A interminável discussão sobre as regras do leilão do Tecon 10, o megaterminal de contêineres que será construído no porto de Santos, ganhou mais relevância depois que vários órgãos consultados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) emitiram pareceres contrários e a favor da proposta inicial feita pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).

Os pareceres visam a ajudar o relator do caso no TCU, ministro Antonio Anastasia, a concluir um relatório e enviá-lo à Antaq. O último deles, preparado esta semana pela Superintendência-Geral e pelo Departamento de Estudos Econômicos do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) apoia as regras da Antaq, mas não é conclusivo – o que serviu para alimentar ainda mais a polêmica.

A agência, que tem recebido apoio e críticas de entidades ligadas ao setor por causa das regras do leilão, por sua vez, se disse aberta a rever sua posição inicial.

Especialistas do setor ouvidos pelo NeoFeed advertem que a definição do modelo do leilão pode impactar não só a licitação do Tecon 10, como a forma de atuação do porto de Santos daqui para frente.

O Tecon 10 ocupará 622 mil m², ampliando em 50% a capacidade de carga. O leilão, previsto para 15 de dezembro, deve arrecadar R$ 6,5 bilhões em outorga, com investimento de R$ 40 bilhões em 25 anos. O projeto prevê até 3,5 milhões de TEUs/ano – cada TEU representa um contêiner de 20 pés, ou cerca de 6 metros –, quatro berços de atracação e um terminal de passageiros.

O modelo da Antaq prevê duas etapas: a primeira restrita a empresas sem operação de contêineres no porto, para evitar concentração de mercado. Se não houver interessados, a disputa será aberta aos atuais operadores.

Embora siga normas do setor, o modelo foi contestado pelas empresas que são sócias na BTP,  MSC e Maersk, que operam no porto. A Maersk tentou liminar para participar, mas foi negada.

A exclusão de grandes operadores gerou reação política. O governo paulista enviou ofício ao Ministério de Portos e Aeroportos contra o modelo, alegando risco de judicialização e atraso na expansão do porto.

Além do formato, dois temas relativos ao leilão Tecon 10 dividem os especialistas do setor: a necessidade de o certame assegurar a concorrência e o risco decorrente de a disputa resultar em uma concentração de mercado.

Marcos Nóbrega, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco e conselheiro substituto do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE), adverte que o modelo do leilão sugerido pela Antaq é juridicamente falho ao não privilegiar a concorrência.

“No primeiro caso, quando o desenho institucional falha, não se trata apenas de um problema jurídico; trata-se de uma perda concreta de eficiência, arrecadação e legitimidade”, afirma Nóbrega.

No segundo caso, ao impedir uma concorrência maior, o leilão sob as regras da Antaq pode gerar o que ele chama de “seleção adversa”. “Em vez de escolher a melhor empresa, será escolhida aquela que talvez seja menos qualificada ou menos eficiente, simplesmente porque se enquadrou melhor nas regras restritivas”, lamenta.

Outro especialista, Mario Povia – presidente do Instituto Brasileiro de Infraestrutura (IBI), entidade sem fins lucrativos que funciona como braço técnico e operacional da Frente Parlamentar Mista de Portos e Aeroportos –, observa que, na prática, a segunda fase do leilão não ocorrerá, pois haverá interessados na primeira. Isso excluiria operadores experientes.

“O foco da discussão não é a chegada de um novo entrante, sempre bem-vindo, mas sim a exclusão de empresas que conhecem o setor portuário e oferecem menor risco quanto à adaptação ao mercado, eficiência e operação local.”, diz Povia.

Risco de concentração

Para o economista Augusto Wagner Padilha Martins, consultor em planejamento estratégico e logística portuária, o risco de concentração já existe, com dois terços da carga sob controle dos atuais operadores, dos quais dois (MSC e Maersk) pretendem participar do leilão. Com a expansão prevista de 50% do porto, esse índice pode chegar a 85%.

