Nos últimos 12 meses, era esperado que a renda fixa aumentasse sua participação na carteira do investidor. Segundo dados da Anbima, o crescimento foi de 20%. Mas essa classe de ativo não chegou perto de uma que vem conquistando o mercado por retornos atrativos e descorrelacionados de riscos: os fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs).
Com um patrimônio líquido de R$ 567 bilhões, os FIDCs saltaram 45% em um ano. Essa forte expansão vem na esteira de uma regulação mais clara da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). E a aposta dos gestores é que seus segmentos também evoluam trazendo uma gama de possibilidades para o mercado de crédito e para os investidores.
A pedido do NeoFeed, a agência de classificação de risco Liberum Ratings realizou um estudo inédito da rentabilidade de diferentes classes de FIDCs: multicedente e multisacados, monocedente e monosacado, e consignados público e privado.
A amostra, que cobriu cerca de 60% do mercado de FIDCs, com análise de mais de 240 fundos, de mais de 10 mil cedentes e mais de 377 mil sacados nos últimos quatro anos, no período de janeiro de 2020 a julho de 2024, trouxe resultados bem distintos para o investidor.
“O FIDC possibilita retornos elevados com baixa volatilidade, mas com diferentes níveis de risco de crédito que o investidor precisa estar atento”, afirma Maurício Bassi, sócio-fundador da Liberum Ratings, em entrevista ao NeoFeed.
O destaque do estudo, que fez a mensuração das rentabilidades usando as cotas subordinadas, foram os FIDCs que combinam multicedente e multisacado, o segmento mais desenvolvido da indústria hoje, representando quase 80% da amostra analisada. (As cotas subordinadas mostram, de fato, o risco desse ativo por serem a última na prioridade de recebimento dos rendimentos, ou seja, têm o maior risco de inadimplência assim como oferece as maiores possibilidades de ganhos.)
De acordo com a Liberum, a rentabilidade mensal média ponderada desse FIDC, que tem o seu risco pulverizado ao investir em direitos creditórios provenientes de mais de um cedente (empresa fornecedora do produto ou serviço) e de mais de um sacado (empresa que contrata e paga), foi de 1,8% ao mês, acumulando 164,5% de valorização desde 2020. No mesmo período de comparação, o CDI rendeu em média 0,7% ao mês e 44,7% em quatro anos e meio.
“Esse é o segmento mais maduro da indústria e mesmo assim cheio de possibilidades. Os bancos se concentraram muito, não conseguem e não tem interesse em atender toda a demanda por crédito. Temos um espaço enorme de crescimento e nossa rentabilidade e potencial de crescimento tem relação direta com a atividade econômica nacional”, afirma Eduardo Siqueira, diretor de RI e DCM da SRM Asset.
A SRM Asset foi a primeira a lançar um FIDC Multicedentes/Multisacados no mercado e chegou a R$ 1 bilhão sob gestão apenas nessa estratégia - e pretende crescer 20% ao ano apenas nessa classe.
O NeoFeed ouviu sete gestoras para entender qual é a tendência entre os FIDCs. Todas afirmam que a escassez de crédito para pequenas e médias empresas e a pulverização de risco de crédito dos multicedentes e multisacados são a melhor combinação para atrair o investidor de varejo, que começa a conhecer esse ativo.
Além disso, os FIDCs multicedentes e multisacados continuarão puxando o crescimento do setor. E devem manter as suas rentabilidades extremamente atrativas, sendo muito competitivos frente a uma oferta cada vez mais escassa de crédito isento de tributação e uma maior preocupação com a saúde financeira de grandes emissores, após os casos Light e Americanas.
A CVPAR, por exemplo, acumula quase 20 anos de experiência na estruturação de FIDCs multicedentes e multisacados antes de entrar nos monocedentes, uma decisão tomada há cerca de dois anos.
“Essa é uma indústria que sofreu bastante com aventureiros que entraram nesse mercado. Agora, esse mercado é bem regulado e está sendo democratizado. Há oportunidades em todos os lados, desde que se saiba estruturar cada tipo de produto”, afirma Jonatas Ortega, head de gestão da CVPAR Business Capital, com cerca de R$ 1 bilhão sob gestão.
Segundo o estudo da Liberum, os monocedentes, que têm o seu risco concentrado no recebimento do capital da empresa que gera e cede o direito creditório para o fundo, entregou uma rentabilidade mensal média ponderada de -0,6% ao mês, e desde 2020 teve rentabilidade negativa em 32%. Esse é o segundo segmento mais representativo da indústria de FIDCs, com 9,3% da amostra analisada.
Na CVPAR, para mitigar os riscos na gestora, em qualquer estratégia mono, a empresa precisa ser cotista da cota subordinada para dividir riscos. E toda a estruturação é feita com uma garantia real (variáveis importantes na análise do risco de crédito do fundo).
