Nova York - A fila para entrar na igreja de St. Patrick, na Quinta Avenida, ia se renovando à medida que os fiéis circulavam para homenagear o papa Francisco na segunda-feira, 21 de abril. Sua imagem sorridente no altar contrastava com o silêncio e a tristeza de quem passava pelo local.
No dia seguinte, Ana Botín, presidente executiva do Santander, manifestou sua admiração pelo papa Francisco, na sede do banco em Manhattan, a poucos quarteirões da maior catedral católica dos Estados Unidos.
“Foi uma pessoa muito valente, que tomou decisões difíceis e que eram muito necessárias para a Igreja. Viajou a países onde nunca um papa tinha ido antes. E, até certo ponto, foi reformista ao tentar levar a Igreja Católica a uma era moderna. Fez de uma maneira genuína e que respeitava a todos”, disse Botín a um grupo de jornalistas latino-americanos, entre eles o NeoFeed.
No dia da morte do papa Francisco, as bolsas americanas tiveram também o que lamentar. O presidente Donald Trump manteve seu tom belicoso ao ameaçar a independência do Federal Reserve, o banco central dos EUA, e os investidores reduziram suas posições nos ativos americanos.
Enquanto a presidente executiva do Santander falava sobre as tarifas comerciais, sua opinião sobre Brasil e a América Latina nesse contexto, as bolsas americanas, nesta terça-feira, registravam recuperação em relação ao pregão anterior. Mas é uma volatilidade que vai seguir presente.
“O problema das tarifas é que quanto mais tempo demorar para definir quais países terão quais tarifas, mais isso afetará o crescimento. As empresas não sabem onde posicionar suas cadeias de produção até que essas questões estejam claras”, afirmou Botín.
Antes da sua viagem aos Estados Unidos, Ana Botín esteve reunida com o presidente do Banco Central do Brasil, Gabriel Galípolo. Entre os temas da conversa, eles falaram sobre condições iguais de competição de mercado - um assunto que Galípolo tratou na sua reunião no Conselho de Assuntos Econômicos (CAE), no Senado.
"A abertura é fantástica [de mercado], mas não me faça atravessar o Amazonas com pedras nos bolsos. Eu estou disposta a nadar, mas quero nadar igual ao outro", disse Botín.
Ela usa a metáfora para ilustrar que, embora seja favorável à abertura econômica para competidores, defende que as regras sejam justas e iguais para todos eles. As grandes plataformas tecnológicas e empresas de pagamentos, por exemplo, operam com exigências regulatórias e de capital diferentes das que são impostas aos bancos tradicionais.
Além desses temas, Botín falou sobre tarifas, independência dos bancos centrais, taxa de juros e crescimento econômico, Brasil e América Latina.
Acompanhe, a seguir, os principais pontos da conversa com a presidente do Santander:
Tarifas anunciadas pelos Estados Unidos
Está claro que as tarifas vão aumentar a inflação e diminuir o crescimento. Uma economia como a americana, muito baseada no consumo e muito aberta, verá os preços subirem, o que fará com que a economia desacelere. O problema das tarifas é que quanto mais tempo demorar para definir quais países terão quais tarifas, mais isso afetará o crescimento. As empresas não sabem onde posicionar suas cadeias de produção até que essas questões estejam claras.
Bancos Centrais e sua independência
Primeiro, é normal que exista debate sobre as decisões dos bancos centrais. Isso é algo que ocorreu antes nos Estados Unidos e ocorre em muitos países. Esse debate político existe. Segundo, também é evidente que os bancos centrais desempenham um papel fundamental como âncoras do sistema e, portanto, é muito importante que mantenham sua independência. Isso é algo que destaquei no caso da América Latina e é o mesmo caso em todos os países, incluindo os Estados Unidos. A independência das instituições deve ser respeitada. Isso é óbvio. E tenho certeza que será. Não tenho dúvida de que as instituições são fortes nos Estados Unidos e continuarão sendo.
