O arcabouço fiscal, conjunto de regras que vai nortear a política econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva, deverá limitar o crescimento das despesas federais a um aumento de 70% da receita e impor metas anuais de resultado primário. Com isso, a equipe econômica liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, espera controlar as contas do governo e evitar o aumento da dívida pública.

O conteúdo das novas regras fiscais começou a vazar no fim da tarde da quarta-feira, 29 de março, após uma reunião de três horas no Palácio do Alvorada, na qual Haddad apresentou o arcabouço ao presidente Lula e a alguns ministros e dirigentes do Partidos dos Trabalhadores (PT).

Embora o teor completo do arcabouço fiscal só se tornará público no fim da manhã de quinta-feira, 30 março, quando Haddad dará uma entrevista coletiva, até a noite do dia anterior era possível ter uma ideia da estratégia do governo para equilibrar as contas públicas e obter apoio do Congresso e do mercado financeiro.

Diferentemente do atual teto de gastos – que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior –, a nova regra fiscal tem como premissa fazer a despesa do governo crescer sempre menos que a receita e, com isso, obter paulatinamente melhoria do resultado primário (diferença entre receitas e despesas do governo).

Haddad já havia prometido fechar o ano com déficit primário de R$ 100 bilhões. A proposta é zerar o déficit em 2024, obter superávit de 0,5% em 2025 e dobrar a meta em 2026, último ano do governo Lula, com superávit de 1%.

No caso de o resultado primário atingir um número abaixo do previsto num determinado ano, o governo deverá acionar um gatilho para restringir o crescimento dos gastos.

“Aparentemente, a estratégia parece bem razoável”, afirmou o economista Carlos honorato, professor da FIA Business School, destacando que só será possível fazer uma avaliação acurada após o anúncio oficial com o conjunto de medidas.

“É bom o governo se comprometer com o equilíbrio fiscal e buscar o superávit primário, mesmo que seja em 2025”, acrescentou.

Pelo que foi vazado, a regra que limita o crescimento da despesa a 70% do avanço das receitas do governo prevê a criação de um instrumento que impedirá aumento de gastos mais acelerado quando houver expansão significativa na arrecadação. Da mesma forma, se a arrecadação cair, o governo terá de cortar gastos.

"Se a meta for descumprida, o governo só poderá aumentar suas despesas em 50% da receita no ano seguinte. Se descumprir de novo, cairia para 30% no ano posterior", adiantou o deputado Mauro Benevides (PDT-CE), após jantar na noite de quarta na residência do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), onde Haddad apresentou alguns pontos do plano.

No Twitter, Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central, escreveu: "Vamos esperar todos os detalhes. Pelo que está vazando em parcial, pode ser uma excelente regra ou algo que não vai funcionar. Por exemplo, o tal 70% é sobre receita nominal ou descontado a inflação? Faz uma enorme diferença".

Outro dado a ser confirmado é se a relação de despesa e receita não vai prever exceções, como foi divulgado. Tanto o presidente Lula como a ala política do governo pressionavam por excepcionalidades no pacote em relação a despesas com educação e saúde, por exemplo.

De acordo com o deputado Benevides, Haddad disse que as despesas com saúde e educação serão vinculadas à receita corrente líquida e terão crescimento de 100% do incremento da arrecadação. “Por isso, as demais despesas terão que crescer menos de 70% para compensar”, disse Benevides.

Alguns tópicos do plano vazados ainda precisam ser detalhados para entender se podem funcionar.

Em entrevista recente ao NeoFeed, Mansueto Almeida, economista-chefe do BTG Pactual, advertiu que medidas que atrelem o crescimento de gasto ao da receita embutem riscos.

“Pode ocorrer crescimento de receita restrita a um ano, que não é recorrente, e como aumenta o gasto junto, fica difícil reduzir depois”, disse Almeida, que foi secretário do Tesouro Nacional, entre 2018 e 2020.

O deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), vice-líder do governo na Câmara, também presente no jantar, disse que não ficou claro como será o tratamento das receitas extraordinárias. “O acordo do Carf, por exemplo, é uma receita que só entra uma vez e depois não se repete. Vai servir como ancoragem da despesa?”, observou.

Por outro lado, economistas questionam se as metas de resultado primário propostas no arcabouço fiscal serão suficientes para estabilizar a relação dívida/Produto Interno Bruto, índice que impacta na taxa de juros futuros, estabelecida pelo mercado financeiro.

Segundo o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que participou da reunião no Alvorada, o presidente Lula deu sinal verde para Haddad apresentar o pacote para os presidentes da Câmara e do Senado, e líderes das duas Casas, o que seria feito entre a noite de quarta e manhã desta quinta.

“O Congresso vai ter esse compromisso de aprovar regra que garante combinação de responsabilidade social com fiscal e dá inclusive mais previsibilidade”, disse Padilha.