A dívida do governo brasileiro administrada no mercado interno ronda R$ 8 trilhões e não deverá se estabilizar tão cedo, mantendo sinal de alerta e críticas para a política fiscal que contamina os preços dos ativos pela percepção de risco constante. O governo era, é e continuará sendo o maior devedor do País e com despesas superlativas – a maior delas o pagamento de juros.

A fatura de juros é o “Calcanhar de Aquiles” das contas públicas com cifras extraordinárias e crescentes. Em dez anos, os gastos com juros – sempre em doze meses até agosto – mais que dobraram. Em 2016, o montante alcançou R$ 418 bilhões. Em 2025, R$ 950 bilhões. A necessidade de manutenção de taxas teimosamente elevadas para segurar a inflação entorna esse caldo.

Mas essa conta parruda também poderia ser menor se o governo demonstrasse compromisso com a estabilização da dívida que, em proporção do PIB, já subiu 4,6 pontos percentuais, de 72,9% no início do governo Lula 3 para 77,5% em agosto deste ano. E, projeta o BTG Pactual, poderá encerrar 2026 acima de 82%. Uma elevação estimada em mais de 10 pontos percentuais em apenas quatro anos.

É fato que o refinanciamento da dívida mobiliária ocorre sem percalços, embora a um custo elevadíssimo – calibrado pela Selic na lua – e contratado por longo prazo. Porém, não há garantia de céu de brigadeiro em 2026, a depender do curso da campanha eleitoral e do “placar” que se desenhará para o resultado das urnas.

O Tesouro, porém, aproveitando condições favoráveis de mercado, começou a “blindar” a dívida. Ampliou seu “colchão de liquidez” para cerca de R$ 1,134 trilhão – cifra que deverá encerrar 2025 em R$ 1,2 trilhão, estima a Eytse Estratégia.

Sérgio Goldenstein, fundador da Eytse, ex-chefe do Departamento de Operações de Mercado Aberto do BC e um dos maiores especialistas do País em dívida pública e juros, lembra ao NeoFeed que o “colchão de liquidez” encerrou 2024 em R$ 860 bilhões. “Neste ano, o caixa foi recuperado”, diz ele.

“De janeiro a agosto, o Tesouro realizou uma colocação líquida de R$ 277 bilhões de títulos públicos, criando uma ‘gordura’ no ‘colchão’, que deverá encerrar o ano em torno de R$ 1,2 trilhão. Assim, terá uma maior flexibilidade na gestão da dívida no ano que vem, caso impere a volatilidade no mercado e aumente o prêmio de risco se a perspectiva de vitória em outubro pender para a reeleição de Lula", observa Goldenstein.

"Se a perspectiva pender para a oposição, os prêmios de risco diminuirão e por uma simples razão: os agentes econômicos, não só de mercado, acreditam que um governo de oposição teria maior compromisso com o equilíbrio das contas públicas”, complementa.

Com sua intensa e preventiva atuação, o Tesouro terá, em 2026, a opção de não pressionar o mercado, avalia o especialista. Na prática, essa situação já estará configurada neste último trimestre de baixos resgates de títulos. Os grandes vencimentos já ocorreram ao longo do ano, relata Goldenstein, que alerta sobre o apetite dos investidores pelos títulos do governo que possibilitou a ação enérgica da instituição.

Apetite dos investidores

“A demanda maior por títulos públicos não foi resultado da queda do prêmio de risco e tampouco por fundamentos da nossa economia, uma vez que o quadro fiscal continua muito ruim. A demanda ocorreu graças a preços atrativos dos títulos e, especialmente, pelo cenário externo benigno, marcado pela queda global do dólar e das taxas dos títulos norte-americanos", afirma o especialista.

E continua: "Essa combinação fortaleceu o real, ajudou a desacelerar o IPCA e proporcionou algum recuo das expectativas de inflação, ainda que sigam distantes da meta de 3%.”

Goldenstein reconhece que o Tesouro acabou por pressionar a curva de juros com suas colocações recentes, inclusive de papéis de prazos mais longos e por juros reais acima da média histórica. Mas não só isso, destaca o economista. O alongamento de prazos com taxas elevadas contrata um forte custo fiscal por período extenso, agravando, portanto, incertezas quanto à política fiscal.

Neste momento, é precipitado considerar que a gestão da dívida mobiliária será um passeio no parque em 2026, sinaliza Goldenstein. Ele avalia que o apetite dos investidores pelos títulos públicos será orientado por um conjunto de fatores: o quanto estará benigno o cenário externo; quando o BC iniciará a redução da Selic e qual será o ‘orçamento’ de corte a ser cumprido; e a trajetória do prêmio de risco que, acredita, será possivelmente o fator mais relevante a afetar o interesse dos investidores.

A perda de validade da Medida Provisória 1.303, que deixou de ser votada na quarta-feira, 8 de outubro e, portanto, perdeu a validade, é, para Goldenstein, uma boa notícia. Dentre outros aspectos, a MP não alterava boa parte das isenções de títulos privados e unificava a taxação em 18% para os demais ativos, extinguindo, portanto, a “escadinha” de alíquotas de 22,5% a 15%.

Para ele, a MP ampliava a assimetria tributária – favorecendo os títulos isentos em detrimento dos papéis públicos – e dificultava o alongamento da dívida pública. Contudo, a concorrência entre os ativos isentos e os títulos do governo já existe, pondera o economista.

“As debêntures incentivadas, inclusive, são negociadas abaixo das taxas das NTN-B – papéis atrelados ao IPCA –, sendo que os títulos privados, em tese, oferecem risco de crédito maior do que os papéis públicos”, observa o economista para quem a assimetria só deixou de ficar ainda maior. Mas continua representando um problema para a gestão da dívida pelo Tesouro, dada a concorrência crescente das debêntures indexadas ao IPCA, limitando o espaço para as ofertas de NTN-B.

Goldenstein avalia que o foco agora se volta para quais medidas o governo buscará implementar para compensar a derrubada da MP 1.303, que, originalmente, deveria assegurar receita de R$ 20,87 bilhões em 2026. Cifra crucial para o cumprimento da meta fiscal que, reza a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2026, é de superávit de 0,25% do Produto Interno Bruto – algo em torno de R$ 34,3 bilhões.