O Brasil precisa aportar R$ 3,8 trilhões de  investimentos em infraestrutura até 2030, o equivalente a mais de dois PACs (Programa de Aceleração do Crescimento), para cobrir o déficit de gastos para o setor na última década e melhorar o planejamento estratégico dos projetos.

Além disso, é necessário investir mais em ferrovias e ampliar o debate do uso de energias renováveis para impulsionar o setor de infraestrutura no país. E, o mais importante, definir o modelo de país que o Brasil pretende construir a longo prazo.

As sugestões são do economista argentino Luis Alberto Andrés, Coordenador de Operações em infraestrutura para o Brasil do Banco Mundial. Andrés coordenou o relatório “Avaliação da Infraestrutura no Brasil”, preparado pelo banco, que teve a participação dos consultores Crystal Fenwick e Dan Biller e de um grande número de economistas e especialistas.

“Nosso estudo mostra que o efeito multiplicador sobre a economia do Brasil proveniente do investimento público em infraestrutura é pelo menos duas vezes maior que no consumo público”, diz Andrés, em entrevista ao NeoFeed.

Isso significa que, se o governo tem 1 dólar para investir e tiver dúvida onde colocar esse dinheiro, a opção por projetos de infraestrutura traz um retorno em dobro. “Uma rodovia nova gera potenciais em termos de exportação, de produtividade, de agricultura, enfim, de ganhos maiores para a economia no longo prazo do que o Bolsa Família, por exemplo, com forte impacto no curtíssimo prazo”, acrescenta.

O relatório não é novo - foi divulgado em junho do ano passado -, mas os problemas só cresceram desde então. O documento traz um retrato preciso e assustador do déficit de infraestrutura do país.

De acordo com o estudo, o Brasil reduziu de tal forma os investimentos anuais em infraestrutura ao longo do século 21 que, para retomá-lo ao ritmo ideal, o país teria de investir no setor US$ 778 bilhões até 2030 - o equivalente a R$ 3,835 trilhões ou 3,7% do Produto Interno Bruto (PIB) por ano.

O relatório mostra ainda que as empresas brasileiras perdem cerca de US$ 22 bilhões (1,27% do PIB) a cada ano por conta de interrupções relacionadas principalmente a falhas na infraestrutura de transporte (55%) ou energia (44%).

O estudo ganhou importância por ter sido concluído no final do governo Bolsonaro, quando os investimentos em infraestrutura atingiram o mínimo histórico, com aportes públicos e privados de apenas 1,6% do PIB em transporte, eletricidade, água e saneamento e telecomunicações combinados.

“Trata-se de uma proporção muito inferior ao pico do investimento mais recente, de 2,34% do PIB em 2013, e bem abaixo da década de 1980, quando os níveis foram em média de 5,0% do PIB”, afirma Andrés,

De acordo com o economista, o anúncio do novo PAC , feito no mês passado pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva, com orçamento público e privado de R$ 1,7 trilhão, foi válido por dar atenção aos gargalos de infraestrutura apontados pelo relatório.

“No contexto em que o Brasil precisa dobrar investimentos em infraestrutura, é importante que, além de dinheiro público, os projetos atraiam a iniciativa privada”, adverte Andrés.

Gargalo dos transportes

Andrés chama atenção para dois pontos explorados pelo relatório do Banco Mundial. Um deles diz respeito aos estudos mostrando o gargalo dos transportes. De acordo com o documento, 53% do total de investimentos necessários em infraestrutura no Brasil precisariam ser feitos apenas nesse setor.

Dentro dessa verba, porém, 43% seriam destinados para manutenção e substituição de ativos existentes, o que mostra a depreciação desses ativos.

Para o economista, o gargalo do setor de transportes expõe o desafio da descarbonização da economia. Neste sentido, um país continental como o Brasil deveria privilegiar outros modais além do rodoviário, sendo que apenas 12% das estradas do Brasil são pavimentadas.

“Num contexto de longas distâncias, o tráfego de caminhões é menos eficiente do ponto de vista ambiental e também econômico, em termos de custo de frete”, afirma Andrés, que aponta o debate equivocado sobre os danos ambientais da Ferrogrão, projeto de ferrovia incluído no PAC que vai cortar a Amazônia.

“Os números são claros: construir uma ferrovia reduz o potencial de desmatamento que ocorreria na construção de uma rodovia, sem contar que, embora uma ferrovia custe mais no curto prazo, os números são mais atrativos no longo prazo.”

PPPs e energia renovável

Outro ponto do relatório lembrado por Andrés que poderia ser utilizado pelo PAC é sobre as formas de atrair mais investimentos da iniciativa privada para o setor.

Embora considere razoável o percentual de investimento privado em infraestrutura - “saímos de zero, nos anos 1990, para 1% do PIB atualmente” -, o economista lembra que boa parte dos contratos de parcerias público-privadas (PPPs) está localizada em estados ricos, e não no Nordeste ou na região amazônica.

“Não se trata de falta de interesse do setor privado, mas de falta de capacidade dos governos estaduais em desenhar contratos que possam ser atrativos para o investimento privado”, diz Andrés, sugerindo que os governo estaduais invistam em capacitação técnica do funcionalismo para esse fim.

Outra forma de incentivar a presença privada na infraestrutura é alterando os contratos no modelo de parceria público-privada, limitados a cinco anos. “Se o governo ampliar os contratos para dez anos, por exemplo, altera a equação econômica para o investimento do setor privado”, sugere.

Para Andrés, a transição energética em curso deveria virar prioridade nos projetos de infraestrutura no Brasil. Segundo ele, o país tem ótimo potencial de energia renovável, mas não investe com o nível de intensidade necessário para ser utilizado em larga escala pela indústria.

O desenvolvimento de um hub de produção de hidrogênio verde no Complexo do Pecém, no Ceará, é um exemplo. “O projeto de hidrogênio verde é do Ceará ou do país? Há espaço para ganhos de estados e prefeituras de melhorar não só as fontes de geração de energia como de reduzir as despesas de governos locais”, afirma.

Para o economista do Banco Mundial, a questão da transição energética deve engatar uma discussão mais abrangente, sobre o modelo de país que o Brasil almeja.

“É aí que vejo condições de melhorar as discussões de planejamento em infraestrutura para o país”, afirma Andrés. “É preciso estabelecer o modelo de país que o Brasil pretende construir não para o curto prazo ou para o ciclo de quatro anos de um governo, mas para 2030, 2040 e 2050.”