O presidente americano Donald Trump chegou às chamadas off-year elections (eleições fora do ciclo presidencial), realizadas na terça-feira, 4 de novembro, com a certeza de que os candidatos republicanos seriam beneficiados pelos resultados econômicos de seu governo, além do impacto de sua política anti-imigratória.

O resultado das urnas, porém, passou uma mensagem amarga para Trump. Em todas as principais disputas, a oposição democrata venceu de lavada – para as prefeituras de cinco cidades (Nova York, Atlanta, Cincinnati, Detroit e Pittsburgh) e para os governos de dois estados, New Jersey e Virgínia, com os candidatos democratas vencendo com dois dígitos de vantagem.

Nas análises da imprensa americana, a questão econômica foi considerada decisiva – mais especificamente, o aumento de preços, uma preocupação que ronda o americano médio desde a pandemia e parece ter permanecido no radar na atual eleição.

Alguns comentaristas chegaram a citar o efeito das tarifas de importação no custo de vida como decisivo para a derrota republicana. Dois exemplos são citados. A xícara de café custa 20% a mais do que há um ano, quando o então candidato Trump prometeu que os preços dos alimentos cairiam.

A carne moída também teve aumento elevado, de 15% - curiosamente, dois produtos incluídos na lista de sobretaxa de 50% às exportações do Brasil, nas sanções de Trump contra o País.

O mais surpreendente é que os dois produtos afetados pelo tarifaço do presidente americano são exceção na trajetória de preços do varejo americano, que vem mantendo uma rota compatível com uma inflação sob controle.

Diferentemente da eleição presidencial do ano passado, que teve na inflação do governo de Joe Biden o fator decisivo para a derrota da candidata democrata Kamala Harris, Trump tinha bons indicadores para esperar apoio nas urnas a seus candidatos.

O presidente americano, que recebeu inflação anualizada de 2,9% de seu antecessor, viu o índice fechar em 2,7% em agosto (chegou a cair para 2,3% no primeiro trimestre). O PIB dos EUA, que no início de seu mandato tinha taxa anual de crescimento de 2,4%, deu um salto no segundo trimestre de 2025, com 3,8% de crescimento.

Outros indicadores reforçaram o discurso ufanista de Trump. A taxa de desemprego está em 4,1%, uma das mais baixas desde dezembro de 2000, e o índice S&P 500 valorizou aproximadamente 14,8% desde a posse, em janeiro.

No fim, o velho bordão “é a economia, estúpido” - cunhado por James Carville, conselheiro do então presidente Bill Clinton – parece ter prevalecido.

Durante a campanha eleitoral, Trump prometeu "acabar com a inflação". Em uma entrevista ao programa 60 Minutes que foi ao ar no domingo, 2 de novembro, Trump afirmou ter cumprido essa promessa: "Não temos inflação". Ledo engano.

“A economia foi decisiva para o resultado dessa eleição”, assegura Joshua Gotbaum, pesquisador residente do Brookings Institution, uma organização apartidária.

“Sabemos que em Nova Jersey, por exemplo, o custo da energia está deixando as pessoas loucas”, acrescentou, citando o estado onde a candidata democrata, Mikie Sherrill, uma ex-promotora, derrotou por 15 pontos o republicano Jack Ciattarelli, empresário de longa data.

As pesquisas de boca de urna da ABC revelaram que a economia era a principal preocupação dos eleitores da Virgínia — e eles votaram na democrata Abigail Spanberger com uma vantagem de 20 pontos percentuais.

Outras pesquisas já haviam sinalizado essa tendência de voto. Embora Trump tenha assumido o cargo em meio a grandes expectativas de sucesso na gestão da economia, mais de 7 em cada 10 americanos classificam a economia atual como “ruim” ou “muito ruim”, de acordo com uma nova pesquisa da CNN/SSRS.

Inflação na cabeça

Para Gotbaum, do Brookings Institution, embora a taxa de inflação tenha caído drasticamente em relação ao pico de 2022 e as tarifas provavelmente causem apenas um aumento de preços pontual, o nível da maioria dos preços continuou a subir durante anos, representando um aumento significativo no custo de muitos produtos essenciais.

Ou seja, este ano, a inflação geral moderada mascara o aumento de preços de alguns itens individuais, comprados com frequência, que em 2025 já estavam em alta - como é o caso do café e da carne moída.

Os preços ao consumidor, por exemplo, estão agora pelo menos 24% mais altos do que antes da pandemia, no início de 2020. Os de alimentos subiram 28% e os preços da energia doméstica aumentaram 40%.

Apesar do aparente peso da economia na vitória democrata, outros fatores podem ter influenciado o resultado. O presidente é impopular e um peso para o seu partido quando não está na cédula eleitoral - mas, além disso, quando ele não está na cédula, o Partido Republicano parece não conseguir mobilizar os eleitores conservadores.

Os índices de aprovação de Trump entre os eleitores independentes não têm sido bons desde o início de seu segundo mandato como presidente, já que muitos deles desaprovam o trabalho que ele está fazendo na economia e acham que ele foi longe demais na forma como abordou a política de deportações em massa.

A perseguição aos imigrantes ilegais também pesou para a perda de votos latinos, que ele havia conquistado há um ano. O chamado shutdown - a paralisação do serviço público federal, por causa do impasse para a aprovação do Orçamento no Congresso – também teve péssima repercussão entre os servidores, que estão sem receber salário desde a paralisação, iniciada há 36 dias.

Embora tenha reconhecido que o shutdown pode ter contribuído para a derrota dos republicanos, Trump mostrou a velha arrogância ao atribuir o resultado ao fato de seu nome não estar na cédula de votação.

A deputada republicana Marjorie Taylor, no entanto, fez um alerta: o partido precisa ficar atento à situação econômica dos americanos, em especial os que estão sentindo o impacto do custo de vida, preocupação que passa ao largo da amizade e apoio que o representante recebe dos empresários das Big Techs e de Wall Street.

O risco, advertiu, é o partido perder as eleições de meio de mandato, no ano que vem. "Não consigo prever o futuro, mas acredito que os republicanos perderão a Câmara se os americanos continuarem vivendo de salário em salário", disse Taylor.