Taxas de juros e crescimento econômico
Trabalhamos com um cenário no caso da Europa em que as taxas cheguem a 2%. É possível que de fato estejam um pouco mais baixas até o fim do ano, porque o crescimento está sendo menor do que o esperado. Igualmente nos Estados Unidos, o crescimento está desacelerando. Sempre que a inflação esteja sob controle, o lógico seria que as taxas também se ajustassem a isso, mas isso é algo que veremos. Sem dúvida, o cenário é de menor crescimento, como já disse o FMI. Nós trabalhamos com a perspectiva de que haverá menor crescimento. Quero destacar uma coisa, que o mais importante para um banco, sem dúvida um banco como o Santander, é o nível de emprego, porque, além do crescimento e das taxas que nos afetam, o nível de emprego é o que mais afeta as provisões e a inadimplência. Se uma pessoa continua tendo trabalho, é mais fácil que atenda suas obrigações.
"Estamos monitorando de maneira muito próxima a situação, mantendo o guidance que demos no início do ano, apesar do ambiente estar algo diferente"
Santander e os riscos do cenário econômico atual
Nosso primeiro trimestre não foi afetado até agora. Estamos monitorando de maneira muito próxima a situação, mantendo o guidance que demos no início do ano, apesar do ambiente estar algo diferente. O sistema financeiro global, com o Santander incluído, aumentou o capital de maneira importantíssima - passamos de US$ 2 trilhões para US$ 6 trilhões em capital nos grandes bancos mundiais. No caso do Santander, no primeiro trimestre subimos nosso capital, melhoramos a rentabilidade para 15,7% e seguimos crescendo o número de clientes. Nossa prioridade é seguir apoiando os clientes como fazemos sempre.
O peso do custo de capital
Um custo de capital elevado é um imposto ao crescimento, à inovação e, ao final, a todos os cidadãos, porque os bancos são, como sempre digo, os encanamentos da economia. Uma das questões que sofremos na Europa e também na América Latina é que o custo de capital dos bancos é mais alto do que o dos bancos americanos. Se eu tenho que dar um retorno aos meus investidores de 14% ou 15% como banco Santander, comparado com um competidor americano, isso afeta o custo do crédito, o crescimento do país, os postos de trabalho e o custo das hipotecas dos cidadãos.
América Latina no cenário econômico global
A América Latina é uma ganhadora relativa ao resto do mundo em um ambiente que sem dúvida vai ser muito diferente do que estamos acostumados. Relativo a outros países, creio que a América Latina se beneficiará e já estamos vendo evidências disso. O mundo crescerá menos, mas a América Latina em termos relativos sofrerá menos essa desaceleração.
Posição favorável da região
Há muitas razões tanto do ponto de vista geopolítico como econômico, incentivos de ambos os lados dos Estados Unidos, mas também da América Latina para ter uma maior integração. Além disso, a região tem uma base muito mais sólida do que teve em décadas anteriores, com maior fortaleza institucional, reservas internacionais robustas e déficits de conta corrente mais moderados.
Reconfiguração da ordem mundial
A América Latina tem maior importância do que nunca nesta reconfiguração. É um momento em que a região pode assumir, inclusive, um papel de liderança em nível mundial - algo que não era fácil de dizer há alguns anos. Será um jogador chave na transição energética e em temas como minerais raros, com três países da região detendo quase 60% das reservas mundiais de lítio.
Acordos comerciais e integração
A América Latina ativou muito rapidamente acordos comerciais com a Europa. O trabalho com o Mercosul já está feito, faltando apenas a assinatura. Há também o Acordo Transpacífico (TPP), que já está operando, conectando a América Latina com países asiáticos. O USMCA, assinado na presidência anterior de Trump, já foi modificado e oferece uma base sólida para acordos mais rápidos com México e Canadá.
