No primeiro mandato de Dilma Rousseff, entre 2011 e 2014, a gestão do então presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, ficou marcada pela sua forte tendência de ceder a pressões políticas, estabelecidas à época pelo próprio governo, para que não subisse a taxa de juros, o que foi visto com maus olhos pelo mercado, e que resultou em aumento da inflação.
Essa situação de quase subserviência, como foi encarado aquele período pelo setor financeiro, deve ficar bem longe do mandato do atual presidente do BC, Gabriel Galípolo, nomeado por Lula e que assumiu o cargo no dia 1º de janeiro. A avaliação é do ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, que comandou a Pasta durante boa parte do governo de José Sarney.
Em entrevista ao NeoFeed, o economista, que é sócio da Tendências Consultoria, acredita que Galípolo terá uma gestão mais blindada, do ponto de vista político, sobre a repercussão das decisões tomadas pelo BC. E não sofrerá o tiroteio público, enfrentado pelo seu antecessor, Roberto Campos Neto.
“Acredito que vá diminuir, porque existe algum tipo de inibição. Os ataques que ela fez a Campos Neto, alguns inaceitáveis, não devem acontecer agora. Mas o partido vai protestar quando a taxa Selic subir”, diz Nóbrega.
Para o ex-ministro, o teste de fogo será após na primeira reunião do Conselho de Política Monetária (Copom), que será em 28 e 29 de janeiro. “Minha aposta é de que a Selic subirá um ponto percentual e vai ser por unanimidade. E o Lula vai ficar calado.”
O ex-ministro da Fazenda também critica Lula que, segundo ele, passa a falsa ideia à sociedade de que ele próprio seria o responsável por garantir autonomia ao presidente do BC, estabelecida em legislação sancionada em 2021. “Não foi Lula quem inventou isso. Ele até deixou que essa má comunicação fosse propagada, que gerou a informação que ele deu a autonomia e, portanto, pode tirar.”
São ações como essa, segundo o economista, que mexem com a cotação do dólar e da bolsa, e resultam em críticas do mercado financeira, que Lula não consegue estabelecer uma relação mais harmoniosa com a Faria Lima.
Maílson da Nóbrega também faz coro aos especialistas que fizeram críticas ao pacote fiscal apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e que não trazia o essencial, que era encontrar caminhos para barrar o crescimento da dívida pública e a possibilidade real do descontrole dos gastos.
Para ele, o ponto-chave da repercussão negativa foi incluir no anúncio do plano de corte de gastos a intenção do governo de isentar quem recebe até cinco salários-mínimos do pagamento de imposto de renda. “Isso foi mortal. O presidente enxerga que aquilo vai dar voto. E quando o voto é usado como guia, tende a dar errado. É preciso fazer conta.”
Dono da caneta econômica em um momento em que o Brasil lutava contra hiperinflação e com constantes renegociações da dívida externa com credores internacionais, Maílson da Nóbrega, que adotou a política que ele chamava de “feijão com arroz”, sem planos econômicos mirabolantes, acredita que nem um novo conjunto de medidas que possa vir a ser anunciada Haddad recuperaria a confiança do mercado financeiro.
“Há o desafio de convencer a sociedade. A população comprou uma tese errada, de que o que faz melhorar a qualidade na educação, por exemplo, é o gasto”, diz ele.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Como enxerga a gestão de Gabriel Galípolo à frente do Banco Central?
Acredito que ele vai ser um presidente técnico. Ele precisa construir como irá resistir no meio político, porque suas decisões serão técnicas. Ele deve lembrar que, no governo Dilma Rousseff, ela mandou baixar a taxa de juros e o Banco Central se curvou. Isso destruiu, naquele momento, a credibilidade da instituição. E Galípolo não aceitaria repetir essa história. A experiência mundial mostra que os presidentes de bancos centrais que lideram uma gestão competente, de assegurar uma moeda estável e a saúde do sistema financeiro, viram profissionais relevantes no mercado. E ele sabe que inflação prejudica os pobres.
