A decisão surpreendente da agência de risco Fitch de rebaixar a nota da dívida soberana dos Estados Unidos, de AAA para AA+, anunciada na noite de terça-feira, 1º de agosto, teve um efeito inverso no mercado de títulos de renda fixa.

Era esperada uma corrida para venda dos tresuries, mas o que se viu foi o oposto: investidores querendo comprar títulos do Tesouro de longo prazo pela manhã.

Os rendimentos dos títulos do Tesouro americano de dois anos caíram 0,06 ponto percentual, para 4,9%, enquanto os rendimentos de 10 anos caíram 0,03 ponto percentual, para 4,03% - os rendimentos caem à medida que os preços dos títulos sobem.

Economistas respeitados criticaram a decisão da Fitch, considerada inócua. A percepção do mercado é que a falta de reação nos títulos do Tesouro reflete o fato de que é improvável que os fundos sejam forçados a vender a dívida dos EUA como resultado do rebaixamento.

“Os títulos do Tesouro são uma classe de ativos tão importante que a maioria dos mandatos de investimento e regimes regulatórios se referem a eles dessa forma, em vez de citar sua classificação”, afirma nota assinada por analistas da Goldman Sachs, resumindo a reação de investidores.

Na mesma linha, a secretária do Tesouro, Janet Yellen, emitiu um comunicado dizendo que o rebaixamento da classificação “não mudou o que os americanos, investidores e pessoas de todo o mundo já sabem: que os títulos do Tesouro continuam sendo o ativo líquido e seguro preeminente do mundo”.

A agência de risco atribuiu a decisão de reduzir a classificação de crédito dos EUA ao aumento da dívida pública do governo americano e ao recente impasse no Congresso por conta da negociação do teto da dívida, que levou a maior economia do planeta perto de um improvável calote.

No comunicado da decisão, a Fitch citou “a esperada deterioração fiscal nos próximos três anos, um elevado e crescente endividamento geral do governo, e a erosão da governança em comparação a pares com notas AA e AAA, nas últimas duas décadas, que se manifesta em repetidos impasses sobre o limite da dívida e decisões em cima da hora”.

O déficit do governo americano, que fechou 2022 em 3,7% do Produto Interno Bruto (PIB), deve aumentar para 6,3% do PIB em 2023, impulsionado pelo aumento das despesas e pelo impacto causado pelos juros mais altos.

A relação Dívida/PIB dos EUA também foi citada como fator de preocupação pela agência. Prevista para fechar 2023 em 112,9%, essa relação deve subir para 118,4% do PIB em 2025.

“A relação Dívida/PIB americana é mais que 2,5 vezes maior que a de outros países com nota AAA (39,3% do PIB) e AA (44,7%)”, diz o comunicado da Fitch.

Em relação à governança, Fitch alegou que apesar do acordo bipartidário de junho para suspender o limite da dívida até 2025, houve uma constante deterioração nos padrões nos últimos 20 anos.

“Os repetidos impasses políticos sobre o limite da dívida e resoluções de última hora corroeram a confiança na gestão do orçamento”, afirma a agência.

Críticas em cascata

A Fitch é uma das três agências de rating cujas decisões são seguidas de perto pelos participantes do mercado em todo o mundo.

A Moody's mantém sua classificação triplo A para os EUA, enquanto a S&P baixou sua classificação para AA+ em 2011, após uma crise no teto da dívida naquele ano.

O ex-secretário do Tesouro Larry Summers puxou o coro de críticas de economistas à decisão da Fitch de rebaixar a classificação de crédito dos EUA.

“Os Estados Unidos enfrentam sérios desafios fiscais de longo prazo, mas a decisão de rebaixar a nota do país hoje, quando a economia parece mais forte do que o esperado, é bizarra e inepta”, tuitou Summers na noite de terça-feira.

Outro renomado economista, Mohamed El-Erian, principal consultor da seguradora Allianz, disse que o rebaixamento foi "uma jogada estranha" que provavelmente não impactaria os mercados: “É muito mais provável que este anúncio seja descartado do que tenha um impacto perturbador duradouro na economia e nos mercados dos EUA.”.

Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia, foi irônico ao se referir ao rebaixamento da nota dos EUA.

“Certamente há uma história por trás disso – mas seja o que for, é uma história sobre a Fitch, não sobre a solvência dos EUA”, disse.

Na semana passada, a Fitch elevou a classificação do Brasil, de BB- para BB, afirmando que, a despeito das tensões políticas desde o rebaixamento de 2018, o Brasil alcançou progresso em importantes reformas para enfrentar os desafios econômicos e fiscais.