“Esse risco está muito concentrado na performance do recebimento. E durante a pandemia houve complicações para algumas empresas e alguns fundos em específico foram muito mal e levaram a média para baixo”, afirma Décio Baptista, sócio-fundador da Liberum Ratings.
Quem é entusiasta da estratégia de monosacado, que têm o seu risco de crédito na empresa devedora do crédito, é a gestora Polígono, com cerca de R$ 6 bilhões sob gestão. Recentemente, ela fez a expansão do seu FIDC do Mercado Livre, que já possui mais de R$ 1 bilhão sob gestão.
“As empresas perceberam que se o seu fornecedor tem problemas com o banco o crédito pode ficar mais restritivo e elas querem diversificar esse risco com FIDCs. Temos visto uma grande demanda de empresas com bom risco de crédito querendo dar alternativas para os seus fornecedores”, afirma Leandro Andrade, gestor da Polígono.
Apesar de ser o FIDC com a menor representatividade do mercado, com 3,5% da amostra analisada pela Liberum, a Polígono acredita que os monosacos são a classe que mais tende a ganhar espaço - a rentabilidade mensal média ponderada foi de 1,4% ao mês, acumulando 108,6% de valorização desde 2020 (portanto acima do retorno do CDI).
Como nesse caso a rentabilidade depende muito do risco de crédito da empresa, a gestora usa como estratégia se integrar a própria plataforma da empresa e criar uma amarra operacional e tecnológica que ajuda a mitigar fraudes, sendo uma vantagem também para a empresa.
FIDCs de consignado: um mundo à parte
Polígono e CVPAR estão avaliando entrar no universo de FIDCs para crédito consignado – um mercado quase trilionário dominado por bancos. Quem navegou antes nesse espaço foi a RB Asset, que estruturou um FIDC de consignado público do INSS há três anos e detém R$ 1,5 bilhão sob gestão nessa carteira.
Os consignados públicos representam 5,2% da amostra analisada pela Liberum e, ao contrário do que o senso comum imagina (que têm menor risco), apresentaram um resultado ruim. Enquanto o CDI rendeu em média 0,7% ao mês no período, eles perderam 0,4%.
O motivo do mau resultado está ligado ao mercado. Pela natureza de taxa prefixada, a marcação a mercado recalculou o valor dos papéis com a alta da taxa de juros no período, de 2% para 12%.
A RB Asset conseguiu se diferenciar da média da indústria. Ela não sofreu com a marcação a mercado porque fez uma proteção (hedge) da sua operação para não correr esse tipo de risco, conseguindo retornos bem atrativos na comparação com os concorrentes.
“Nós tiramos o descasamento das taxas e nossa cota rende em percentual do CDI. Muita gente não tomou essa proteção para economizar, já que o spread é mais apertado, e se deu muito mal”, diz Marcelo Michaluá, CEO da RB Capital.
De acordo com ele, os FIDCs são minibancos regulados pela CVM e são uma alternativa mais barata e eficaz que complementa o mercado bancário. "Temos muito apetite para aumentar esse mercado de mais de 500 bilhões”, acrescenta Michaluá.
A BRZ Asset, que atua tanto com a esfera federal como estadual e municipal, pretende dobrar os seus atuais R$ 400 milhões até o fim do ano, com alta demanda de family offices, gestoras e mesmo plataformas de investimento.
“Temos 14 anos de experiência em consignado público e estamos colhendo os frutos dessa experiência agora. Identificamos lá atrás que esse é um crédito de muita qualidade, não à toa os bancos amam esse mercado. Mas vimos que poderíamos ganhar um espaço, mas é preciso eficiência”, afirma Jaime Rangel, sócio da BRZ.
A gestora analisa a entrada no consignado privado, um segmento mais novo e incipiente, que representa apenas 2,5% da indústria pela amostra da Libirum Rating- taxa média de retorno no mesmo período analisado foi um pouco abaixo do CDI, de 0,6% ao mês.
“O mercado consignado tem spread menor, com taxas reguladas pelo governo, e é preciso maior eficiência operacional para dar certo. É um produto muito atrativo que os bancos têm capturado, mas que os FIDCs também ganham tração. Tendo uma avenida enorme de potencial crescimento”, diz Bassi, da Liberum.
Se não falta otimismo com os atuais players desse mercado, essas gestoras apostam que haverá, em breve, mais entrantes querendo abocanhar um pedaço desse fatia. Mas se crédito já é uma área minada, o FIDC é muito mais, como mostram as rentabilidades médias do mercado. A máxima de achar um bom gestor para a estratégia pode ser ainda mais necessária.
"A CVM incentivou o FIDC com o ingresso do público em geral como investidor, esperamos que um volume importante da disponibilidade do varejo venha para o FIDC. E as empresas devem enxergar cada vez mais as suas vantagens ”, afirma Delano Macêdo, sócio da Solis Investimentos, com cerca de R$ 16 bilhões sob gestão.