Nenhuma classe de fundo tem crescido tanto nesta década quanto os Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDCs) – e eles dificilmente perderão o posto de campeões dos anos 2020.

Nos últimos cinco anos, a classe mais que triplicou de tamanho, de R$ 180 bilhões para R$ 630 bilhões, enquanto multimercados e fundos de ações atravessaram a maior crise de sua história. A expectativa é que o montante, que já supera o volume dos fundos de ações, continue avançando de forma significativa, com projeções de superar R$ 1 trilhão nos próximos dois anos.

Retornos normalmente acima do CDI em um ambiente de juros altos, somados à abertura desse mercado para investidores de varejo, têm mantido a captação aquecida. Nos últimos 12 meses, houve uma entrada líquida de R$ 92 bilhões nos FIDCs.

Fundos líquidos de renda fixa – entre crédito privado e títulos públicos – captaram R$ 103 bilhões, mas num universo de quase R$ 4 trilhões em patrimônio, o impacto relativo é menor.

Além da atratividade dos rendimentos, o crescimento dos FIDCs reflete a desbancarização das empresas médias, que passam a acessar diretamente o mercado de capitais. Na linha de frente estão os originadores, figura cada vez mais presente e com forte capilaridade junto a companhias locais ou segmentadas. Em geral, atuam em nichos específicos e se diferenciam dos bancos pela capacidade de análise de crédito.

“Tem muita gente que trabalhava em banco e que está atuando nesse braço de originação”, diz Marco Tulio Lima, head comercial da Vórtx, que fornece infraestrutura para fundos de investimento, ao NeoFeed. A empresa administra R$ 63 bilhões e, segundo Lima, 70% do pipeline atual vem de FIDCs.

Com passagens por Santander e Fator e mais de uma década no mercado de emissão de dívida, Kauê Teixeira é um símbolo desse movimento. Há menos de um mês, fundou a Sublime, uma boutique de estruturação independente de FIDCs. O negócio consiste em prospectar empresas do middle market que precisam captar recursos e conectá-las a investidores – com toda a operação estruturada por terceiros.

“Você não tem barreira de entrada para abrir uma boutique, mas precisa de um conhecimento regulatório muito alto. Não somos regulados. Então, para montar um FIDC, preciso trazer uma gestora, um administrador, um custodiante, um escriturador, um rating”, afirma Teixeira.

O fundador da Sublime destaca que a possibilidade de montar estruturas a partir de R$ 15 milhões tem viabilizado a entrada de novos originadores e estruturadores independentes.

Agnóstico em relação aos setores, ele prefere atuar com indústrias – que usam FIDCs para alongar prazos com fornecedores ou antecipar recebíveis – e com fintechs, que se aproveitam do instrumento para crescer. “O FIDC consegue enquadrar muito bem a operação das fintechs – principalmente porque o risco não é da empresa, mas dos contratos ou recebíveis que ela origina.”

Competição e segmentação

Uma dessas fintechs que utilizam os FIDCs é a Noodle, investida pela Ebanx e pela QED. Focada em antecipação de recebíveis para criadores de conteúdo, é originadora de um FIDC com a SRM Asset há dois anos.

A Noodle opera com influenciadores de duas formas: antecipando valores de contratos publicitários ou receitas de plataformas como YouTube e Instagram. Todo o processo – da originação à cobrança – é tocado internamente. “A Noodle é responsável por todo o fluxo, desde o momento em que a gente capta o cliente até a liquidação da operação, ”, diz Igor Bonatto, fundador e CEO da empresa.

A estrutura é 100% digital, integrada ao software da Noodle, usado por agências e criadores. “A maior parte das nossas operações leva menos de 10 minutos, do pedido até o dinheiro na conta”, afirma Bonatto.

Formado em cinema, ele diz que o background no audiovisual ajudou a adaptar o modelo de crédito a um nicho pouco atendido. “Os bancos não sabem quais são os riscos, o fluxo financeiro, a demanda desse mercado.”

Em 2024, a Noodle movimentou mais de R$ 200 milhões. A meta é chegar a R$ 500 milhões neste ano. Além de gestora do FIDC, a SRM é também uma das investidoras da fintech, por meio de seu braço de venture capital voltado à originação de crédito.

Eduardo Siqueira, diretor de RI da SRM Asset, afirma que a gestora também atua como uma espécie de incubadora de originadores. Começa estruturando operações em parceria com fintechs ou boutiques e, conforme o parceiro demonstra capacidade de originação e escala, cria um FIDC exclusivo para ele.

“É uma forma de estruturar para terceiros dentro do nosso acordo com a SRM Ventures. Além disso, avaliamos também a entrada via equity, quando faz sentido. No fim, é uma prestação de serviço de estruturação e distribuição”, diz Siqueira

Para atender à crescente demanda por crédito estruturado, Paulo David criou a AmFi, plataforma que conecta originadores com investidores. Já são mais de 100 conectados à base. O perfil dos originadores varia bastante. Há desde ex-fornecedores de tecnologia para restaurantes, que passaram a antecipar crédito para o setor, até ex-consultores industriais que passaram a oferecer crédito para sua clientela antiga. “É um mercado com muitos entrantes”, afirma o CEO e fundador da AmFi.

Fundador também da Grafeno (recentemente vendida para a Vórtx), David diz que a AmFi nasceu da percepção de que o mercado de crédito estruturado no Brasil estava crescendo rápido, mas ainda carecia de tecnologia para escalar. A proposta foi criar uma infraestrutura digital que automatiza toda a jornada – do funding à conciliação – e abre espaço para uma nova geração de players.

A distribuição das operações é feita via tecnologia baseada em blockchain, com contratos inteligentes que automatizam o processo. Mas não é só tecnologia: a AmFi também aposta no relacionamento. “Dos 10 maiores family offices de São Paulo, quatro ou cinco já têm produtos rodando dentro da nossa plataforma”, afirma David.

Os maiores alocadores em FIDCs ainda são os fundos de crédito privado, em busca de retornos superiores aos das debêntures tradicionais. Mas o mercado tem crescido de forma acelerada também entre pessoas físicas, impulsionado pela Resolução 175, que flexibilizou o acesso a essas estruturas. De janeiro a abril, os FIDCs cresceram 33% nas carteiras do varejo e do varejo alta renda, somando R$ 24,3 bilhões.

Para Roberto Cortese, diretor para a América Latina do Apex Group – maior administradora de fundos estruturados do Brasil – esse é um movimento que está apenas começando. “O volume dos FIDCs ainda vai crescer muito quando o varejo entrar de vez. Ele ainda não entrou.”