O vice-presidente de Investimentos, Vida e Previdência da SulAmérica Investimentos, Marcelo Mello, vê duas fotografias para a economia brasileira.
Para este ano, ele vê sinais de retomada da economia, com o setor de serviços voltando a ter bom desempenho e as empresas aproveitando os efeitos da recomposição de estoques. Com isso, ele e sua equipe projetam que o PIB deve fechar o ano com crescimento de 1,5%, acima da mediana das projeções dos economistas ouvidos pelo Banco Central para o Relatório Focus, de avanço de 1,20%.
Mas o que poderia ser um prenúncio de retomada não passa apenas de um voo de galinha, segundo Mello. A combinação de juros em alta nas principais economias do mundo, desaceleração da China, normalização do setor de serviços brasileiros e Selic na casa dos dois dígitos deve fazer o Brasil contrair 0,70% em 2023. “Quando se coloca tudo isso num ‘pacote de sinais’, você não encontra um sinal claro de vetor de crescimento”, diz ele ao NeoFeed.
Além desses fatores, a eleição presidencial é mais um evento que afeta as perspectivas para o próximo ano. Embora não acredite que os principais candidatos na corrida eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vão rasgar a cartilha econômica, a falta de clareza sobre seus projetos econômicos impede reduzir a Selic mais rapidamente e destravar os investimentos.
“A queda [da Selic] vai depender de como o novo presidente vai se posicionar”, afirma Mello. “A gente não pode esperar que a campanha eleitoral seja uma campanha com discussões muito profundas em relação às políticas que interessam sobre o futuro da economia.”
Diante deste cenário, Mello diz que a SulAmérica está adotando uma postura “tática” em seus investimentos em bolsa. Com R$ 50 bilhões sob gestão e administração, a gestora está tomando posições menores no mercado de ações, com prazos médios mais curtos.
No momento, um dos seus principais fundos em ações, o SulAmérica Equities FIA, acumula queda de 2,48%. Já o multimercado SulAmérica Apollo FI Multimercado apresenta alta de 7,84% no ano.
Nesta conversa com o NeoFeed, o vice-presidente da SulAmérica Investimentos falou também a respeito de novos produtos que a gestora pretende lançar e destacou que 2023 será mais um ano em que o fluxo dos investidores será destinado para a renda fixa.
Acompanhe os principais trechos da entrevista:
Qual a sua visão para a economia brasileira atualmente?
Este ano está surpreendendo positivamente. Fizemos algumas revisões de PIB e estamos mantendo nossa projeção para o PIB de 2022 em 1,5%, mesmo depois do PIB do primeiro trimestre, patamar acima do que o mercado esperava. Isso se deu por conta da reposição de estoques e da retomada das atividades. O setor de serviços está caminhando bem. E quando você vê a situação dos emergentes, a Rússia vivendo essa situação geopolítica, eleições trazendo muita polaridade nos outros países da América Latina, você percebe que o Brasil, do ponto de vista relativo, está numa situação relativamente boa. A fotografia de 2022 é boa, o problema está em 2023.
Por que o problema está em 2023?
Porque você tem uma economia em que temos alguma dificuldade em enxergar algum vetor de crescimento. Os bancos centrais estão começando agora o processo de aperto monetário, tendo mais peso em 2023. Você tem a questão dos serviços, que vão estar normalizados, com todo o impacto de demanda reprimida ficando para trás. Você tem o esgotamento do processo de recomposição de estoques e você tem a sombra das despesas receberem o impacto da inflação desse passado recente, que foi mais elevada. Quando se coloca isso num “pacote de sinais”, você não encontra um sinal claro de vetor de crescimento. Estamos com uma projeção para 2023 de uma queda do PIB de 0,70%.
Para 2023, o problema é mais interno ou externo?
São os dois. Você tem um impacto maior do processo de aperto monetário nos Estados Unidos e em outras grandes economias do mundo. E tem a China, por conta dessa política de Covid free, vem com esse novo lockdown, fazendo com que os agentes de mercado reduzam de 5,3% para 4,2% a projeção de crescimento. Isso tem um impacto importante para as commodities, e acabamos sendo impactados por isso. No lado local, temos uma Selic que está próxima do processo terminal. Nós projetamos uma Selic em 13,25% ao fim deste ano, mas a Selic vai permanecer nesse patamar por um prazo um pouco mais longo. Isso traz efeitos para a atividade. E você tem uma eleição em que não sabemos de que forma pode impactar os mercados. É difícil, com base nesses pontos, identificar um vetor que possa fazer com que a economia ganhe tração em 2023.
Sobre inflação, o que esperam para 2022 e 2023? Vocês acreditam que ela permanece nos atuais patamares elevados neste e no próximo ano?
