Crise fiscal, dívida pública elevada - com juros em alta e risco de rebaixamento de nota -, cenário político fragmentado que dificulta a aprovação de reformas do governo e paralisia para enfrentar o elevado déficit orçamentário.

O cenário acima até descreve com elevado grau de precisão as dificuldades enfrentadas pelo governo brasileiro para reequilibrar as contas públicas, mas resume a crise política e econômica em que a França mergulhou de vez na segunda-feira, 6 de outubro, com a renúncia do primeiro-ministro Sébastien Lecornu, que durou menos de um mês no cargo.

Terceiro chefe de governo francês em um ano, a renúncia de Lecornu intensificou a turbulência que assola a segunda maior economia da União Europeia, atrás apenas da Alemanha. Ele anunciou sua saída do cargo um dia antes de apresentar o orçamento de 2026 no Parlamento para enfrentar o aumento alarmante da dívida e do déficit da França.

A reação do mercado deu uma dimensão do agravamento da crise francesa. O índice de referência CAC 40 (o principal índice da bolsa de valores de Paris) caiu 2%, enquanto o spread entre os rendimentos da dívida pública francesa e alemã - que reflete o risco percebido pelos investidores ao emprestar à França - aumentou para uma alta próxima do recorde.

Os investidores elevaram o rendimento dos títulos franceses de 10 anos para 3,57%, próximo à máxima em 14 anos. Para completar, o euro caiu 0,6% em relação ao dólar.

“Isso aumenta ainda mais o risco de que os problemas fiscais da França permaneçam sem solução e que as políticas econômicas se tornem menos favoráveis ao crescimento”, escreveu Salomon Fiedler, analista do Berenberg Bank, em nota aos clientes.

“A economia francesa deixou de ser uma economia de alto desempenho e se tornou a principal retardatária da zona do euro”, completou.

A crise francesa começou a escalar em meados do ano passado, quando o presidente Emmanuel Macron convocou eleições parlamentares antecipadas para conter a ascensão do partido de extrema direita União Nacional.

A jogada, arriscada, serviu apenas para que a nova composição da Assembleia Nacional aumentasse ainda mais a divisão política, sem uma maioria clara e alinhada para aprovar cortes drásticos de gastos públicos.

Macron tem duas opções pouco animadoras pela frente. Uma delas é nomear um novo primeiro-ministro tecnocrata para tentar aprovar um orçamento para o próximo ano. A alternativa exigiria que Macron jogasse a toalha, ou seja, atendesse aos crescentes apelos dos partidos de oposição para renunciar e antecipar as eleições presidenciais, marcadas para abril de 2027.

É difícil dizer o que pesa mais na crise francesa, o impasse político ou o descontrole fiscal. Após anos de gastos governamentais descomunais e queda na arrecadação de impostos, o déficit orçamentário da França atingiu 168,6 bilhões de euros, ou 5,8% de sua produção econômica em 2024.

O déficit é o maior do país desde a Segunda Guerra Mundial e está bem acima do limite de 3% estabelecido pela União Europeia.

Comparação com Brasil

A rigor, numa comparação da situação macroeconômica da França com a do Brasil, os dois países têm desafios semelhantes, com quadro fiscal pressionado e dívida elevada. A França, no entanto, enfrenta maiores obstáculos, com instabilidade política acentuada, dívida muito mais elevada e pressão da União Europeia para reduzir o déficit.

Em 2024, por exemplo, o Brasil apresentou alguns indicadores mais equilibrados - embora nada saudáveis - em relação ao país europeu, como da dívida pública em relação ao PIB (76,5% no caso brasileiro, contra 113% da França), valor total da dívida (R$ 7,3 trilhões ou € 1,3 trilhão, contra os € 3,3 trilhões de endividamento francês) e no crescimento do PIB: 3,24% do Brasil no ano passado, enquanto o francês avançou apenas 1,2%.

A França, por sua vez, teve entre os indicadores mais favoráveis em 2024 a inflação anual (2,3%, contra 4,71% de IPCA brasileiro) e taxa de juros básica (4,0%) bem menor que a Selic (11,75% em dezembro, hoje em 15%).

Por isso, o Brasil tem mais margem de manobra para buscar o equilíbrio fiscal, com economia ainda em crescimento, dívida pública proporcionalmente menor e, diferentemente do caso francês, um governo ainda com capacidade de articulação política.

"A crise demonstra como o Parlamento fragmentado está tornando quase impossível aprovar um orçamento que reduza o déficit fiscal", advertiu a corretora Capital Economics, indicando que o maior desafio imediato para a França é reverter a instabilidade política.