Brasília e São Paulo - Ainda distante de um telefonema com o presidente americano Donald Trump para negociar a redução das tarifas de 50% a vários produtos brasileiros, incluindo café e carne, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva marcou para a quinta-feira, 7 de agosto, uma conversa com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi.
O telefonema vai ocorrer um dia depois de Trump retaliar a Índia em mais 25%, chegando a 50% ao todo. Segundo os Estados Unidos, a ação ocorreu porque os indianos continuam importando petróleo da Rússia, o que, para Trump, estimula a guerra na Ucrânia.
O anúncio da punição à Índia ligou um alerta no governo brasileiro, que também tem na Rússia um importante parceiro na compra de combustíveis - respondendo por 35% das importações brasileiras de diesel em julho, mês em que o Brasil também ampliou as importações desse produto dos EUA, responsáveis agora por 45% do total importado pelo País.
O fato de o presidente brasileiro sinalizar solidariedade à Índia com o telefonema a Modi gerou na quarta-feira, 6 de agosto, especulações de uma aproximação maior dos países do Brics, bloco de nações emergentes das quais fazem parte, além da Rússia e outros sete países, China, Brasil e Índias – todos envolvidos na compra de petróleo russo.
Especialistas consultados pelo NeoFeed, porém, foram cautelosos quanto a uma eventual reação conjunta dos Brics. Por causa do fuso horário do anúncio de Trump, tarde da noite de quarta-feira na China, o governo chinês não havia se pronunciado oficialmente sobre as tarifas de 25% impostas pelos EUA à Índia até o início da noite.
A China é o maior importador de petróleo russo, seguido da Índia. O governo indiano reagiu com indignação à sobretaxa de 25% - além de 25% anteriormente adotadas - por causa da compra de petróleo russo, classificando a medida como “injusta, injustificada e irracional” e prometendo tomar ações para proteger seus interesses nacionais.
Desde que Trump ameaçou sobretaxar a Índia, no início da semana, o governo Modi vinha advertido que o petróleo russo nunca foi alvo direto de sanções, ao contrário do Irã e da Venezuela.
Autoridades indianas sempre citaram o acordo com o governo Joe Biden, que abriu espaço para o comércio de petróleo da Índia com a Rússia, desde que permanecesse abaixo do teto de US$ 60 o barril estabelecido pelo G7 . O objetivo era manter os preços globais sob controle, ao mesmo tempo em que limitava a receita do petróleo russo.
Premasish Das, chefe de análise de mercados de petróleo na Ásia da S&P Global Commodity Insights, afirmou que, se a Índia repentinamente passar a recorrer a outros fornecedores, isso criará "uma restrição significativa no mercado", potencialmente elevando o preço do petróleo bruto para mais de US$ 80 o barril, ante os níveis atuais de cerca de US$ 67.
Trump, porém, já havia adiantado que ignoraria acordos anteriores, sinalizando a imposição de sobretaxa à Índia. "Eles estão comprando petróleo russo, estão abastecendo a máquina de guerra russa e se eles vão fazer isso, então não ficarei feliz", disse o presidente dos EUA à CNBC.
Razões geopolíticas
Para Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington e hoje à frente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior, a tarifa extra aplicada por Trump à Índia tem por trás razões geopolíticas relacionadas com a Rússia.
“Como estipulou prazo para o fim da guerra com a Ucrânia, Trump tem falado em punir petroleiros russos, e não em mais tarifas contra a Rússia”, diz Barbosa, que também não vê o episódio como uma forma de passar um recado para o Brics.
“O caso da Índia é isolado, o país tem muitos problemas comerciais com os EUA e a proximidade militar com a Rússia incomoda Trump”, acrescenta.
Barbosa também não acredita no início de uma tarifação extra em série de quem compra petróleo russo: “Vai ser difícil aplicar essa tarifa extra à China, União Europeia, Egito, Turquia e Brasil, todos importam petróleo russo, ficaria surpreso.”
Para Paulo Borba Casella, professor de Direito Internacional e coordenador do grupo de estudos sobre o Brics (Gebrics) da Universidade de São Paulo (USP), o anúncio de que o presidente Lula vai telefonar para o primeiro-ministro indica uma movimentação dos integrantes do Brics para fazer frente à política tarifária de Trump.
Segundo ele, o comércio bilateral dos EUA com a Rússia é mínimo, por causa das sanções impostas ao governo de Vladimir Putin. Em 2024, os EUA importaram cerca de US$ 3,3 bilhões em produtos russos, segundo dados da Comtrade, uma queda de 90% em relação ao período anterior à invasão da Ucrânia.
“Claramente Trump tem essa orientação: como o comércio com a Rússia é baixo, resta a ele atacar os países que fazem comércio com a Rússia, e os mais representativos são do Brics”, diz Casella.
“Para atacar o Brics, como bloco, porém, precisa piorar algo na relação dos Estados Unidos com a China, que representa, em termos econômicos, mais que todos os outros países do bloco”, acrescenta. “A China retalia primeiro e depois senta pra conversar. Com isso, o peso da China é maior no comercio bilateral. Por isso, Trump aperta primeiro o Brasil e, agora, a Índia.”
Em relação ao Brasil, Casella afirma que nada impede que o governo brasileiro atue em duas frentes. “O presidente Lula pode pedir para o vice Geraldo Alckmin continuar negociando com os EUA e, ao mesmo tempo, falar com a Índia e com a China.”
Já o ex-embaixador Rubens Barbosa defende uma postura mais pragmática. “A prioridade do governo brasileiro deve ser continuar negociando para tentar diminuir esses 35% de taxas, referentes às exportações de café, carnes e outros produtos, que sobraram da taxação de 50%”, afirma.