O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, admitiu a dificuldade da autoridade monetária em colocar a inflação na meta de 3% definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
“A convergência dos preços para esse patamar da meta tem sido lenta", reconheceu Galípolo, ao participar de evento do banco Itaú BBA, na segunda-feira, 29 de setembro.
Ele também admitiu que a taxa Selic, de 15% ao ano, é elevada em relação aos juros de outros países, mas disse ser necessária mantê-la em patamares elevados para buscar a convergência da inflação.
A participação do presidente do BC no evento do Itaú BBA era aguardada com expectativa, pois seu painel viria depois do que teve a participação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Enquanto o ministro da Fazenda deixou claro que a equipe econômica não vai mudar a meta fiscal em 2026, Galípolo descartou qualquer mudança de rota de sua gestão no BC, iniciada na virada do ano, para colocar a inflação na meta.
O presidente do BC disse que a desancoragem das expectativas de inflação vai exigir “grande esforço” da instituição, estudando dados e acompanhando a reação da economia.
“Não há um atalho para a autoridade monetária, o caminho é de serenidade e persistência”, afirmou, lembrando que o desafio de manter a taxa de juros em um patamar restritivo por um período prolongado é maior do que o de elevá-la. Ele usou a expressão "trincar os dentes" para descrever a necessidade de suportar esse período.
“A responsabilidade do Banco Central é ancorar as expectativas e buscar a convergência da inflação para a meta, utilizando como ferramenta a manutenção da taxa de juros em patamar restritivo pelo tempo que for necessário”, reforçou Galípolo.
A projeção de inflação do BC para 2025 está em 4,81%, acima do teto da meta de 4,5%, mas com tendência de aproximação.
Galípolo evitou fazer comentários sobre a política fiscal expansionista do governo, que dificulta o combate à inflação. Ele contornou uma pergunta se a possibilidade de impulsos adicionais na economia poderia mitigar os efeitos da política monetária, reforçando que o Banco Central atua com base no que já existe e não em hipóteses.
“A postura de aguardar e reunir mais informações tem se mostrado acertada, pois alguns impulsos esperados para a economia, como o crédito consignado do INSS e o risco sacado, tiveram impacto menor que o previsto”, disse o presidente do BC.
Galípolo também ressaltou que a inflação de serviços tem sido alvo de preocupação do BC e justifica a manutenção da taxa Selic elevada. Segundo ele, enquanto o câmbio contribuiu para a desinflação nos bens, os indicadores de núcleo, especialmente a inflação de serviços, continuam rodando em um "patamar que é incompatível com o alcance da meta".
“Esse patamar elevado justifica não só a alta de juros já realizada, mas também a necessidade de permanecer com esse patamar por um tempo prolongado, bastante prolongado, para produzir a convergência”, afirmou.
Déficit elevado
Questionado se o aumento significativo do déficit em conta corrente é preocupante, Galípolo fugiu da polêmica afirmando que o BC não adota a lógica de que o déficit está sendo financiado por investimentos.
“O déficit em conta corrente é visto mais como um indicador significativo da demanda na economia”, afirmou Galípolo, mencionando que o relatório de política monetária mostra que, ao separar importações por volume e valor, há um processo relevante de desinflação (ou deflação) de produtos importados, especialmente da China.
Segundo ele, sem esse efeito, o valor do déficit poderia ser ainda maior: “Portanto, o déficit é um indicativo objetivo de que a economia está com uma demanda aquecida, mesmo com o patamar elevado de juros.”
Galípolo disse que o crescimento da economia nos últimos anos tem sido impulsionado pela demanda estimulada e pelo desempenho excepcional do agronegócio. No entanto, expressou dificuldade em encontrar ganhos de produtividade evidentes fora do setor do agro.
“O crescimento da força de trabalho tem sido mais por aumento da participação do que por ganhos de produtividade efetiva”, advertiu, lembrando que, para um crescimento mais sustentável com taxas de juros mais baixas, é crucial que o País enfrente o tema da produtividade.
Por fim, ao abordar a resiliência do mercado de trabalho – a que atribui a uma combinação de fatores conjunturais, como estímulos fiscais e reformas estruturais –, o presidente do BC acabou falando da questão da alta taxa de juros no Brasil, que, segundo ele, não é nova e é uma queixa comum entre investidores estrangeiros.
“A pergunta mais adequada não é por que os juros são altos, mas por que, mesmo com juros altos, a economia não desacelera como esperado”, disse Galípolo, comparando a situação à física do besouro: não deveria voar, mas voa.
“Isso significa que o Banco Central precisa, muitas vezes, aplicar uma dose maior do remédio (juros altos) por um período mais longo para atingir a meta de inflação, e o fará sem usar as dificuldades de transmissão como desculpa”, concluiu.