Com o tema da descarbonização cada vez mais em voga nas agendas das empresas e em meio a um movimento de liberalização do mercado livre de energia, a Comerc Energia tem um plano bilionário para capturar as oportunidades de negócios nessas duas frentes.

Depois de investir mais de R$ 6 bilhões nos últimos dois anos para criar do zero toda uma infraestrutura de geração de energia renovável, a companhia, que conta com a Vibra como sócia, pretende investir mais R$ 2,4 bilhões até 2025 para ampliar sua capacidade instalada dos atuais 1,6 gigawatts (GW) a 2,3 GW.

“O setor elétrico está passando por uma enorme transformação e a competência de fazer gestão de clientes vai fazer muita diferença”, diz André Dorf, CEO da Comerc, ao NeoFeed. “Estamos nos posicionando hoje como um agente de energia renovável e de descarbonização.”

O montante planejado pela Comerc para os próximos dois anos será dividido entre as verticais de geração centralizada e geração distribuída centralizada, com o movimento mais recente tendo sido feito nesta segunda frente, com a formação de uma joint venture com a Neoenergia.

Anunciado na semana passada, o acordo prevê um investimento total de até R$ 500 milhões, dividido entre as partes para o desenvolvimento e a operação de usinas fotovoltaicas na Bahia, São Paulo, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Distrito Federal.

São locais em que a Neoenergia possui concessões e fornece energia para cerca de 14 milhões de clientes. As empresas não informaram quanto essas usinas terão em capacidade instalada, nem quando devem entrar em operação.

A Comerc começou a conversar com a Neoenergia a respeito de uma parceria no início deste ano, vendo uma oportunidade de atuar em locais onde não tinha presença nesta frente. Das 46 usinas solares em operação que a Comerc tinha ao fim do segundo trimestre na parte de geração distribuída, 45 estão localizadas em Minas Gerais e uma está em Pernambuco, totalizando 179 megawatt-pico (MWp) de capacidade instalada, considerando a participação da empresa.

“A Neoenergia já estava com a ideia de fazer geração distribuída e não tinha os projetos, daí nasceu esse casamento”, diz Dorf, destacando que os projetos já estão mapeados. “Já está tudo no pipeline, agora é a implantação, não vamos sair prospectando.”

O investimento total em geração distribuída deve ser de cerca de R$ 800 milhões até 2025. A Comerc concluiu as obras de mais três usinas no começo de agosto e tem outras 54 em construção.

As usinas que estão em implantação trarão incremento de 133 MWp de capacidade instalada, com previsão de conclusão até o segundo trimestre de 2024. E deve vir mais por aí, considerando o portfólio em desenvolvimento de 131 MWp, que devem começar a ter efeito de 2025 em diante.

Para a vertical de geração centralizada, que atua na implantação e operação de usinas solar e eólica para posterior comercialização no mercado regulado e no mercado livre, a Comerc prevê aportar em torno de R$ 1,6 bilhão entre 2024 e 2025.

Composta por usinas solares e eólicas em Pernambuco, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Norte, a vertical conta atualmente com 1,4 gigawatt (GW) de capacidade instalada e a Comerc possui projetos em implantação, que levarão a capacidade instalada total para 1,8 GW em 2024.

São dois projetos de usinas solares, ambos em Minas Gerais, em implantação, que devem entrar em operação entre o fim deste ano e o terceiro trimestre de 2024, além de aportes para expansão da capacidade instalada de uma usina eólica no Rio Grande do Norte, feita em parceria com a Casa dos Ventos, previsto para ser concluído até o terceiro trimestre deste ano.

Nova fase

Os investimentos representam a consolidação da nova fase da Comerc. Fundada em 2001 com foco inicial em assessoramento na gestão de energia para grandes consumidores, a empresa decidiu começar a investir em projetos próprios de geração de energia renovável em 2021.

Para montar a infraestrutura necessária, a Comerc chegou a iniciar um processo de IPO no mesmo ano para levantar R$ 2 bilhões. O restante do valor necessário, cerca de R$ 5 bilhões, viria via project finance.

A companhia desistiu da abertura de capital depois que a Vibra propôs aportar o valor. A antiga ex-BR Distribuidora acabou ficando com cerca de 50% do capital social, enquanto fundos da Perfin abocanharam com 34,8%, depois de a Comerc incorporar ativos de geração detidos pela gestora. O fundador da companhia, Christopher Vlavianos, o Kiko, manteve 8% e é atualmente o presidente do conselho de administração.

Os investimentos vem no momento em que o mercado livre de energia começa a ficar acessível a um número cada vez maior de empresas. Em setembro de 2022, o Ministério de Minas e Energia (MME) publicou uma portaria abrindo parcialmente o mercado livre, permitindo a entrada de todos os consumidores conectados à rede de alta tensão a partir de janeiro de 2024.

A pasta informou que 106 mil novas unidades consumidoras estarão aptas a migrar para o mercado livre, por onde passaram 36% do consumo de eletricidade em 2022, equivalente a R$ 150 bilhões, valor que deve crescer com a chegada de novas empresas.

Uma pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) no fim do ano passado revelou que mais da metade das empresas de alta tensão que são obrigadas a comprar energia junto às concessionárias desejam migrar para o mercado livre.

Essa é uma demanda que nomes como Auren, fusão da antiga Cesp com ativos de energia da Votorantim e CPP Investments, e Engie, além da Comerc também estão de olho.

Os investimentos da Comerc também estão sendo puxados pela necessidade de muitas companhias começarem a pensar em sua pegada de carbono, diante das pressões dos consumidores neste tema. E a Comerc vê uma boa possibilidade de ajudar as companhias de pequeno e médio porte, que também estão sendo cobradas.

“Empresas como Suzano e Embraer já falam de descarbonização há anos, mas tem um segundo pelotão, composto pela vasta maioria de empresas no Brasil, que não estavam nem aí para o tema, mas que começaram a se encaixar no escopo das grandes e estão sendo exigidos a cumprir iniciativas”, diz Dorf. “A Volkswagen, por exemplo, está exigindo dos fornecedores inventário de carbono.”

Olhando mais para frente, a Comerc quer também avançar em hidrogênio verde, tecnologia que não está no plano de investimentos para os próximos dois anos, mas que a empresa já está colocando os pés.

No fim do ano passado, a Comerc e a Casa dos Ventos fecharam um acordo para a instalação de uma unidade fabril de produção de hidrogênio e amônia verde no Complexo Portuário do Pecém, no Ceará. O início da primeira fase de operação está previsto para 2026.