Um estudo recém-divulgado pelo banco Barclays ajuda a elucidar uma dúvida que vem intrigando os economistas desde o anúncio da política comercial do presidente americano Donald Trump, em abril: por que a imposição de tarifas de importação mais altas em quase um século nos Estados Unidos não impulsionou a inflação no país?

Até agora, a justificativa mais óbvia era de que as empresas aceleraram a formação de estoques importados antes do tarifaço e estão adiando o repasse de custos extras aos clientes.

Os economistas do Barclays, no entanto, alinharam um novo argumento para o impacto limitado na inflação: as tarifas pagas pelos importadores são menores do que o anunciado.

O estudo do banco analisou os dados do censo para verificar quais tarifas os importadores realmente pagaram em maio. A descoberta, surpreendente, é que a alíquota média ponderada — a média de todas as tarifas, ajustada pelo volume de importação de cada país — naquele mês foi de cerca de 9%.

Esse número está bem abaixo da alíquota de 12% que eles haviam estimado anteriormente com base em anúncios da Casa Branca, e menor do que o estimado por estudos feitos por outras instituições.

Itens como produtos farmacêuticos, certos eletrônicos e semicondutores, além de muitas importações do Canadá e do México, foram isentos das chamadas tarifas recíprocas de Trump. Há também isenções parciais para produtos com pelo menos 20% de componentes fabricados nos EUA.

Em junho, esse quadro se manteve: apenas 48% das importações americanas estavam realmente sujeitas a tarifas, graças a inúmeras isenções, de acordo com a análise do banco com base em dados do US Census Bureau, o IBGE americano.

O outro motivo, bastante plausível, é que muitas empresas e consumidores dos EUA compraram menos de países com impostos mais altos, particularmente da China. Essa possibilidade vinha sendo confirmada pela antecipação de importação antes do tarifaço.

“A verdadeira surpresa na resiliência da economia dos EUA não está em sua reação às tarifas, mas no fato de que o aumento na taxa tarifária efetiva foi mais modesto do que comumente se pensa”, diz o relatório do Barclays.

Um levantamento em junho feito por outro banco, o J.P. Morgan, endossa parte do estudo do Barclays, ao constatar que as taxas tarifárias reais em junho foram menores do que as médias sugerem porque os importadores mudaram para países com tarifas mais baixas ou para produtores nacionais – o que ajudaria a explicar por que os preços ao consumidor não subiram tão rapidamente quanto alguns analistas temiam.

Pressão de Trump

O eventual impacto das tarifas na inflação tem sido combatido com veemência pelo presidente americano. De fato, o quadro geral da inflação nos EUA nos primeiros seis meses do ano não foi tão agudo quanto esperado após a decretação do tarifaço.

Esta semana, Trump pediu ao Goldman Sachs que demitisse seu economista-chefe depois que o banco divulgou um relatório prevendo que, embora as empresas americanas tenham absorvido inicialmente as tarifas, o impacto acabará recaindo sobre os consumidores.

Se o estudo do Barclays ajudou a esclarecer o enigma do baixo impacto das tarifas na inflação até agora, não significa que a previsão de aumento de preços deve ser deixada de lado. As taxas reais pagas pelos importadores provavelmente aumentarão nos próximos meses, de acordo com o Barclays, citando “muitas das brechas existentes que podem ser fechadas”.

Nas últimas semanas, Trump ameaçou impor tarifas de 250% sobre produtos farmacêuticos e tarifas de 100% sobre semicondutores, que estavam isentos. A Casa Branca também informou que, a partir do final deste mês, suspenderá a isenção da versão americana da “taxas das blusinhas”, que permite remessas isentas de impostos para os EUA, desde que o valor seja igual ou inferior a US$ 800.

Neste sentido, o Barclays prevê que as tarifas médias ponderadas fiquem em torno de 15%, acima dos atuais 10% e de 2,5% do ano passado – uma previsão até conservadora comparada com de outras instituições.

Isso reforça a expectativa de que grande parte do provável impacto tarifário ainda está por vir, ainda mais levando-se em conta que muitas empresas se anteciparam ao tarifaço importando mais no início do ano, principalmente da China.

À medida que os estoques diminuem, as importações provavelmente aumentarão novamente, e com preços mais altos por causa das tarifas. "Não está claro se é possível se desvincular da China com tanta força e rapidez", diz Mark Cus, economista do Barclays.

O índice de preços ao consumidor nos EUA subiu 2,7% em julho em relação ao ano anterior, inalterado em relação a junho e menos do que o esperado. Mas o Índice de Preços ao Produtor (IPP) de julho – que mede os preços pagos pelos atacadistas - apresentou forte alta, subindo 0,9% na comparação com junho, o maior ganho em três anos.

Os economistas esperavam um aumento mensal de apenas 0,2%, após a leitura estável em junho. Esse salto indica que a conta das tarifas está sendo bancada por importadores, que devem repassá-la aos consumidores mais cedo do que se imagina.