Em setembro do ano passado, Leonardo Porto, economista-chefe do Citi Brasil, começou a ligar o sinal de alerta de que o cenário de corte de juros não era um céu de brigadeiro. Para ele, havia nuvens carregadas chegando para atrapalhar uma redução da taxa Selic abaixo de 10%.

Ao contrário da visão de Porto, o mercado segue otimista com a Selic a um dígito ainda em 2024. O boletim Focus, que traz a mediana das previsões dos economistas ouvidos pelo Banco Central, está em 9% ao ano. Mas há quem coloque a taxa básica de juros perto de 8%.

“Você junta o mercado de trabalho apertado, que deve apertar mais ainda dado o cenário de atividade econômica, a inflação que já está rodando acima do centro da meta, próximo do teto, com um quadro onde as expectativas para o médio e o longo prazos estão desancoradas do centro da meta. O Banco Central vai ter dificuldade para cortar a taxa de juros e até justificar a continuidade do corte de juros”, diz Porto, em entrevista ao NeoFeed.

Além desses fatores, o economista-chefe do Citi Brasil chama a atenção para dois pontos assimétricos que têm tudo para contribuir com uma redução mais cautelosa da Selic. A indicação da ministra do Planejamento, Simone Tebet, de que a revisão da meta fiscal está na mesa. Para Porto, a alta do dólar nos últimos dias para a casa de R$ 5 e R$ 5,05 são sinais desse ruído doméstico.

O outro ponto que vai mexer com o mercado é a primeira troca de mandato do presidente do Banco Central após independência da autarquia federal. Embora ainda seja muito cedo para falar de nomes, o mercado financeiro já mexe as suas peças nesse xadrez que envolve política e economia.

“O principal, primeiro, é a percepção dos analistas quanto ao nome. A gente sempre tem percepções ex-ante. Isso evidentemente ajuda a ancorar num ponto melhor ou eventualmente pior”, diz ele.

Os principais trechos da entrevista você lê a seguir:

Entre os economistas, você continua entre os mais reticentes com a continuidade de queda da Taxa Selic?
A nossa visão mais cautelosa em relação ao ciclo de corte de juros ainda é baseada em alguns princípios. O primeiro é que o mercado de trabalho do Brasil está bastante aquecido, já com sinais de pressões salariais. Temos aumentos de salários nominais, hoje, rodando próximo de 9% nos últimos 12 meses no País, o que vai dificultar para o Banco Central trazer essa inflação para 3%. A condição inicial, ou como a gente costuma dizer, as condições de contorno da política monetária são de um mercado de trabalho que está aquecido e com pressões salariais latentes.

Qual é o segundo ponto?
Quando olhamos para frente, tem uma interpretação equivocada das pessoas de ficar enfatizando que a economia brasileira vai crescer menos este ano. E que vai desacelerar porque a projeção anual é mais baixa. Essa é uma forma equivocada de olhar a atividade econômica porque a economia estava estagnada no segundo semestre do ano passado. O crescimento foi zero no terceiro e no quarto trimestres. O crescimento de 2,9% do PIB no ano passado foi todo concentrado no primeiro trimestre e, principalmente, no segundo. Quando você olha nessa frequência trimestral, a economia brasileira vai acelerar o crescimento. Dadas as condições de contorno e as condições iniciais de mercado de trabalho apertado, quando olhamos o cenário prospectivo, vemos a economia reacelerando com um cenário de mercado de trabalho já apertado.

"Quando olhamos o cenário prospectivo, vemos a economia reacelerando"

Mas esse mercado de trabalho em expansão não chegou ao topo?
Ele vai apertar mais ainda. As pressões salariais não devem aliviar, elas devem se intensificar. Essas duas condições nos apontam para uma situação de cautela. Em paralelo, você tem uma inflação que não roda ainda no centro da meta. Se você pegar 12 meses, ela está na casa de 4,5%, que é o teto da meta. As medidas de núcleo, na nossa conta, estão rodando entre 4% e 4,5%. Ou seja, há uma tendência da inflação rodando acima do centro da meta. E, ao mesmo tempo, na medida em que a gente anda mês a mês, vemos a projeção de inflação dos analistas de mercado, que a expectativa do Focus, parada há um tempão em 3,5%, nos horizontes mais longos.

