A definição do ministro da Fazenda do governo Lula e a contagem regressiva para a votação da PEC da Transição no Congresso são expectativas que prometem embalar a terceira semana de novembro. Mas isso é só o começo.

As expectativas não param por aí. Tampouco seus efeitos. E o Banco Central (BC), blindado por sua autonomia legal e credibilidade cultivada por decisões técnicas, está no jogo das expectativas para onde foi precipitadamente conduzido pelo presidente Roberto Campos Neto.

“Temos, agora, um momento em que a autonomia do BC está sendo testada. O BC obviamente está disposto a trabalhar com o novo governo. Temos que olhar para frente e achar soluções para o Brasil”, afirmou Campos Neto, no Bradesco BBI 12th CEO Forum, em Nova York, na terça-feira, 15 de novembro, feriado no Brasil.

Embora realista na afirmação, o presidente do BC contratou pressão adicional sobre a instituição que, naturalmente, não estará livre de pressões do setor privado pela redução da taxa de juro nos primeiros meses de 2023.

Ainda que o desafio de aliviar a política monetária não seja privilégio do BC de Campos Neto, mas condição compartilhada por seus pares globais acusados de fomentar recessão, a posição do Brasil é ‘quantitativamente’ diferente.

O Brasil é recordista mundial no pagamento de juro real ao investidor. Desde agosto, o BC mantém a Selic em 13,75% ao ano, cerca de 8% acima da inflação.

Esse nível de taxa é um convite para embates no futuro governo, estando ou não em função executiva no ministério de Lula um economista do calibre de André Lara Resende – hoje integrante da equipe de transição.

Um dos “pais” do Plano Real implantado no Brasil em 1994, Lara Resende é um crítico contumaz da prática de juros altos em nome do combate à inflação.

As ponderações do economista não se referem particularmente ao Brasil e, sim, à teoria monetária. Contudo, aqui e sob um governo de esquerda – ou centro-esquerda – a posição de Lara Resende ganha relevância.

Simplificando, ele avalia que juros muito superiores à taxa de crescimento da economia teriam levado o Brasil à condição de semiestagnação.

Afirma também que um governo não deveria ser submetido a restrições financeiras por ser emissor de sua moeda. No cerne da discussão está a convicção de que a inflação é decorrência de expectativas. E expectativa é o que não falta na transição de governo.

Discussões teóricas são infindáveis, mas é fato que provocam ruído mesmo que não levem a decisões de governo. Até por esse motivo, o BC corre o risco de ser pressionado seja pelo juro praticado, seja pela autonomia alcançada em fevereiro de 2021.

O BC corre o risco de ser pressionado seja pelo juro praticado, seja pela autonomia alcançada em fevereiro de 2021

Autonomia do BC no Brasil tem histórico. Para o bem e para o mal. Foi amplamente debatida no Congresso por parlamentares petistas, inclusive, pela deputada Gleisi Hoffmann, presidente do PT e, hoje, coordenadora da articulação política do gabinete de transição.

Recentemente, Hoffmann afirmou que Lula – que ainda não estava reeleito – vai manter Campos Neto à frente do BC até 2024, como prevê a legislação. Parte do PT resiste à autonomia da instituição, mas não há especulação em mercado sobre essa questão.

Por ora, o mercado foca a definição da última Selic de 2022 a ser anunciada em 7 de dezembro pelo Copom. Não se espera mudança na taxa. Expectativa que vale também para o primeiro encontro do comitê de 2023 – em 31 de janeiro e 1º de fevereiro – sob a égide do governo Lula.

Ainda no início do ano, o BC estará sob holofotes com o ajuste que poderá ocorrer a partir de 28 de fevereiro.

Nesta data expiram os mandatos das diretorias de Fiscalização e de Política Monetária que estão sob o comando de Paulo Souza e Bruno Serra, respectivamente. Os diretores têm direito à recondução aos cargos.

Mas quem vai bater o martelo sobre sucessão ou recondução será o presidente Lula. Em dezembro de 2023 estarão em semelhante situação as diretorias de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta e a de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos.

Rodízio de diretores do BC é novidade no Brasil, mas o país já conviveu com uma instituição operacionalmente autônoma nos dois primeiros mandatos de Lula – de 2003 a 2010.

Naquele período, Lula respeitou a ‘autonomia’ do BC por ele concedida a Henrique Meirelles que também cumpriu dois mandatos à frente da instituição.

Meirelles, visto pelo mercado como potencial futuro ministro da Fazenda de Lula, notabilizou-se internacionalmente pelo trabalho realizado em meio à crise financeira global de 2008/2009, mas não teve vida fácil.

Declarações e decisões da área econômica semearam conflitos que não afastaram o BC do seu trabalho, mas a um custo mais elevado. Decorrentes de embates travados sobretudo com o Ministério da Fazenda.

Declarações e decisões da área econômica semearam conflitos que não afastaram o BC do seu trabalho, mas a um custo mais elevado

Não à toa, após uma semana da vitória de Lula no 2º turno das eleições deste ano, investidores romperam a lua de mel com o presidente eleito. E a ruptura não ocorreu apenas pela expectativa de definição em torno da licença para gastar acima do teto de gastos.

A questão é fundamental e pesa nas expectativas, mas também é parte de um intrincado xadrez político, que passa pela recondução dos atuais presidentes da Câmara e do Senado. E, portanto, à acomodação das pretensões de Lula à coalizão partidária que o ajudou a se eleger.

Adicionalmente estão em jogo as relações a serem estabelecidas entre pastas da área econômica com o desmonte do Ministério da Economia – e restauração da Fazenda e Planejamento – e à ativação de políticas dos bancos públicos.

Na esteira da crise de 2008/2009 essas instituições tiveram papel decisivo para que o país não sofresse retrocesso e ainda ajudaram Lula a fazer Dilma Rousseff sua sucessora.

E aqui cabe a máxima de que o mercado tem memória de elefante quando convém. Não à toa, o Ibovespa tombou e câmbio e juros dispararam, há uma semana, com a indicação do Guido Mantega ao governo de transição.

Petista histórico, Mantega foi ministro do Planejamento, presidente do BNDES e ministro da Fazenda. Prestou 12 anos de trabalho a Lula. E, na prática, até mais um pouco. Mas, na quinta-feira, 17 de novembro, uma semana depois de indicado à equipe de transição, Mantega renunciou ao cargo para evitar criar dificuldades ao novo governo.