Que se alinha ao discurso do governo.
Se o Galípolo quer trabalhar pelo social, precisa trabalhar pela estabilidade da moeda. Além disso, também sabe que seu cargo conta com autonomia, por lei. Não foi Lula quem inventou isso. Ele até deixou que essa má comunicação fosse propagada, que gerou a informação que ele deu a autonomia e, portanto, pode tirar. Conheço muita gente do mercado que diz que agora essa situação vai piorar, já que o presidente Lula, dando uma de rei, concede uma espécie de autorização para que o presidente do Banco Central seja autônomo.
"Minha aposta é de que a Selic subirá um ponto percentual e vai ser por unanimidade. E o Lula vai ficar calado"
Acredita que ele deva sofrer os mesmos ataques enfrentados pelo seu antecessor, Roberto Campos Neto?
Acredito que vá diminuir, porque existe algum tipo de inibição. Os ataques que a presidente do PT [Gleisi Hoffmann] fez a Campos Neto, alguns inaceitáveis, não devem acontecer agora. Mas o partido vai protestar quando a taxa Selic subir. E vamos ver isso em janeiro, quando Galípolo for submetido ao primeiro teste de fogo. Minha aposta é de que a Selic subirá um ponto percentual e vai ser por unanimidade. E o Lula vai ficar calado. Mas o PT vai reclamar. Galípolo não irá se curvar a uma ação populista de um governo que está olhando a próxima eleição e não o futuro do País.
Acha que ainda há má vontade do presidente Lula em relação à Faria Lima?
Há desinformação. Lula ainda traz resquício do anticapitalismo, da época em que ele começou sua carreira no sindicalismo. E a ideologia ignora como funciona a economia. Ele se aproveitou da criação do termo Faria Lima para identificar o mercado financeiro e passou a usar a expressão para qualificar um grupo de pessoas que torceria contra o Brasil. Isso é até cômico.
Na sua avaliação, faltou esforço do governo federal em apresentar um pacote fiscal que pudesse, de fato, gerar o efeito esperado?
Faltou vontade. As primeiras ideias do pacote não eram ruins, mas foram ficando no caminho. Haddad ficou peregrinando nos gabinetes dos ministérios por várias semanas e isso foi deteriorando o plano, pela resistência domésticas. A gente viu ministro fazendo chantagem. O da Previdência [Carlos Lupi] disse que sairia do governo se cortasse de sua Pasta. Não é assim que funciona. E o presidente Lula aceitou. Até porque, no fundo, ele não estava a favor.
Mas o partido é contra corte de gastos.
Nesse ponto, ele tem o DNA do PT, que é o que impulsiona a economia é o gasto público. Esse conjunto de circunstâncias explica o fato de o mercado ter recebido mal o pacote. Mesmo que o ministro venha com um novo conjunto de medidas, elas terão pouca capacidade de atacar o problema, que é estrutural. E os cortes são de natureza conjuntural, que podem voltar lá na frente.
Então, não teremos, por parte do atual governo, um pacote fiscal adequado nem com um segundo plano?
Um ajuste digno desse nome, que ataque estruturalmente o gasto público e que devolva ao País a capacidade de um orçamento adequado, não teremos. Mesmo que a gente tenha uma crise. Além de tudo, há o desafio de convencer a sociedade que aquilo seria bom para o Brasil. A população comprou uma tese errada, de que o que faz melhorar a qualidade na educação é o gasto. O País gasta 6,3% do PIB no setor. A China gasta 4% e essa é uma das razões para que eles sejam uma potência no mundo. Não é gasto e sim gestão. No governo, existe uma barreira de natureza cultural, de percepção, de não reconhecimento de onde está o problema, que tem sido mortal para a credibilidade. E não adianta agora colocar a responsabilidade na comunicação. Isso é uma desculpa de um governo que faz errado.