“Se essa nova capacidade for entregue a um dos operadores existentes, o nível de concentração nas mãos dos armadores chegaria a 85% e deixaria o dono da carga com pouquíssimas opções, sujeito às regras desses dois grandes operadores”, adverte. “Isso faria o porto perder capacidade e alternativas.”

Ele defende a entrada de um novo operador ("bandeira branca") para ampliar alternativas. Sobre a possível redução da outorga com a ausência dos atuais operadores – estimada entre R$ 300 e R$ 500 milhões pelo setor –, ele afirma que o interesse principal de uma licitação pública é a qualidade da prestação de serviço, não a arrecadação.

Martins cita uma estimativa da consultoria GO Associados - do economista Gesner de Oliveira, ex-diretor do Cade -, de ganhos de até R$ 2,4 bilhões no longo prazo para o porto de Santos ao evitar a concentração, o que compensaria a perda na outorga.

Contrariando a ideia de menos concorrentes, Martins afirma ter certeza de que o modelo atual, com restrições, atrairá mais licitantes. “Se os operadores atuais participassem, muitos novos entrantes desistiriam por não conseguirem competir, pois os atuais operadores podem pagar mais mirando a concentração no longo prazo.”

Povia, do IBI, admite que o risco de concentração de mercado é inevitável no caso do Tecon 10, uma vez que o objeto da licitação responderá sozinho por metade da capacidade instalada do porto.

“Portanto, salvo na hipótese de dividir o objeto da licitação do Tecon Santos 10, o que seria notadamente contraproducente, o projeto em si já tem em seu DNA uma certa característica de concentração de mercado”, afirma.

Dois pareceres divulgados no mês passado – da AudPortoFerrovia (TCU) e da Seae (Ministério da Fazenda) – sugerem leilão em fase única, com participação dos operadores e compromisso de desinvestimento caso vençam.

Já o parecer do Cade aponta riscos concorrenciais na concessão a operadores já atuantes, mas não é definitivo. Segundo o órgão, “uma análise conclusiva só seria possível em estudo aprofundado de concentração econômica”.

As operadoras do porto de Santos no centro da polêmica reagiram ao parecer do Cade. A A.P. Moller-Maersk, por meio de comunicado, afirma que o parecer está alinhado a recentes decisões do Cade e aos entendimentos já manifestados por outros órgãos da Administração Pública “de que não há fundamentos que justifiquem a exclusão de operadores incumbentes ou verticalizados do leilão do Tecon Santos 10”.

“Conforme o próprio documento, tais restrições ‘violariam a proporcionalidade’ e o simples apontamento de riscos ‘não permite confirmar que se materializariam’”, diz a nota.

A Santos Brasil (CGA CGM), outra grande operadora do porto, também por meio de nota, observa que a discussão sobre o modelo do edital do Tecon 10 é técnica e envolve órgãos reguladores que têm um histórico relevante na definição de modelagens e decisões em situações semelhantes. “A empresa espera que o certame ocorra sem disputas judiciais, confirmando a eficiência do sistema regulatório brasileiro.”

A ICTSI, operadora de origem filipina que havia protocolado representação no Cade e no TCU defendendo a restrição, elogiou o parecer. “A ICTSI considera que a manifestação do Cade se apoia em bases técnicas e jurisprudência consolidada, respeitando as competências da Antaq e decisões de política pública”, diz a nota da empresa.

Os próximos passos do processo podem trazer novas surpresas. O ministro Anastasia, relator do caso no TCU, vai aguardar até sexta, 26 de setembro, a manifestação do Ministério dos Portos e da Antaq sobre o parecer do Cade.

Com os dois documentos em mãos, Anastasia encaminhará o material ao Ministério Público Federal, que também solicitou participação no processo. Após análise, o MPF devolverá sua manifestação ao relator, permitindo que Anastasia inicie a elaboração de seu voto.

Concluído o voto, o ministro convocará a reunião do colegiado do TCU para deliberar sobre o caso. A decisão do tribunal, no entanto, terá caráter orientativo — não vinculativo — e poderá ser adotada ou não pela Antaq.