O presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciou sua visita oficial à China nesta quinta-feira, 13 de abril, acenando duas bandeiras: uma política e outra comercial. E passando uma mensagem clara de que o Brasil está de volta como ator relevante no cenário global com o objetivo claro de defender seus interesses.

Essa avaliação, compartilhada por dois especialistas ouvidos pelo NeoFeed, o ex-embaixador Rubens Barbosa e o economista Livio Ribeiro, sócio da consultoria BRCG e pesquisador associado do FGV Ibre, ajudam a entender o contexto das polêmicas falas do presidente brasileiro ao longo do dia, além da visita à fábrica da Huawei, alvo de disputa entre China e Estados Unidos por causa da tecnologia 5G.

“A China é o último desdobramento dessa fase inicial do governo Lula, de trazer o Brasil de volta no cenário internacional”, afirmou Barbosa, da consultoria RB & Associados. “E tudo foi muito bem executado. Ele deu prioridade ao Mercosul. Depois ao Hemisfério, com a visita aos Estados Unidos. E, em seguida, recebeu líderes europeus em Brasília. Agora fecha o ciclo com essa viagem à China.”

Na cerimônia de posse da ex-presidente Dilma Rousseff como presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), em Xangai, Lula adotou um tom político ao defender a adoção de moedas alternativas ao dólar para realizar o comércio entre os países emergentes e criticou o Fundo Monetário Internacional (FMI).

O NDB, conhecido como Banco dos Brics, foi fundado em 2016 pelo bloco de países emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, para promover investimentos e financiar projetos de infraestrutura em países parceiros.

“Toda noite me pergunto: por que todos os países precisam fazer seu comércio lastreado no dólar e não podemos fazer comércio lastreado na nossa moeda?”, questionou Lula, em uma clara referência ao acordo assinado em janeiro deste ano entre os bancos centrais do Brasil e da China para permitir comércio e investimentos em suas moedas.

O presidente brasileiro foi além e defendeu a criação de uma divisa dos países do bloco “para financiar relações comerciais entre Brasil e outros países dos Brics”. Lula citou a importância do Banco dos Brics em ajudar os países emergentes.

Nos últimos sete anos, o NDB aprovou U$ 32,8 bilhões em financiamentos destinados a 96 projetos nas áreas de infraestrutura e desenvolvimento sustentável. “Não cabe a um banco ficar asfixiando a economia de um país como o FMI está fazendo agora na Argentina”, disse Lula.

Livio Ribeiro, do Ibre/FGV, diz que o comentário de Lula sobre o dólar foi infeliz. “O dólar é hegemônico porque as garantias oferecidas em dólar são muito maiores que as oferecidas por outras moedas”, afirma. “O renmindi chinês, por exemplo, não é uma moeda conversível, pois não tem liquidez abundante no mudo, a despeito de ser relevante para transações comerciais, em especial na Ásia.”

Dados do Swift, a plataforma internacional de pagamentos e financiamento, mostram que a participação do renminbi em valor de mercado é de apenas 4,5%, uma pequena fração da participação do dólar, de 84,3%.

De acordo com o pesquisador do Ibre, ainda que a fala do presidente brasileiro tenha sido mal colocada, não é equivocada. “Se houver condições de fazer fluxos bilaterais em moeda local, isso é bom para os dois lados e facilita o comércio.”

Maior parceiro

A impressão de que Lula está dando mais importância à atual viagem à China do que na visita aos Estados Unidos é contestada pelos dois especialistas. Para o pesquisador do Ibre, é natural o Brasil dar uma relevância maior à viagem para a China. “É o nosso maior parceiro comercial e cuja relação precisa ser reconstruída após o governo Bolsonaro”, diz Ribeiro.

Barbosa, por sua vez, observa que a visita do presidente brasileiro aos EUA ocorreu logo após os distúrbios de 8 de janeiro e o foco acabou sendo mais político, de defesa da democracia. “Meio ambiente, o tema que mais interessava para os dois países, acabou tendo pouco resultado”, disse.

Agora, na visita à China, o experiente diplomata observa que a posição brasileira tem sido de manter equidistância e autonomia frente à tensão entre EUA e China, sem interferir.

“O Brasil tem que defender seus interesses”, ressalta Barbosa, lembrando que Lula deve assinar mais de 20 acordos comerciais com a China. “Também é preciso levar em conta que, do lado dos EUA, América Latina e Brasil não são prioridade, enquanto a China tem interesse enorme sobre o Brasil.”

Os dois especialistas afirmam que a viagem de Lula pode impulsionar novos investimentos de infraestrutura e defendem a assinatura de acordo de adesão do Brasil à Rota da Seda, um dos nomes do programa internacional de infraestrutura chinês.

“O Brasil tem taxa de poupança baixa e carência de infraestrutura, qualquer possibilidade de acesso a capital em condições razoáveis não deveria ser descartado”, diz Ribeiro, do Ibre, criticando a “sinofobia no Brasil contra os investimentos chineses" em infraestrutura. “Não dá para imaginar uma ferrovia financiada pelos chineses ter os trilhos arrancados do Brasil e levados para a China.”

Barbosa também vê uma janela de oportunidade. “Aqui na América Latina, 25 países já aderiram a esse programa, se vier financiamento para construção de um porto no Pacífico, no Chile ou no Peru, para facilitar a exportação de produtos brasileiros para China, por que não?”, questiona Barbosa. “Os chineses poderiam financiar a construção de uma estrada que leve a esse porto, é do interesse deles e também nosso.”

Lula deverá se reunir nesta sexta-feira, 14 de abril, com o líder chinês Xi Jinping. Mas o primeiro dia da visita, ao menos, deixou uma imagem positiva. “Não vejo sinais, até aqui, de ideologização ou de partidarização da política externa”, afirma Barbosa.