O fim da pandemia, que expôs o desgaste das cadeias de suprimentos globais, ajudou a colocar em xeque a dependência das empresas multinacionais presentes na China.

Muitas começaram a buscar alternativas diante do aumento dos custos da mão de obra chinesa e com a recente pressão do governo Joe Biden de impor limites ao desenvolvimento tecnológico chinês.

A procura por uma alternativa - estratégia conhecida como “China+1” - abriu uma corrida entre economias emergentes para receber essas indústrias, incluindo Vietnã, México, Tailândia e Malásia.

Mas quem está saindo na frente nessa disputa é a Índia, com todas as suas históricas contradições. Não só por ter uma força de trabalho e um mercado interno comparáveis em tamanho ao da China, mas pelas reformas estruturais nos últimos dez anos que ajudaram a reduzir o fosso que a separava do vizinho asiático.

Nesse período, o número de aeroportos dobrou e o total de estradas rurais aumentou 85%. A capacidade das usinas elétricas aumentou 66% e os apagões tornaram-se muito menos frequentes. Nos últimos três anos, o número de residências com água encanada praticamente triplicou, chegando a 108 milhões.

O investimento estrangeiro direto na Índia foi em média de US$ 42 bilhões anualmente de 2020 a 2022, dobrando em menos de uma década. A vibrante cena de startups da Índia, que agora inclui mais de 100 unicórnios – novos negócios avaliados em mais de US$ 1 bilhão – estimulou a atração de empresas de tecnologia ao país.

Um exemplo é o setor de eletrônicos, em que as exportações triplicaram desde 2018 para US$ 23 bilhões no ano até março. A Índia, que produzia 9% dos smartphones do mundo em 2016, saltou sua produção para 19% projetados para este ano.

A decisão da Apple de expandir significativamente a produção do iPhone na Índia acompanha essa tendência. A empresa, que monta modelos de iPhone de baixo custo na Índia desde 2017, começou a fabricar seu mais novo e principal aparelho, o iPhone 14, no ano passado no país. Até 2025, deve produzir um quarto dos iPhones do mundo.

A cidade de Sriperumbudur, no estado de Tamil Nadu, no sul do país, virou um grande complexo industrial. Fabricantes estrangeiros que há anos produzem carros e eletrodomésticos para o mercado indiano ganharam recentemente a companhia de corporações multinacionais que fabricam produtos de painéis solares e turbinas eólicas a brinquedos e calçados, todos em busca de uma alternativa à China.

Em 2021, a dinamarquesa Vestas, uma das maiores fabricantes mundiais de turbinas eólicas, construiu duas novas fábricas na cidade.

Longo caminho

Ainda há, no entanto, um longo caminho para a Índia percorrer. Sua força de trabalho permanece em sua maioria pobre e não qualificada, a infraestrutura é subdesenvolvida e o clima de negócios, incluindo regulamentações, continua insatisfatório.

O governo indiano resiste em conceder incentivos para a instalação de multinacionais no país, como a China fez durante décadas. A sul-coreana Samsung negocia há meses subsídios para instalar unidades industriais na Índia.

“A Índia é protecionista precisamente nesses setores, fabricação de bens, onde surge a oportunidade China+1”, escreveu Viral Acharya, economista da Universidade de Nova York, em um relatório para a Brookings Institution.

A escassez de mão de obra também começa a ser registrada em alguns centros industriais da Índia. Isso porque, ao contrário da China, muitos trabalhadores relutam em se mudar para longas distâncias em busca de trabalho.

Outros números, porém, reforçam a aposta na Índia em relação aos demais países candidatos a substituir a China. De acordo com o Fundo Monetário Internacional, a economia da Índia vai crescer uma média de 6,5% neste ano e no próximo, o ritmo mais rápido entre as 30 principais economias do planeta.

No ano passado, a Índia desbancou o Reino Unido como a quinta maior economia do mundo e pode empatar com a Alemanha no quarto lugar até 2025. Não é uma China, mas governos e empresas ocidentais veem a Índia democrática como um parceiro que vale a aposta.