Na era da transição enérgica, países e empresas de vários setores estão apostando no desenvolvimento de tecnologias limpas para descarbonizar o setor produtivo. Neste cenário, o hidrogênio verde se tornou uma espécie de Santo Graal na luta contra o aquecimento global.

Com tecnologia e mercado ainda incipientes para sua produção, a maioria dos projetos de hidrogênio verde no país ainda não saiu do papel por causa dos custos elevados para produzi-lo e da falta de regulamentação específica.

Nesta sexta-feira, 13 de outubro, porém, o Ministério das Minas e Energia anunciou que está preparando um marco legal para o mercado de hidrogênio verde, que será enviado ao Congresso por meio de um projeto de lei. Em paralelo, o PL 2308/2023, que inclui o hidrogênio verde na matriz energética brasileira, começou a tramitar na Câmara dos Deputados esta semana.

Os investimentos devem crescer pela oferta abundante de energia renovável (em especial a eólica), fator essencial para reduzir o custo de produção, que utiliza o eletrolisador - dispositivo que faz a quebra da molécula da água através da passagem de corrente elétrica por um eletrólito.

Hoje, a maior parte da utilização de hidrogênio para fins industriais é feita pelo aquecimento do gás natural. O processo é barato, mas gera emissões de gases de efeito estufa.

O otimismo de investidores se deve ao fato de o hidrogênio verde ser a melhor alternativa para eliminar as emissões de carbono de caminhões, aviões, siderúrgicas e de fábricas de produtos químicos, além de possibilitar o transporte de energia verde por longas distâncias.

Eduardo Ricotta, presidente para a América Latina da multinacional dinamarquesa Vestas, maior fabricante mundial de turbinas eólicas, afirma que está em curso um movimento de descarbonização da indústria em escala global, no qual o hidrogênio verde começa a ocupar papel de destaque.

“No setor de transporte marítimo, por exemplo, vemos a Maersk com um plano de transição que vai usar amônia a partir de hidrogênio verde como combustível de sua frota de navios, enquanto a Alemanha determinou que, em 2050, todos os trens urbanos sejam movidos a hidrogênio verde”, diz Ricotta.

Eduardo Ricotta, presidente para a América Latina da Vestas, fala das vantagens do hidrogênio verde:

Por isso, existe uma corrida para tornar viável a produção de hidrogênio verde e abocanhar um mercado global avaliado em até US$ 1 trilhão nas próximas décadas. Por enquanto, a versão verde representa menos de 1% da produção e utilização global do hidrogênio.

Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), a produção anual de hidrogênio verde poderá atingir 38 milhões de toneladas por ano em 2030 se todos os projetos anunciados forem realizados – mas a própria AIE estima que apenas 4% destes projetos estão em construção ou atingiram a fase final de decisão de investimento.

Além da necessidade de diminuir o custo de produção é preciso investir na infraestrutura. Após ser obtido por meio da eletrólise, a versão verde do hidrogênio deve ser transportada para os diferentes setores da indústria. Para longas distâncias, o hidrogênio verde é transformado em amônia e embarcado em navios – por ser menos denso, o hidrogênio ocupa grande volume para ser transportado na forma de gás.

De acordo com o economista Diogo Lisbona, pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Ceri), o Brasil leva ampla vantagem nessa cadeia de custos, o que o credencia a se tornar um dos maiores produtores globais em potencial.

“Temos geração de energia renovável com fator de capacidade combinada elevado e constante ao longo do tempo, solar de dia e eólica à noite, o que reduz o custo de geração de hidrogênio verde”, afirma. “Quando caírem os custos dos eletrolisadores, a eletricidade vai ser o principal componente do custo de produção de hidrogênio verde, cerca de 70%, e a nossa é barata”, acrescenta Lisbona.

Nordeste na frente

Não causa surpresa que os planos de investimentos em hidrogênio verde se concentrem no Nordeste, com forte oferta de energia solar e, principalmente, eólica. “Temos os melhores ventos do mundo, com pouca turbulência e unidirecional, é o nosso petróleo verde”, diz Ricotta, da Vestas.

Sua utilização por diversos setores da indústria está estimulando a instalação de projetos de hidrogênio verde em hubs, como no Complexo Industrial do Pecém, no município de São Gonçalo do Amarante, no Ceará. Até agora, são 32 memorandos de entendimento assinados entre o governo cearense e empresas interessadas.