Para 2022, estamos com o IPCA de 8,6%. Nos próximos meses, a inflação começa a arrefecer. Para 2023, ela ainda vai ficar fora da meta de 3,25%, na casa de 4,3%. Para ela cair além do 4,3%, o BC teria que ser um pouco mais enfático. E aí você traz para essa discussão a questão de que o BC está praticamente sozinho no esforço de convergência de inflação. Ele está fazendo o dever de casa, mas tem toda a discussão fiscal de utilizar esse superávit que está sendo alavancado pela inflação, provisório, para subsídios, itens que podem, no curto prazo, ajudar a atividade ou arrefecer a inflação. Como o BC está sozinho nesse processo de controle inflacionário, ainda estamos com uma projeção de IPCA fora da meta para 2023.
"É difícil identificar um vetor que possa fazer com que a economia ganhe tração em 2023"
Por quanto tempo vocês acreditam que a Selic permanecerá no patamar de 13,25%? E quando vocês esperam que a inflação comece a arrefecer?
Imaginamos que no início do quarto trimestre deste ano a inflação começa a mostrar sinal de arrefecimento, mas tudo é relativo. Estamos falando de uma inflação no patamar de 8,6%, muito longe da meta. Mesmo a inflação arrefecendo, ela ainda fecha acima da meta em 2023. Então, a Selic fica parada em 13,25% até por volta do início do segundo semestre. E, partir daí, pode ter algum espaço para o BC fazer alguma redução na taxa de juros.
Do que vai depender a queda da Selic e o ritmo de redução da taxa?
Vai depender da questão doméstica. No caso, como o novo presidente vai se posicionar; como vão ser as políticas fiscal e monetária e a agenda de reformas. Quando você olha os ativos mais longos, os pré-fixados, papéis indexados à inflação, que têm vencimentos mais longos, você vê que a curva não está inclinada [para cima], o que significa que o mercado não está precificando nenhuma ruptura. Mesmo que a inflação implícita nesses ativos esteja mais alta, de longo prazo, ela cai. Isso significa que o mercado está vendo que a incerteza vai continuar, por isso tem prêmios nas curvas, mas a curva é negativa. Um ponto muito relevante que vamos ter que acompanhar a partir do fim deste ano e o início de 2023, além da questão macro, é a agenda do próximo governo.
Nesses seus cenários, a eleição presidencial tem um peso muito relevante. Como vocês estão vendo o pleito, com os dois principais candidatos, o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dando sinais mistos a respeito do controle fiscal?
A eleição ainda não está fazendo preço. A fotografia que temos hoje da eleição, muito polarizada nos dois candidatos, deve permanecer até a eleição. O que pode virar o jogo é a rejeição. Os dois principais candidatos têm uma rejeição relativamente grande. E aí o desafio deles será aumentar a rejeição do adversário. Se isso for verdade, não podemos esperar que a campanha eleitoral seja uma campanha com discussões muito profundas em relação às políticas que interessam sobre o futuro da economia. Devemos ter poucas evidências, poucas informações, até ter o candidato eleito, de como vai ser 2023. Mas independentemente do candidato que for eleito, não vemos o candidato rasgando a cartilha, uma ruptura. Não está no nosso cenário uma mudança significativa nas políticas.
"Independentemente do candidato que for eleito, não vemos o candidato rasgando a cartilha, uma ruptura. Não está no nosso cenário uma mudança significativa nas políticas"
Independentemente de quem for eleito, a polarização e a rejeição devem permanecer falando alto. Existe uma visão entre analistas de que isso prejudica o fluxo de investimentos no País. Essa situação de fato vai prejudicar os investimentos a partir do próximo ano?
Acredito que não. Nós olhamos muito para dentro, mas quando você faz uma análise relativa de Brasil, você vê que o País tem instituições muito fortes, são respeitadas e tem uma governança robusta. Tem os seus problemas, mas, no relativo, essas questões são muito positivas. Quando você adiciona a isso uma análise sobre como os nossos pares estão, estamos também em uma situação boa. Temos várias eleições ocorrendo na América Latina com candidatos muito enfáticos em terem agendas que não são pró-mercado. E você tem a questão geopolítica, da Rússia, que é um emergente importante. Diante disso, acho que nenhum dos dois candidatos assusta.
Sobre câmbio, qual a sua visão para a cotação do dólar ao final do ano?
