Apenas no período entre março e dezembro de 2020, quando a pandemia do novo coronavírus obrigou a maioria das pessoas a ficar em casa, a redução de tráfego e da cobrança de pedágio deixou um prejuízo de R$ 250 milhões em 20 das 24 rodovias federais sob concessão.
O prejuízo, levantado por três economistas da Tendências Consultoria com base em informações disponibilizadas pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) – responsável por regular e fiscalizar o setor de transportes no Brasil –, representa um aspecto de um problema ainda maior, que se arrasta desde a crise econômica de 2016-2017, herança do governo Dilma Rousseff: a renegociação dos contratos de concessão de rodovias federais que foram fechados no período de bonança antes da crise, entre 2007 e 2011.
Como o governo reduziu os investimentos públicos, a maioria das concessionárias – muitas delas envolvidas em irregularidades e alvo da Operação Lava Jato – teve dificuldades em obter empréstimos para tocar obras e cumprir os contratos.
De acordo como Ministério dos Transportes, das 24 concessões de rodovias federais existentes, 16 estão em processo de devolução e relicitação ou têm “desequilíbrios graves” em seus contratos, de atraso em obras a tarifas defasadas, além da falta de recursos para cumprir obrigações previstas na licitação.
Durante todos esses anos, até houve um esforço das autoridades, via Congresso Nacional, com a aprovação da Lei da Relicitações, de 2017, cujo objetivo era permitir que as concessionárias devolvessem voluntaria e consensualmente seus contratos. Ato contínuo, o governo organizaria uma nova licitação.
A solução, no entanto, não se mostrou simples: se por um lado as concessionárias não cumpriram parte das obrigações previstas na licitação, por outro alegam que, por causa da crise econômica, reajustes de pedágios e outras fontes de receita não foram obtidas e, por isso, exigem uma compensação do governo.
“Os contratos de concessão tinham expectativas de grande crescimento, com receita esperada, por isso, a necessidade de reequilibrar o contrato é mais fácil de usar como argumento”, afirma o economista Felipe Yamamoto, que, ao lado de outros dois analistas da Tendência Consultoria, Maurício Palugan e Bruno Rossini, detalhou em artigo postado na Agência Infra como chegaram ao prejuízo de R$ 250 milhões das 20 concessionárias de rodovias na pandemia.
Segundo ele, o cálculo incluiu a redução de tráfego e de arrecadação com pedágio, entre outros fatores. Entre março e dezembro de 2020, por exemplo, 33 milhões de eixos (referência para cobrança de pedágio, o equivalente a 16 milhões de veículos de passeio) deixaram de circular nas 20 rodovias federais analisadas.
Lei inócua
Na prática, nenhuma das concessões rodoviárias conseguiu fechar acordo com base na Lei das Relicitações.
A exceção foi a Rota do Oeste, trecho de 850 km da BR-163 entre os municípios Itiquira (MT) e Sinop (MT), sob concessão da OTP (empresa do grupo da antiga Odebrecht, atual Novonor), que foi absorvida pelo governo do Mato Grosso após fechar acordo direto com a concessionária.
A opção por relicitação, a rigor, também não atende ao interesse do poder público – por causa de exigências regulatórias, o processo pode se arrastar até quatro anos antes de fazer novo leilão.
Por esse motivo, foi encontrada uma solução intermediária, envolvendo o Tribunal de Contas da União (TCU), para renegociar os contratos com desequilíbrios.
Das 16 concessões com problemas, quatro estão próximas de um acordo: a MSVIA, responsável por um trecho sob concessão da BR-163 em Mato Grosso do Sul; a ECO 101, que cuida da BR-101 entre Espírito Santo e Bahia; a Via Bahia, concessionária que administra vários trechos federais no estado; e a Arteris Fluminense, que tem a concessão da BR-101 entre Niterói e Campos dos Goytacazes (RJ).
A ANTT pretende impor alguns parâmetros nessa renegociação. Um deles é a antecipação de investimentos para os três primeiros anos, além de tarifas abaixo das previstas para as relicitações e o estabelecimento de um limite dos prazos de contratos, dos até 30 anos atuais para no máximo 15 anos.
Só essas quatro concessões em negociações avançadas podem destravar investimentos de R$ 20 bilhões após acordo. O ministério, porém, estima que poderia liberar pelo menos outros R$ 60 bilhões se os demais 12 contratos com problemas chegassem a um acordo.
Independentemente desses acertos, o Ministério dos Transportes deverá ser protagonista do novo PAC (Programa de Desenvolvimento Econômico), o pacote de obras de infraestrutura do governo federal que deverá ser anunciado no próximo dia 11, com R$ 240 bilhões em recursos até 2026, incluindo concessões e parcerias público-privadas (PPPs).
Sob comando do ministro Renan Filho, a pasta deverá usar o programa para reforçar sua aposta em investimentos no setor rodoviário, cujo orçamento já previa empregar R$ 21,5 bilhões apenas este ano por meio do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes).
Ainda não se sabe se o PAC vai incluir os editais de 5 concessões de rodovias federais, que somam 2.407 km e orçamento de R$ 66 bilhões ao longo de 20 anos, que o Ministério dos Transportes vai realizar no segundo semestre.
A pasta ainda tem na manga, pronto para começar a estruturar, os editais de outros 24 projetos de concessões rodoviárias federais para o biênio 2024-2026.