A reunião de cúpula do Brics, o bloco de países emergentes formado pelo acrônimo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, terminou na quinta-feira, 24 de agosto, na cidade sul-africana de Johannesburgo, com a inclusão de mais seis países ao grupo e o fortalecimento da China, que sai da cúpula como a grande articuladora da expansão.

Com os novos membros Arábia Saudita, Argentina, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã e Etiópia, o bloco do Brics passará a reunir 46% da população mundial e um PIB equivalente a 36% da economia global em paridade de poder de compra.

A dúvida, porém, é até que ponto essa expansão representa mais um inchaço do que propriamente um fortalecimento no avanço da agenda original do bloco, ou seja, de servir de antagonismo aos países ricos concentrados no G7 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e o Canadá) no cenário político e econômico global.

Na declaração final, foi assinado documento que pede uma reforma abrangente nas Nações unidas e reconhece aspiração legítima de Brasil, Índia e África do Sul de atuar no Conselho de Segurança da ONU.

Os países também avançaram na discussão de adotar uma unidade de troca comerciais de importação e exportação que dispensa o dólar.

Mas, o que ficou evidente, foi o protagonismo da China, que saiu da cúpula mais fortalecida, para desconforto de Brasil e Índia, ao impor principalmente a adesão de ditaduras como Arábia Saudita e Irã.

Especialistas ouvidos pelo NeoFeed concordam que a primeira reunião de Cúpula do Brics da qual participa o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em seu terceiro mandato, reflete a mudança do cenário político e principalmente econômico em relação às cúpulas anteriores de gestões passadas do presidente brasileiro.

Além de mais rica, a China assumiu uma postura de antagonismo em relação aos EUA muito mais forte do que há 15 anos.

Um novo contexto

O contexto atual, com o isolamento internacional da Rússia por causa da guerra da Ucrânia – do qual a China faz questão de ignorar –, e a inclusão de países pouco afeitos aos direitos humanos, como Arábia Saudita e Irã, também afetaram parte da antiga agenda do Brics.

“O fato é que aquela agenda de solução pacífica dos conflitos, do fortalecimento da ONU e da proposta de reformar o sistema financeiro internacional perdeu um pouco da credibilidade com o contexto político atual e também com essa expansão”, diz o professor Paulo Borba Casella, professor de Direito Internacional e coordenador do grupo de estudos sobre o Brics (Gebrics) da Universidade de São Paulo (USP).

Segundo ele, na prática, a inclusão dessas seis nações empobreceu o Brics ao tirar peso dos antigos países fundadores. “Nada contra os países entrantes, mas essa inclusão não soma para o Brasil nem para os Brics, apenas para a China”, acrescenta o especialista.

Casella admite que a estratégia chinesa de incluir Arábia Saudita e Irã surpreendeu os EUA. Mas ele vê poucos ganhos no que vinha avançando dentro do bloco, que o público externo ignora, como os acordos de cooperação em várias áreas.

“São mais de uma centena de grupos de trabalho desenvolvendo programas em áreas de energia limpa, cooperação de cultura e educação que vinham avançando", diz. “O quanto países como Arábia Saudita e Irã, grandes produtores de petróleo, vão contribuir em termos de economia verde?”, questiona.

No aspecto econômico, Casella afirma que o uso de moedas nacionais para trocas comerciais, dispensando o dólar, pode funcionar. “Mas os operadores do mercado precisam acreditar nessa iniciativa, e com a inclusão de um país com a economia derretendo, como a Argentina, a ampliação do comércio causa dúvida”, diz ele.

O acadêmico admite que a conjuntura não foi favorável para a volta da participação do presidente Lula no bloco. “O país estava isolado internacionalmente nos últimos quatro anos, e o discurso de Lula de que 'o Brasil está de volta' perdeu força com a inclusão de novos países para dividir o protagonismo no bloco”, diz.

Copo meio cheio

Leonardo Paz, pesquisador do núcleo de prospecção e inteligência internacional da FGV-RJ, no entanto, prefere ver o copo meio cheio.

Segundo ele, o Brics sempre foi formado por um conjunto de países com diferentes características e de grande população, comandados por líderes regionais alijados do debate internacional pelas grandes potências.

“Mesmo assim, o bloco conseguiu avançar e o banco dos Brics é um exemplo de resposta à arquitetura financeira internacional que não estava operando de forma adequada”, afirma.

Paz acredita que o argumento que o bloco se enfraqueceu com o aumento de integrantes não é válido. “O número de países querendo entrar no Brics chegou a 20, e só seis conseguiram”, diz ele.

O especialista também discorda quanto ao potencial prejuízo do Brasil com o aumento de integrantes, fazendo uma alegoria com uma empresa que aumenta o quadro de sócios.

“A ampliação foi o mesmo que você ser sócio de uma empresa em que tem um terço dos votos e recebe uma injeção de capital monstruosa, com a chegada de mais sócios: essa ampliação traz mais capital, mas vai obrigar os sócios a negociar mais, ou seja, a empresa ganha representatividade”, diz Paz.

Sobre a eventual perda de influência do presidente Lula em detrimento do protagonismo chinês, Paz lembra que os dois países mudaram muitos nos últimos 15 anos.

“O Brasil era mais forte economicamente e no cenário global, hoje somos um país fraturado; a China, por sua vez, ganhou um poderio econômico e estratégico muito grande nas últimas duas décadas”, compara.

Resta saber como o novo Brics vai atuar daqui para frente. Paz acredita que o bloco vai se beneficiar economicamente com os novos integrantes.

“Alguns dos países, como Arábia Saudita e Emirados Árabes, são ricos, com isso crescem as chances de colocarem fundos no banco dos Brics, o que levará o bloco a avançar em termos de acordos comerciais e de cooperação tecnológica”, diz o especialista da FGV-RJ.

Casella, da USP, tem uma visão mais crítica. Segundo ele, o Brasil perde protagonismo. “Com esse aumento, o Brics virou o bloco do ‘China mais dez países’, isso não é bom para nós”, lamenta.

Segundo ele, ainda é cedo para prever como o Brics vai funcionar nessa nova configuração: “Sem dúvida, tende a virar um bloco antiocidente com protagonismo chinês.”