O que isso quer dizer?
São condições que vão dificultar muito a capacidade do Banco Central de trazer essa inflação para 3%, que é o mandato dele. Você junta o mercado de trabalho apertado, que deve apertar mais ainda dado o cenário de atividade, a inflação que já está rodando acima do centro da meta, próximo do teto, com um quadro onde as expectativas para o médio e o longo prazos estão desancoradas do centro da meta. O Banco Central vai ter dificuldade para cortar a taxa de juros e até justificar a continuidade do corte de juros.

Esse é um acerto ou um erro do Banco Central?
O Banco Central, vale um elogio explícito, está fazendo uma calibragem da política monetária de forma bastante competente. Eles colocaram o forward guidance já em agosto, ancorou as expectativas dos analistas de que o passo ia ser de 50 basis points (bps). E a gente alertava antes da decisão do Banco Central que teria de mudar o forward guidance e ele corroborou. Então, o compromisso condicional é só de mais um corte de 50 bps. Ele está fazendo o processo de mover de um ciclo mais óbvio de corte de juros para uma sintonia fina, fazendo essa trajetória de forma mais suavizada. E podendo ajustar.

A Selic vai parar em quanto?
Parece que é mais provável que pare na vizinhança de 10% do que na vizinhança de 9%, que é onde o consenso dos analistas está. Onde vai ser? Os dados vão dizer. Temos esse call desde setembro do ano passado. Nos últimos meses, os dados vêm corroborando essa nossa visão. O mercado de trabalho não parou de aquecer, os sinais de que a economia vai voltar a acelerar vem se consolidando, as expectativas de inflação continuam paradas em 3,5%, os núcleos de inflação continuam rodando acima do centro da meta. Eu não tenho elementos, que tenham surgido no meio desse caminho, que nos fazem alterar a nossa Selic terminal em 10%.

"Eu não tenho elementos, que tenham surgido no meio desse caminho, que nos fazem alterar a nossa Selic terminal em 10%"

O PIB do Brasil neste ano continuará sendo puxado pelo agronegócio?
Eu vou sair da previsão pontual do PIB e vou falar de dispersão de PIB, entre setores. Muitos clientes nossos falam que o PIB Brasil cresceu em torno de 3% nos últimos dois anos. Um crescimento robusto, né?! Mas muito setor fala que esse dado está errado. E pode ser mesmo porque quando você olha a produção industrial, ela ficou estagnada no ano passado, com crescimento praticamente zero. E também vinha próximo de zero em 2022. São dois anos seguidos em que a produção industrial está quase zero de crescimento, mas o PIB crescendo 3%. E como cresceu 3%? Agropecuária entregou 15% no ano passado e o setor de serviço, 2,6%. A indústria sofreu em termos relativos dois impactos: o primeiro foi essa mudança pós-pandemia que as pessoas quiseram consumir serviços e não bens, e a indústria produz bens. Junto com outro movimento, que foi a subida de juros pelo Banco Central. Quem sofre mais são setores ligados ao crédito, com esse encarecimento. E quais são esses setores? Os industriais.

Uma injeção de sofrimento da política monetária. 
A política monetária afetou assimetricamente os setores em detrimento da indústria, evidentemente, e ainda teve São Pedro ajudando a agropecuária no ano passado. Quando vira este ano, não vai ter mais São Pedro ajudando. As estimativas são que a agropecuária vai crescer em torno de zero. Mas essa política monetária já fez o juro cair 300 bps. Se olhar no mercado de crédito, a queda de juros já chega a 500 bps desde o pico. Está caindo mais do que a própria Selic. Isso vai beneficiar os setores sensíveis a crédito, que são setores geralmente ligados ao industrial, especialmente bens duráveis. O PIB deste ano vai ficar menos disperso. A percepção do crescimento vai ficar mais uniforme.