Entre as vantagens, a estrutura portuária do Pecém, que exige poucas adaptações para exportar derivados do hidrogênio verde, além dos benefícios fiscais e tributários oferecidas pela Zona de Processamento de Exportação do Ceará, situada dentro do complexo. Outro diferencial é a parceria do Pecém com o Porto de Roterdã, na Holanda, que busca se firmar como principal porta de entrada para o hidrogênio verde na Europa.

O projeto mais promissor no Pecém é o da gigante australiana de mineração Fortescue Metals Group, que prevê uma planta com 1,2 gigawatt (GW) de capacidade de eletrólise e potencial produtivo de 900 mil toneladas de amônia verde, produto que será exportado. Com investimento de US$ 6 bilhões, a planta deverá entrar em operação em 2025.

Linde, Qair, TransHydrogen Aliance, Eren do Brasil, Casa dos Ventos, Engie, EDP Renováveis e White Martins também têm projetos de hidrogênio verde no Pecém. No total, o complexo deverá reunir 8 GW em capacidade de eletrólise para produzir 1,3 milhão de toneladas de hidrogênio verde por ano.

A AES Brasil assinou no ano passado um pré-contrato com o Complexo do Pecém para construir duas plantas, num total de 2GW. Mas, de acordo com Bernardo Machado Sacic, diretor de desenvolvimento de novos negócios da AES Brasil, a empresa ainda está avaliando os custos e a localização – se não for no Pecém, será em algum outro ponto do Nordeste, até 2028.

“Existe um meio do caminho que vai determinar onde vamos construir nossos projetos”, diz Sacic. “A otimização tende a ser pelo recurso energético da planta, não pela localização.” A AES está construindo uma planta nos Estados Unidos que deve entrar logo em operação, num investimento de US$ 4 bilhões.

Outros hubs do Nordeste com projetos em estudo ou em estágio inicial incluem Porto de Suape (Pernambuco) e o Polo Industrial de Camaçari (Bahia). Em outras regiões, o Porto do Açu (Rio de Janeiro) e o de Rio Grande (Rio Grande do Sul) também estão se mobilizando para atrair empresas.

Petrobras no jogo

A Unigel, gigante do setor petroquímico, por sua vez, decidiu aproveitar sua infraestrutura em Camaçari, na Bahia, para produzir hidrogênio verde. “Estamos na fase de engenharia do projeto executivo, em seguida, iniciam-se os trabalhos de obras civis, montagem eletromecânica, comissionamento e partida da planta”, afirma Roberto Noronha Santos, CEO da Unigel.

O início da produção está previsto para 2024. A fábrica da Unigel tem investimento inicial de US$ 120 milhões em sua primeira fase e produzirá 10 mil toneladas por ano de hidrogênio verde e 60 mil toneladas anuais de amônia verde.

Santos, da Unigel

“O plano é chegar a 100 mil toneladas por ano de hidrogênio verde e 600 mil de amônia”, conta Santos. No mercado, comenta-se que a Petrobras estaria disposta a fazer aportes na planta de hidrogênio verde da petroquímica. “Seguimos em tratativas, conforme comunicado veiculado pela Petrobras em junho”, diz o CEO da Unigel.

A Petrobras, por sinal, não esconde a intenção de apostar no potencial para produção de hidrogênio verde, mas utilizando energia eólica offshore no extremo Sul do país, no Sudeste e no Nordeste.

Os investimentos vão depender do custo da energia e das cadeias logísticas, além de uma regulação que estabeleça como se dará o processo de outorga dos parques eólicos offshore e como estes vão se conectar com o mercado de energia.

Não há marco regulatório aprovado para as usinas eólicas offshore -- o projeto de lei que trata do tema,  PL 576/2021, deverá ser votado até o final do ano. A demora da regulamentação tanto das eólicas offshore quanto do hidrogênio verde ameaça levar empresas a implementar seus projetos nos EUA, cujo governo oferece subsídios para instalar plantas no país – desde que a produção atenda o mercado local.

“A janela de oportunidade para a eólica offshore e o hidrogênio verde é muito estreita e o Brasil precisa dar um sinal de investimento ao mercado para não perder o bonde global”, adverte a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeolica), Elbia Gannoum.