Quando a taxa básica de juros caiu para 2%, no período da pandemia de Covid-19, muitas empresas viram uma grande oportunidade de tomar empréstimos mais baratos para acelerar o crescimento. Mas essa condição mudou rapidamente com os juros voltando para a casa dos dois dígitos, o que encareceu o endividamento.
Para aquelas empresas que não recuperaram a geração de receita, o resultado é que agora, em 2024, esses empréstimos estão pesando e apertando a corda no pescoço.
Não é exagero dizer que algumas estão próximas de um default. De acordo com um estudo da boutique de assessoria financeira Seneca Evercore, compartilhado com o NeoFeed, as small caps da bolsa brasileira estão próximas de não gerarem caixa o suficiente para pagarem suas dívidas.
Para chegar a esse resultado, a Seneca Evercore calculou o índice de cobertura de juros (capacidade de geração de caixa, o EBIT, sobre os custos de juros da dívida) das empresas no índice de small caps (SMALL11), que tem empresas como Arezzo, Allos, Usiminas, Fleury, Casas Bahia, entre outras, e chegou a um indicador de 1,3 ponto. No início de 2019, esse índice estava em 2,7. E quanto mais próximo de um, maior é a chance de calote.
Para o sócio-diretor Daniel Wainstein, esse cenário exige que as empresas busquem um planejamento financeiro maior, seja via reestruturação de dívidas com emissões de rolagem ou a realização de fusões e aquisições (algo que está deixando o mercado bem aquecido para os próximos meses).
“Esse é o momento de as empresas procurarem o mercado de capitais para alongar a dívida. Há espaço para isso com grande procura por crédito privado e produtos estruturados”, diz Wainstein.
Ele complementa: “Mas também é um bom momento para consolidar mercados. Fundos de private equity estão vendo uma boa oportunidade para entrar, assim como empresas que estão com uma dívida mais comportada veem oportunidade de crescer com aquisições. Já estamos vendo um movimento de procura forte por ambos os lados.”
A nova expectativa de juros mais altos por mais tempo, com pressão da inflação nos Estados Unidos que adia o corte dos juros americanos por lá, coloca ainda mais dificuldade para essas empresas pagarem as dívidas nos próximos meses.
Essa situação é resultado de um empresariado que foi muito otimista quando os juros estavam baixos e tomou empréstimos acreditando que a taxa não subiria tanto ou que a produtividade aumentaria rapidamente. Nada disso aconteceu.
A situação das pequenas e médias empresas é mais delicada do que a das grandes corporações por terem menor acesso ao mercado de capitais. Elas usam mais o financiamento bancário, que se manteve caro mesmo com a Selic a um dígito.
Segundo levantamento da assessoria financeira, os juros médios de capital de giro de longo prazo para pessoas jurídicas oferecidos pelos quatro maiores bancos concessores de crédito está em 24,85% ao ano - um spread de crédito de 12,73%, o maior desde junho de 2022, quando estavam em 14,05%. Mas, quando a Selic estava em 2%, chegou a 17,68%.
Os elevados níveis de spread de crédito praticados no Brasil mostram que os bancos se acostumaram com esse nível de rentabilidade e não conseguem ser mais competitivos.
“A Selic pode subir ou cair, os bancos cobram mais ou menos os mesmos spreads. Eles não conseguem ter lucro com menos de 11% a 13% de spreads pela estrutura parruda que se acostumaram a ter”, afirma o sócio-diretor da Seneca Evercore.
Mas, até pouco tempo, isso não era um problema porque não havia competição no mercado. Agora a realidade é outra. Segundo levantamento da Seneca Evercore com dados do Banco Central, se, em dezembro de 2018, o financiamento bancário respondia por 70,6% dos créditos para as empresas, em fevereiro de 2024, caiu para 54,2%. E o mercado de capitais, com a emissão de títulos de dívida e instrumentos de securitização, conquistou 45,8% do mercado de crédito corporativo.
“O mercado de capitais mudou muito nos últimos anos, com títulos isentos, crescimento de fundos de crédito e do wealth management. As empresas foram percebendo que é melhor ter uma base de funding diversificado do que ficar na mão de três bancos. Com isso, o mercado ficou mais competitivo, mas ainda são as grandes empresas que acessam melhor esse funding”, afirma Wainstein.