A indústria de fundos nacional ganhou um presente de Natal antecipado nesta sexta-feira, 23 de dezembro, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A autarquia divulgou um novo marco regulatório para fundos de investimento que, segundo especialistas ouvidos pelo NeoFeed, promete modernizar, simplificar e dinamizar o segmento.
Prevista para entrar em vigor no começo de abril de 2023, a Resolução CVM 175 reforma as regras aplicáveis aos fundos de investimento atualmente regulados pela Instrução CVM 555.
As novas regras englobam fundos de ações, multimercado, renda fixa e outros, que passarão a ser denominados fundos de investimento financeiros. E ela também altera as regras para fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs).
Resultado da maior audiência pública já realizada pela CVM, tendo início em abril de 2020, a Resolução regulamenta alguns pontos trazidos pela Lei da Liberdade Econômica, publicada em setembro de 2019, trazendo para o Brasil algumas práticas já consagradas nos principais mercados globais.
“Ela é uma norma que vem para mostrar o acompanhamento da CVM com relação à dinâmica da indústria nos últimos anos”, diz Vitor Pagani Arantes, sócio do Mello Torres Advogados. “É uma norma que carrega tudo o que a indústria vem amadurecendo nos últimos anos.”
A expectativa é de que a norma, combinada com a mudança promovida pela CVM nas regras para ofertas públicas, permita a criação de novos tipos de produtos e amplie o acesso para investidores de varejo, que vêm ganhando espaço no mundo dos investimentos.
Para este público, em particular, as mudanças darão a eles acesso a fundos que podem investir até 100% de seu patrimônio no exterior, algo que até o momento só é permitido em fundos a investidores classificados como profissionais, que têm mais de R$ 10 milhões em aplicações financeiras.
Os investidores menores também terão a possibilidade de investir em FIDCs, restritos atualmente aos chamados investidores qualificados, com mais de R$ 1 milhão em investimentos.
Já para as gestoras, a Resolução CVM 175 dá mais flexibilidade para a constituição de novos produtos, além de simplificar sua constituição. Neste sentido, uma mudança estrutural que a norma institui é a possibilidade de fundos contarem com classes de cotas com patrimônios segregados.
No caso, um único fundo poderá ter várias classes de cotas, com um patrimônio próprio, que não se compartilha com o patrimônio das demais classes. Isso se distingue do que é feito atualmente, em que a cota representa todo o patrimônio do fundo.
Com a mudança, um único fundo poderá ter diversas estratégias, voltadas para diferentes tipos de perfis de investidor, mas atuando dentro do mesmo tipo de ativo. Em um fundo de ações, por exemplo, todas as classes precisam investir em ações, mas cada classe terá um perfil de risco distinto.
"É como se cada classe de cota fosse um fundo de investimento específico, com patrimônio específico", diz Bernardo Kruel, sócio no Stocche Forbes Advogados.
Segundo ele, essa estrutura permitirá às gestoras simplificarem estruturas e reduzirem custos, evitando ter que estruturar "fundos de fundos". "Você realiza diferentes estratégia num mesmo veículo, e a tendência é reduzir os custos do fundo, beneficiando o investidor", afirma
Além da questão da segregação de patrimônios, a norma também abre a possibilidade de fundos investirem em ativos socioambientais, como créditos de carbono, e também em criptoativos.
A Resolução 175 traz ainda uma série de regras que visam a dar segurança jurídica a investidores, gestores e administradores, fornecendo mais clareza sobre obrigações e responsabilidades das partes
Um dos pilares da reforma trata de mecanismos para dar maior segurança ao patrimônio dos investidores. Entre as mudanças aprovadas pela CVM está a limitação da responsabilidade dos cotistas em caso de problemas nos fundos.
Pelas regras atuais, pelo fato de os fundos serem condomínios, se eles dão algum problema, ficando com o patrimônio negativo, os cotistas podem ser chamados para depositar valores adicionais em relação ao volume já aportado.
“Com a regulamentação publicada pela CVM, isso não vai acontecer mais, com a exposição do investidor ficando limitada ao capital que ele subscreveu”, diz André Mileski, sócio da prática de fundos de investimento do escritório de advocacia Lefosse. “Se o fundo perder dinheiro, o cotista não vai ser chamado para colocar mais dinheiro”
Ele destaca que, a partir de abril, fundos com problemas poderão passar por um processo de insolvência, no mesmo molde da insolvência civil, procedimento utilizado para declarar a situação em que o devedor possui mais dívidas do que bens ou capacidade de pagamento e os bens são utilizados para pagar os credores.
Ainda que estejam sofrendo com resgates nos últimos meses, em meio ao aumento de juros e piora das condições econômicas, a indústria de fundos vem crescendo.
Dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) mostram que a quantidade de fundos cresceu 82,5% nos últimos cinco anos, chegando a 28,7 mil veículos, com um patrimônio líquido de cerca de R$ 7,5 trilhões.