É difícil prever. Estamos com uma previsão para o câmbio para esse ano entre R$ 4,80 e R$ 4,90, muito parecido com o que temos visto. Mas novamente volto às eleições. Quando finalizamos esse processo eleitoral, se o mercado tiver uma visão de que a agenda econômica será ortodoxa, podemos ter o câmbio apreciando bem. Claro que tem toda uma questão de fluxo, variáveis globais, mas acredito que o recado que o presidente vai passar quando sentar na cadeira pode mexer no câmbio. Talvez para o mal pode ser um pouco exagerado, porque o câmbio já está num patamar elevado. Só se a agenda for muito heterodoxa. Se vier um discurso mais ortodoxo, uma agenda clara de reformas para alguma inflexão do endividamento, acho que o câmbio pode surpreender.
Diante desse cenário macroeconômico e político, qual a visão da SulAmérica Investimentos para a bolsa?
O Brasil começou a fazer o dever de casa de controle inflacionário lá atrás, muito antes de outros mercados. Quando começamos a fazer nosso aperto monetário, vimos um ajuste importante nos preços dos ativos. No começo, as empresas com carimbo de crescimento, como tecnologia, empresas com múltiplos maiores, sofreram bastante com reajuste de preços, enquanto os mais beneficiados foram os incumbentes, geradores de dividendos, as empresas de valor. O que começamos a ver agora são os agentes de mercados voltando a olhar as empresas de crescimento, porque elas foram tão penalizadas que ficaram novamente atrativas. Na SulAmérica Investimentos, estávamos muito no setor de commodities, varejo, consumo básico. Agora, estamos começando a olhar novamente empresas com perfil de crescimento, de múltiplo maior.
Do ano passado para cá, vimos uma reversão da ida das pessoas para a Bolsa, com muita gente voltando a renda fixa. Você acredita na possibilidade de vermos um retorno dos investidores à renda variável?
Acho difícil ver o fluxo do investidor brasileiro caminhar para a Bolsa com esse nível de taxa de juros. Como estamos com uma projeção de taxa Selic alta por um período longo, não acredito que teremos um fluxo positivo de investidores brasileiros para a Bolsa em 2023. Mas o estrangeiro pode vir. O que pode atrapalhar um pouco esse fluxo de estrangeiros é o Fed [banco central dos Estados Unidos] apertar os juros num patamar maior que o mercado espera. O mercado está comprando a tese do Fed de que os juros irão até 2,5%. Se esse juros precisar ser elevado ainda mais, aí você tira o fluxo de estrangeiro no Brasil. Mas, para o brasileiro, 2023 será novamente o ano da renda fixa.
Considerando esse cenário, como vocês estão estruturando carteiras, como estão orientando os investidores?
Na prática do dia a dia, em termos de alocação, temos posições mais táticas e menos estruturais. Aquela visão que tínhamos no passado, em situações mais confortáveis em termos macro, de comprar um ativo, sentar em cima e esperar o preço maturar não é o que estamos praticando hoje. Basicamente, o que estamos fazendo é ter posições menores, posições mais rápidas, com prazos médios mais curtos, trazendo menos volatilidade aos portfólios e eventualmente posições de arbitragem.
"acho difícil ver o fluxo do investidor brasileiro caminhar para a Bolsa com esse nível de taxa de juros"
Qual a visão para renda fixa, neste e no próximo ano?
Do ponto de vista de fluxo, estamos recebendo muito dinheiro aqui na SulAmérica Investmentos, porque nossa grade de produtos de crédito cresceu muito. E acredito que isso vai permanecer para 2023. Olhando para a indústria de fundos, acredito que devem vir recursos para fundos de crédito privado, para fundos de renda fixa que alocam em juro nominal ou real. Essas são as categorias que devem atrair mais recursos, como estamos vendo agora.
Vocês planejam realizar algum reposicionamento de produtos, ou entendem que o atual portfólio atende a demanda dos investidores?
Pretendemos fazer, sim. Lançamos recentemente um fundo long biased e acreditamos que esse tipo de produto, além de ser complementar ao nosso portfólio, pode ter espaço em 2023, porque protege quem quer ter um pouco mais de exposição em bolsa. E montamos recentemente um time de fundos imobiliários e estamos esperando a aprovação da CVM de um fundo que vamos lançar no mercado, um FOF multimercado [tipo de fundo que permite aos investidores acessem vários fundos via uma única aplicação], com carência de 90 dias, que vai investir em fundos imobiliários ou em CRIs.
Na parte de previdência, como está a captação desses produtos? Sentem que têm tido aderência?
Tudo o que falamos sobre atratividade de investimento na parte de renda fixa, nós temos visto em previdência. Apesar do recurso de previdência ter uma natureza de longo prazo, o que está tendo fluxo nos PGBLs e VGBLs é renda fixa, são estratégias de crédito, de juro real e nominal, muito pouco para fundos de previdência em ações ou multimercados. Nesse cenário, os fundos que mais captam na nossa previdência esse ano são os fundos geridos pela própria SulAmérica Investimentos e alguns fundos de crédito que a gente tem no portfólio.