Brasil no contexto da guerra comercial
O Brasil estará bem conectado tanto com Estados Unidos como com Europa e Ásia através dos diferentes acordos. Em um contexto de menor crescimento e demanda global, o Brasil poderá substituir outros fornecedores, como já estamos vendo com a maior demanda chinesa por soja brasileira. O Brasil tem um mercado interno enorme e o que precisa é mais investimento em infraestruturas para acelerar o crescimento.
"O setor financeiro [no Brasil] tem uma posição de grande força em todos os grandes bancos, com capital acima de 15%"
Evolução do Brasil
Nos últimos 20 anos, a produção de petróleo e gás multiplicou-se por três. A dívida em dólares passou de 40% para 5%, algo muito importante no ambiente atual. As reservas multiplicaram-se por 10, chegando a US$ 350 bilhões comparados com US$ 35 bilhões há 10 anos. O setor financeiro tem uma posição de grande força em todos os grandes bancos, com capital acima de 15%. E a continuidade nas políticas do Banco Central é promissora.
Avaliação da Argentina
Hoje a Argentina está em posição de ser um dos motores da América Latina. Isso é algo difícil de acreditar, mas é assim. Esperamos que 2025 seja um ano de transição e que o país cresça 5%. Com uma balança fiscal e uma inflação em tendência de baixa contínua - isso é superimportante. 2025 vai ser um ano-chave, inclusive porque também haverá uma parte de política, de eleições.
Perspectiva para a Argentina
Sobre as perspectivas da Argentina, creio que o que foi feito nos últimos 15 meses é impressionante. As medidas que foram tomadas demonstram com os dados que temos hoje que foram as corretas. Acredito que parar de 'imprimir dinheiro' foi muito positivo. Esse tipo de medidas que são duras para toda a população, no final, os que mais se beneficiarão esperamos que sejam os que menos têm, porque a inflação mata os que têm menor poder aquisitivo. E de fato, em 15 meses já estamos vendo um país que vai crescer. E isso é algo que acredito que vai além das expectativas de muitas pessoas. O tema da liberação do câmbio é essencial. O fato de que, quando investimos em um país, possamos receber dividendos é algo muito importante. O fato de que possamos não só gerar lucros, mas remunerar os acionistas, o que não tínhamos sido capazes de fazer por muitos anos, vai estimular que haja mais investimento na Argentina
Reformas estruturais na América Latina
É preciso fazer essas reformas antes que o continente envelheça. É fundamental continuar investindo em capital humano nas reformas, em uma era que será muito destrutiva pela inteligência artificial e também pela desglobalização. Precisamos baixar o custo de capital para aumentar o investimento. Um setor financeiro forte com crescimento regulado - sim, mas não demasiado - com regulação que permita crescer é chave.
Mudança nas regras do jogo
A economia de mercado só funciona se duas coisas superimportantes forem cumpridas. Sabem quais são? Competição justa e transparência. E isso não está acontecendo com as grandes plataformas. A regulação deveria ser baseada no que você faz, não em quem você é, não em ser uma entidade legal banco, uma entidade legal empresa de pagamentos. Se você faz pagamentos, o nível de capital, o nível de supervisão deveria ser o mesmo e não é assim. A maneira de fazer isso é muito simples: sentar-se com todos os setores da economia, porque não é só o financeiro. É o financeiro, são os carros e os táxis, são os hotéis, os Uber, os Airbnb, são todos os setores, os meios de comunicação. Exatamente o mesmo.
Modelo de negócio
Temos um modelo que definimos como "um banco digital com agências", o que significa que vamos trabalhar com as melhores ferramentas digitais e também com pessoas que tenham cara e olhos - pessoas, não robôs, embora também tenhamos robôs. Muito importante também são os efeitos de trabalhar juntos em rede, tanto dentro do país, entre as diferentes divisões de negócio, como em nível global. Para competir melhor com os grandes bancos locais no Brasil, no México e em todos os países, utilizamos a escala global de investimento do Santander, o que nos torna mais competitivos.
O jornalista viajou a convite do Santander Brasil