Integrantes do governo de transição e o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva já deixaram claro que, nos próximos anos, a venda de estatais está fora dos planos. Recentemente, até a negociação dos Correios – empresa que há anos está no topo da lista de privatizações – foi descartada. Mas isso não significa que o novo governo vai virar as costas para a iniciativa privada.

No Ministério da Fazenda sob o comando de Fernando Haddad, a visão é de que é preciso intensificar as parcerias público-privadas (PPPs) para tocar projetos de infraestrutura. “Há uma ansiedade em [se ter] investimentos de longo prazo. Nem sempre isso cabe no mercado de capital privado”, disse Haddad, em entrevista em Brasília. “Alguns tipos de investimento exigem a participação do Estado. Justamente as PPPs.”

Haddad não tem se pronunciado especificamente sobre privatizações. Mas, no mesmo dia em que o ministro defendeu as PPPs, Lula descartou a venda de estatais. Segundo ele, o Brasil estará aberto aos investidores estrangeiros, mas não para a compra de ativos federais.

“Quem quiser vir para cá, venha. Tem trabalho, tem coisas para vocês fazerem, tem projeto novo de investimento”, afirmou Lula. “Mas não venham aqui para comprar nossas empresas públicas, porque elas não estão à venda. Nosso país vai voltar a ser respeitado, com soberania.”

Na prática, as indicações do governo de transição são de que nenhuma estatal será vendida nos próximos quatro anos, mas as parcerias com a iniciativa privada serão bem-vindas.

Um exemplo de que essa iniciativa deve tomar corpo no novo governo é o fato de que Haddad anunciou o advogado Marcos Barbosa Pinto, ex-sócio da Gávea Investimentos, para a Secretaria de Reformas.

Barbosa Pinto já trabalhou com Haddad no Ministério do Planejamento, durante o primeiro governo de Lula. Na época, contribuiu para a formulação da lei que rege as PPPs, justamente o ponto que o ministro quer impulsionar no novo governo.

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Um dos motivos para que o governo busque a iniciativa privada é que há pouco espaço fiscal para investimentos. O coordenador executivo do Centro de Gestão e Política do Insper, André Marques, afirmou ao NeoFeed que nenhum governo tem dinheiro suficiente para fazer tudo o que é necessário nas áreas social e de infraestrutura.

“Se o governo não buscar ajuda, se não procurar parceiros para enfrentar problemas, o tempo de resolução é mais longo”, afirma Marques. “Com isso, o país fica com estruturas mais distantes do ponto ótimo.”

Sinalizações divergentes

Para alguns analistas de fora do governo, porém, as sinalizações dadas por Lula e Haddad, neste primeiro momento, são divergentes.

“Quando o governo faz uma concessão à iniciativa privada ou uma PPP, o ativo continua com ele. Mas, durante 20 ou 30 anos, este ativo será administrado por um grupo de empresas privadas”, afirma Marques, do Insper. “Para a população em geral, a percepção é de que é tudo privatização.”

O professor e diretor da Fipecafi Projetos, Fernando Dal-Ri Murcia, alerta que a opção por não privatizar pode afetar a qualidade de serviços prestados à população. “O Estado não consegue dar conta de determinadas atividades. O saneamento básico é um caso típico”, afirma Murcia.

Para ele, a discussão sobre privatizações não deveria ficar restrita ao aspecto político, mas também levar em conta a viabilidade econômica de cada estatal. A situação dos Correios é um exemplo. “Se os Correios não se modernizam, a estatal perde espaço para a iniciativa privada. É preciso analisar, fazer uma discussão técnica e avaliar cada caso de privatização”, diz Murcia.

O caso dos Correios seria diferente da situação encontrada em outras estatais que, nos últimos anos, estiveram na lista de possíveis privatizações, como o Banco do Brasil e a Petrobras. Enquanto os Correios precisam de investimentos para se manter no mercado, o banco e a petrolífera caminham por conta própria.

Mais do que isso, essas duas companhias são consideradas estratégicas pelo PT. Nas últimas décadas, em diferentes momentos, a Petrobras foi utilizada para segurar o preço dos combustíveis no país, enquanto o Banco do Brasil, juntamente com a Caixa Econômica Federal, foi usado como ferramenta para expansão do crédito.

Embora os governos Temer e Bolsonaro tenham flertado com as privatizações, essas estatais apresentaram resultados positivos nos últimos anos. Os Correios tiveram lucro líquido de R$ 2,3 bilhões em 2021 e de R$ 1,5 bilhão em 2020. Em 2015, no último ano completo de Dilma Rousseff na presidência, a estatal havia amargado prejuízo líquido de R$ 2,1 bilhões.

Já o Banco do Brasil teve lucro líquido de R$ 21 bilhões em 2021, enquanto a Petrobras registrou lucro recorde de R$ 106,7 bilhões. Em 2015, o banco lucrou R$ 14,4 bilhões, enquanto a petrolífera teve prejuízo de R$ 34,8 bilhões.

“Pode ser que faça sentido manter algumas estatais. Mas será que os Correios são tão estratégicos?”, questiona Marques, do Insper. “Hoje, a discussão parece muito mais ideológica.”

O discurso do novo governo está em sintonia com as promessas de campanha de Lula e com a posição majoritária do PT ao longo dos anos. No governo, uma das justificativas para que os Correios não sejam privatizados é o de que a estatal atende a todas as regiões do país, algo que empresas privadas não teriam interesse em fazer.

Para os defensores da privatização, este obstáculo poderia ser superado no próprio processo de venda da empresa, em que se exigiria a continuidade na prestação de serviços em áreas específicas, e não somente nos grandes centros.

Formação da equipe

Em meio às discussões sobre os rumos do próximo governo, o ministro Fernando Haddad vem montando nas últimas semanas sua equipe. Em um primeiro momento, ele anunciou dois economistas: Gabriel Galípolo, que será secretário-executivo do Ministério da Fazenda, e Bernard Appy, como secretário especial para Reforma Tributária.

Ex-presidente do Banco Fator, Galípolo na prática será o número 2 da pasta. Já Appy, que vinha ocupando o cargo de diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), será a referência no ministério para a questão tributária.

Haddad também informou que o advogado Roberto Barreirinhas comandará a Secretaria da Receita Federal e que o economista Guilherme Mello será o titular da Secretaria de Políticas Econômicas.

Barreirinhas já trabalhou com Haddad na prefeitura de São Paulo, quando atuou como secretário de Negócios Jurídicos. Já Mello é economista e professor da Unicamp. Ele foi um dos integrantes do grupo de economia da transição.

O ministro definiu ainda que o auditor fiscal Rogério Ceron comandará a secretaria do Tesouro. Assim como Barbosa Pinto, Ceron tem ligação com parcerias entre os setores público e privado. Atualmente, ele ocupa o cargo de presidente da SP Parcerias da Prefeitura de São Paulo, entidade que promove PPPs.

Outros nomes incluem Tatiana Rosito, indicada para comandar a secretaria de Assuntos Internacionais, e Fernanda Santiago, que vai assumir a assessoria jurídica especial do ministro da Fazenda.

Rosito fez carreira no Itamaraty e tem larga experiência na China, onde trabalhou por 10 anos ocupando postos no Banco dos Brics e na Petrobras. Já Santiago é do quadro de carreira da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Trabalhou por 14 anos na Policia Rodoviária Federal antes de ingressar na procuradoria.

Haddad também já anunciou Anelize Almeida para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Gustavo Caldas será o vice-procurador.