro dos EUA se recusou a comentar sobre as transações de SDR, informa o Financial Times. O Ministério da Economia da Argentina tampouco respondeu a um pedido de comentário e o banco central do país também se recusou a falar sobre o tema. Já o FMI sequer confirmou se a Argentina havia efetuado o pagamento referente a 1º de novembro.

A operação acrescentou uma nova camada de mistério em torno do acordo de swap cambial de US$ 20 bilhões oferecido por Trump a Milei.

O objetivo seria ajudar na intervenção no mercado para estabilizar o peso e dar uma folga às reservas internacionais da Argentina, que estavam perigosamente baixas, mesmo após o FMI ter fornecido US$ 15 bilhões de um novo pacote de resgate de US$ 20 bilhões no início deste ano. O governo argentino deve sofrer ainda mais pressão nos próximos meses devido aos pagamentos de empréstimos anteriores do fundo e da dívida do setor privado.

Até agora, o governo americano não deu detalhes por trás dessa linha de crédito de US$ 20 bilhões à Argentina, nem como o dinheiro seria transferido nem a forma como seria quitado.

De acordo com o jornal britânico, Gabriel Caamaño, economista da consultoria Outlier, com sede em Buenos Aires, estimou, com base nas mudanças no balanço do banco central, que US$ 2,7 bilhões da linha de swap cambial foram utilizados, com uma parte sendo usada para efetuar o pagamento da dívida com o FMI, apesar do silêncio das autoridades argentinas em torno do assunto.

A falta de transparência em torno do acordo entre os EUA e a Argentina, por sua vez, gerou preocupação entre alguns analistas.

"Este é um empreendimento enorme e arriscado", disse Mark Sobel, ex-funcionário do Tesouro dos EUA e atual presidente americano do think tank OMFIF. "No momento, sabemos muito pouco sobre isso." Sobel acrescentou que seria "extremamente incomum os EUA venderem seus direitos especiais de saque (SDRs) para outro país".

A ajuda de Trump a Milei, no entanto, foi considerada fundamental para o presidente argentino conseguir uma vitória na eleição legislativas de meio de mandato, no final de outubro.

Nos EUA, porém, a reação ao empréstimo de US$ 20 bilhões foi negativa. A oposição democrata advertiu que emprestar tal quantia a outro país era uma aberração enquanto os funcionários públicos americanos estavam sem receber salários por causa do shutdown, a falta de acordo sobre o Orçamento no Congresso que paralisou o serviço público dos EUA – impasse que só esta semana está sendo resolvido.

Já economistas contestaram o “presente” de Trump à Argentina, um país sob instabilidade cambial e com histórico de calotes. Até os agricultores americanos reclamaram do empréstimo, anunciado quando perderam o mercado de soja na China justamente para os argentinos, cujo governo isentou as tarifas de exportações, barateando o preço da commodity.

Horas antes da revelação do Financial Times, o secretário do Tesouro, Scott Bessent, se recusou a dar mais detalhes dos US$ 20 bilhões oferecidos aos argentinos. Na terça, 12, Bessent disse apenas que “disponibilizamos uma linha de crédito, uma pequena parte dela foi utilizada e obtivemos lucro com isso”