Uma das principais prioridades da área de infraestrutura do governo Luiz Inácio Lula da Silva, a tentativa de destravar os contratos de concessões rodoviárias e aeroportuárias que foram devolvidas ou em processo de relicitação nos últimos anos começou a sair do marasmo.

No centro da disputa estão seis concessões de rodovias e outras três de aeroportos, envolvidas em processos de devolução amigável, reequilíbrio contratual ou de relicitação, dependendo do caso. Enquanto o problema se arrasta, boa parte dos R$ 45,5 bilhões de investimentos previstos nessas nove concessões segue suspensa. A rigor, esse é tamanho do prejuízo para a União e usuários dos serviços.

Até a virada de governo, nada indicava que haveria solução rápida, que esbarra numa montanha de problemas jurídicos envolvendo agências reguladoras, concessionárias, bancos e Tribunal de Contas da União (TCU), entre outros atores.

A boa notícia é que pela primeira vez há uma luz no final do túnel. “Tanto o Poder Executivo como o TCU estão se mexendo para resolver esse impasse”, afirma Roberto Guimarães, diretor de Planejamento e Economia da ABDIB (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base.

O drama envolvendo as concessionárias teve início ainda durante o governo Dilma Rousseff, depois que boa parte dos contratos de concessão fechados entre 2007 e 2013, em meio ao crescimento econômico dos governos do PT, começou a enfrentar problemas com a escalada da recessão econômica nos anos seguintes. Com isso, as concessionárias não conseguiram cumprir as metas e investimentos prometidos em contratos.

O impasse prosseguiu sem solução até a aprovação da Lei 13.448, em 2017, que abriu caminho para o processo de devolução amigável de concessões de infraestrutura visando a relicitação dos ativos. Em meio à demora para colocar de pé um arranjo que envolve desfazer uma concessão para relicitá-la veio a pandemia, acrescentando novas dificuldades ao processo.

Contratos

Entre dezembro de 2019 e fevereiro deste ano, após idas e vindas, nove concessões foram devolvidas ao governo. As rodoviárias incluem: Via-040 (BR-040), MS Via (BR-163/MS), Concebra (BR-060/153/262), Rota do Oeste (BR-163/MT), Rodovia do Aço (BR-393) e Autopista Fluminense (BR-101/RJ).

Entre as concessões de aeroportos sob devolução estão o de Viracopos (SP), São Gonçalo do Amarante (RN) e do Aeroporto do Galeão (RJ).

A proatividade demonstrada pelo governo federal e pelo TCU avançou em duas frentes. Numa, na intenção do governo em dar preferência à renegociação dos contratos de concessões do que na abertura de um processo de relicitação, muito mais demorado. Em outra frente, a decisão do ministro Bruno Dantas, presidente do TCU, de criar dentro do órgão uma secretaria de soluções consensuais de conflitos envolvendo essas concessões.

“A renegociação dos contratos com os atuais concessionários é a saída mais célere do ponto de vista burocrático, mas é preciso tomar cuidado”, adverte Guimarães, da Abdib. “Nessa renegociação, o concessionário não pode ter vantagem em relação ao edital original, senão seria favorecimento.”

Especialistas apontam ainda outro grande obstáculo: as indenizações aos concessionários que fizeram investimentos e entregaram a concessão antes do fim do contrato.

Frederico Favacho, especialista em contratos do escritório Santos Neto Advogados, aponta uma solução jurídica para evitar que o governo desembolse a indenização. “É possível colocar no edital que o novo concessionário pague um prêmio para levar o contrato e condicionar isso ao pagamento da indenização do concessionário anterior.”

Na prática, as soluções começam a surtir efeito. O Aeroporto de São Gonçalo do Amarante, o primeiro concedido à iniciativa privada, em 2011, será o primeiro a passar pelo procedimento de relicitação criado pela Lei 13.448/2017. Em fevereiro, o TCU autorizou o procedimento, mas Anac (órgão regulador da aviação civil) deverá fazer ajustes antes de publicar o edital.

Para reverter a devolução do Galeão pedida em fevereiro de 2022 pela concessionária, do grupo Changi, de Cingapura, o governo federal criou um grupo de trabalho para buscar uma solução para o impasse. Já Viracopos é o caso mais complicado de negociação, pois passa por uma arbitragem internacional.

Entre as concessionárias rodoviárias, a Rota do Oeste, que opera um trecho da BR-163 no Mato Grosso, fez um acordo com o governo estadual, trocando o controle acionário da empresa, que será assumido pela MT Par (empresa de economia mista do Estado de Mato Grosso) em substituição à majoritária Odebrecht Transport.

Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes, da Fundação Getúlio Vargas, cita outra solução viável, adotada no setor ferroviário: a antecipação das concessões, com prorrogação de prazos dos contratos em troca de investimentos.

“Esse modelo vai proporcionar investimentos cruzados para o governo, que recebe das concessionárias e investe em outros projetos”, diz Quintella. “Não há saída para nenhum governo sem a iniciativa privada, que por sua vez depende de uma modelagem de concessão atrativa para investir.”