O mercado de geração de energia eólica não para de crescer, em especial na Região Nordeste – que abriga 945 dos 1.043 parques eólicos em operação no País. A chegada de empreendimentos traz, além da abertura de empregos, um aumento de arrecadação em ISS para 123 municípios da região - a maioria de pequeno porte e com poucas alternativas de receitas.
O que deveria ser uma parceria entre as empresas que desejam instalar um parque eólico numa localidade e a prefeitura local está virando uma disputa milionária que, invariavelmente, acaba na Justiça.
Isso porque muitos municípios estão cobrando taxas abusivas ou ilegais da indústria de geração de energia elétrica para autorizar a instalação e a geração de energia de um parque eólico sob sua jurisdição. Em caso de não pagamento, as prefeituras ameaçam com embargo às obras ou a cassação do alvará de funcionamento.
Esse tipo de cobrança, porém, é irregular na maioria dos casos. Ou seja, não passa de um golpe no qual é cobrado uma espécie de “imposto do vento”. O problema é que as empresas de energia têm dificuldade de obter agilidade da Justiça para coibir a prática, reconhecida pela ABEEólica (Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias) – que tem recebido queixas.
Na segunda-feira, 25 de março, o escritório Bichara Advogados obteve uma liminar da Justiça do Rio Grande do Norte em favor de uma empresa cliente instalada no município de Caiçara do Rio do Vento. Trata-se de um raro caso com decisão favorável, embora temporária.
Assinada pela juíza Gabriella Edvanda Marques Felix, a liminar suspende a cobrança da “taxa de licença de localização para funcionamento” do empreendimento – um imposto atrelado à fiscalização do cumprimento das normas gerais de segurança e urbanismo.
A prefeitura do município potiguar, que tem apenas 3,8 mil habitantes, cobrava R$ 10 mil por ano para cada aerogerador instalado pela empresa a título de "fiscalização", uma conta que custou R$ 280 mil por ano aos cofres da empresa, que desde 2022 contesta a cobrança.
“A Prefeitura de Caiçara do Rio do Vento não tem competência tributária para exigir um imposto sobre essa atividade, o que seria um instrumento adequado para aumentar a arrecadação do município”, diz Guilherme Tostes, do escritório Bichara Advogados.
Por isso, o município criou a taxa de fiscalização. Segundo Tostes, a liminar foi obtida com a comprovação de que a cobrança, incluindo a ameaça de cassar o alvará de funcionamento, era ilegal.
“Primeiro, porque o não recolhimento de tributos exige sua cobrança pelo Poder Público e não a suspensão da atividade empresarial”, afirma, referindo-se à ameaça de cassar o alvará. Além disso, diz Tostes, quem deve fiscalizar os aerogeradores é a União, por meio da agência reguladora, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), e não o Poder Municipal.
O principal motivo alegado pela defesa da empresa e aceito pela juíza, porém, é que o valor de uma taxa a ser cobrada deve ser compatível com o custo da fiscalização exercida pelo Poder Público.
“Na ação, demonstramos que a prefeitura, mediante a cobrança de R$ 280 mil por ano, pretendia obrigar uma única empresa a arcar com mais de 14% do orçamento anual dedicado à fiscalização de obras e serviços urbanos de todo o município, o que configurou uma cobrança abusiva”, diz Tostes.
“Consultores” em ação
O escritório Bichara, que defende empresas que instalaram parques eólicos em três estados do Nordeste (Rio Grande do Norte, Bahia e Piauí), detectou cobranças irregulares de prefeituras em outros quatro municípios, além de Caiçara do Rio do Vento (RN).
O NeoFeed confirmou com especialistas do setor que a prática de cobrança irregular por parte de prefeituras está disseminada em vários municípios do Nordeste. Há a suspeita de que advogados percorrem cidades que estão abrigando parques eólicos para oferecer uma “consultoria” a prefeitos.
Eles buscam brechas legais para o município cobrar taxas das empresas, com ameaça de suspensão do alvará de licenciamento. Os “consultores” são remunerados com parte da arrecadação dessas taxas.
“Cobranças abusivas preocupam a indústria eólica e podem interferir na escolha de regiões de futuros parques e atração de investimentos em municípios que tanto necessitam”, diz a ABEEólica em nota, na qual cita um estudo encomendado à GO Associados mostrando que municípios com parques eólicos têm um aumento de 20% do IDH.
A entidade afirma que tem feito esforços em dialogar com prefeituras. “Estamos também representando associados em inquéritos junto ao Ministério Público para combater a atuação de “supostos consultores” que praticam condutas abusivas e até criminosas.”
No caso de Caiçara do Rio do Vento, além de suspender a cobrança da taxa irregular, a juíza adotou uma sanção política, ou seja, proibiu a prefeitura de embargar o funcionamento do parque eólico ou cassar seu alvará. Para a prefeitura do município potiguar cabe recurso, ingressando com agravo de instrumento do Tribunal de Justiça estadual.
“O fato é que só após uma sentença definitiva será possível coibir essas cobranças irregulares”, diz Tostes, do escritório Bichara Advogados.