O presidente Roberto Campos Neto tem se mostrado mais reticente com novos cortes de juros. Você enxerga esse comportamento nas falas dele?
É inegável que houve uma mudança importantíssima de taxa de juros no mercado doméstico. Você tinha um mercado rodando com uma taxa terminal (a curva de juros) próximo de 9%, 9,25%. Agora, está entre 9,75% a 10%. Tem uma correção importante. O Campos Neto chamou a atenção para alguns pontos. Primeiro ele tem colocado um peso muito grande para a política monetária dos Estados Unidos. Ele falou exaustivamente, em um sentido que a gente fala de hawk, que é assim: está difícil achar uma narrativa nos Estados Unidos para justificar por que essa inflação vai cair dos 3% para os 2%. Ele sinalizou que está preocupado com a dinâmica da política monetária dos Estados Unidos e suas implicações. O outro ponto é que ele deu algumas sinalizações de que essa taxa de juros do Brasil onde está não de é alguém que está incomodado com o juro muito alto neste momento. De modo geral, é justo dizer que ele me parece um tom um pouco mais preocupado com o processo desinflacionário do que o mercado estava sinalizando.

"É justo dizer que ele [Roberto Campos Neto] me parece um tom um pouco mais preocupado com o processo desinflacionário do que o mercado estava sinalizando"

Não dá para justificar uma redução maior da Selic.
Como é que ele vai justificar uma continuidade de queda se a projeção de inflação está acima do centro da meta? Fica difícil, entende? Isso porque eu não estou tocando em dois pontos importantíssimo que a gente ainda não sabe e é um risco assimétrico aqui. O primeiro é o fiscal. Esta semana a declaração da ministra do Planejamento de que a meta fiscal, de resultado primário para 2025, está na mesa para potencialmente ser reduzida. Isso tem implicações do lado da demanda e tem implicação em preço de ativo. Parte da depreciação do câmbio no Brasil nesses últimos dias tem a ver com a questão doméstica ligada ao fiscal. Isso adiciona pressão inflacionária, seja pelo lado da demanda de mais gasto, seja pelo lado câmbio mais depreciado.

Qual é o segundo ponto?
O segundo ponto é que tem a mudança do presidente do Banco Central e mais dois diretores. Em um cenário onde a expectativa de inflação já está desacordada, com uma mudança tão significativa dos membros do Banco Central, isso me sugere riscos assimétricos dessa expectativa de inflação do mercado se descolar ainda mais para cima. O que colocaria o BC ainda mais sob pressão para não cortar juros. É por isso que estamos vendo o BC cortar os juros até em torno de 10% e ficar parado ao longo do segundo semestre.

Qual é a expectativa para a primeira mudança de presidente do BC independente?
Está muito cedo. Mas o principal, primeiro, é a percepção dos analistas quanto ao nome. A gente sempre tem percepções ex-ante. Isso evidentemente ajuda a ancorar num ponto melhor ou eventualmente pior. Um exemplo disso foram os diretores: o Paulo Piquete quando foi anunciado, uma pessoa altamente qualificada e você já ancora ex-ante. O outro ponto é o ex-post, ou seja, uma vez sentado lá, como é que ele vai agir, como é que ele vai se comunicar. O que eu acho mais importante é saber se o novo board do Banco Central vai continuar trabalhando com o regime de metas, como ele já está.

O mercado espera continuidade.
Isso não gera ruptura. E, nesse sentido, o mercado fala que o principal candidato é o Gabriel Galípolo, evidentemente, para ser substituto do Campos Neto. Neste sentido, ter um diretor que já está lá, que já conhece como é o modus operandi do regime de metas, como é que você comunica. Ele está sendo treinado nesse ponto. E está, até certo ponto, concordando e sinalizando a cada reunião que concorda, porque as decisões são unânimes. As decisões são unânimes, o forward guidance é unânime. Isso está explícito. Acho que ajuda se a gente fizer uma transição mais suave, especialmente considerando que essa é a primeira transição sob a Lei da independência do Banco Central. Então é uma transição que pode ser mais ruidosa do que as posteriores. Há uma incerteza maior.

Alguns dos principais gestores do País disseram recentemente que é a China que tira o sono deles. Essa é uma preocupação para você?
Sem dúvida que a China é importantíssimo. Nosso principal parceiro comercial, tem um impacto direto nas nossas exportações, especialmente soja, petróleo e minério. Nosso economista de China reviu o PIB para cima da semana passada. A preocupação da China é bem por esse lado de comércio e também pelo lados das commodities. E as commodities subindo é justamente pela reavaliação do crescimento chinês para cima, que tem melhorado nas últimas semanas. Mas do ponto de vista global, para mim, a variável mais relevante este ano é a política monetária dos Estados Unidos e as eleições, os impactos que isso pode trazer.