O presidente Lula não deu trégua ao Banco Central (BC) em 50 dias de governo. A saraivada de críticas ao juro, à meta de inflação e à autonomia da instituição reforçaram incertezas dos investidores quanto à coordenação das políticas monetária e fiscal. E o mercado financeiro aguarda, dia sim e no outro também, o próximo “round”.

E ele já tem data. Na quinta-feira, 16 de fevereiro, o Conselho Monetário Nacional (CMN) inaugura seu calendário no governo Lula. Previsto inicialmente para 26 de janeiro e adiado por falta de votos para avaliação, o encontro reunirá o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, e o presidente do BC, Roberto Campos Neto.

Se o resultado da reunião inspirar as já rotineiras críticas de Lula, disparadas até agora diretamente a Roberto Campos Neto, elas poderão respingar em toda a equipe econômica. Resultado? Um contraproducente desgaste neste início de governo que precisa de crescimento econômico para atingir objetivos, inclusive receita, e garantir aprovação.

Apesar das críticas e do desejo do presidente por meta de inflação mais elevada – talvez 4,5% e não 3,25% prevista para este ano e 3% para 2024 e 2025 – não é certo que o CMN concorde com o upgrade. Ao menos neste momento.

O tema é a pauta da reunião. Entretanto, uma decisão desse porte tomada a toque de caixa e por imposição do presidente da República colocaria em risco o crédito de decisões futuras – e técnicas – do colegiado. Um ponto a considerar.

A meta de inflação pode mudar sim, a partir de uma discussão madura entre Fazenda, Planejamento e BC, mas sem que este seja descredenciado. Afinal, o CMN reúne-se mensalmente.

O Brasil adotou o regime de metas em 1999. Até 2016, o valor era fixado com dois anos de antecedência. A partir de 2017, a definição passou a ocorrer três anos antes.

Objetivo? Reduzir incertezas, aumentar a previsibilidade para definição de preços na economia e ampliar a capacidade de planejamento de famílias, empresas e do próprio governo.

O CMN tem sido associado exaustiva e exclusivamente à meta de inflação. Mas seu trabalho não para aqui. Criado em 1964 com competência normativa, o órgão tomou incontáveis e relevantes decisões ao longo dos anos, quando também encolheu em representatividade. Já foi composto por ministros, empresários, banqueiros e sindicalistas.

Cabe ao Conselho, entre outras tarefas, orientar a aplicação de recursos de bancos públicos e privados; aprovar instrumentos que aumentem a eficiência do sistema de pagamentos; monitorar liquidez e solvência das instituições; e coordenar as políticas monetária, creditícia, orçamentária e fiscal.

É um equívoco supor que o veterano CMN tem o poder de baixar ou aumentar a taxa de juro. Este trabalho é do BC, executor da política monetária de olho no controle da inflação.

No regime atual, o BC prioriza o cumprimento da meta e não desconhece a premissa de que juro menor é condição necessária, mas não suficiente, para propiciar crescimento econômico.

Neste sentido, perspectivas para a política fiscal fazem diferença e o sistema tributário – sob reforma em trâmite no Congresso e grande aposta de Lula – é decisiva para a atividade porque deve melhorar o ambiente econômico que incentiva investimentos.

O custo do dinheiro é relevante, mas é parte de uma equação. E é também um equívoco minimizar o papel das políticas fiscal e tributária como indutoras do crescimento, mas também propulsoras de inflação quando não estão calibradas ou são objeto de questionamento. Exatamente o que acontece hoje.

Nos próximos dias, se o CMN optar por uma discussão técnica sobre a meta de inflação e Lula privilegiar o apelo institucional e social que sua agenda prevê, o embate com o BC poderá arrefecer.

E a consequência, mais que bem-vinda, será uma precificação de ativos menos especulativa, dissociada de retórica política. Portanto, menos exposta a um “Fla-Flu” que já tem contornos ideológicos que desgastam a imagem do governo e a credibilidade do BC.

Nos próximos dias, se o CMN optar por uma discussão técnica sobre a meta de inflação e Lula privilegiar o apelo institucional e social que sua agenda prevê, o embate com o BC poderá arrefecer

A visita de Lula aos EUA – o presidente embarcou na quinta-feira, 9 de fevereiro, para encontro com Joe Biden – é ponto alto de sua agenda que contempla em seguida, na terça, 14 de fevereiro, o relançamento do programa Minha Casa Minha Vida, na Bahia.

Ainda para a terça-feira, está previsto um evento que poderá forçar o presidente a ampliar o foco de suas declarações: a manifestação convocada pelo Fórum Nacional de Enfermagem.

A entidade defende o novo piso salarial para a categoria, aprovado no ano passado e suspenso, ainda em setembro, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por falta de fontes de custeio.

Essa manifestação antecede outra convocação do mesmo Fórum de Enfermagem para greve nacional marcada para 10 de março, caso nenhum avanço ocorra nas negociações pelo cumprimento do reajuste salarial que abrange o Sistema Único de Saúde (SUS).

Fator adicional a colaborar para a mudança do discurso de Lula – intensamente focado no BC – é o posicionamento de Haddad que reconheceu, na terça-feira, 7 de fevereiro, um tom “mais amigável” da instituição na ata do Copom, divulgada no mesmo dia.

Haddad, que dias antes criticou o comunicado do Copom, que indicou manutenção mais prolongada da Selic a 13,75% por incertezas fiscais e expectativas em deterioração, não ignorou o esforço do Comitê na elaboração da ata. A ata indicou como positivo o pacote fiscal já anunciado pela Fazenda.

Essa sucessão de eventos conspira a favor de maior serenidade na relação Lula/BC, mas eles são passageiros. E a segunda quinzena de fevereiro é propícia a novos embates porque vai culminar com a escolha de novos diretores para a instituição.

Em 28 de fevereiro, expiram os mandatos de Bruno Serra, diretor de Política Monetária, e Paulo Souza, diretor de Fiscalização.

Essa sucessão de eventos conspira a favor de maior serenidade na relação Lula/BC, mas eles são passageiros.

Lula vai exercer a prerrogativa legal de escolher os próximos diretores. Campos Neto não deverá ser consultado. Independente dos “eleitos” por Lula, não causará estranheza se eles desagradarem gregos e troianos porque vão caminhar em gelo fino.

Futuras decisões dos “novatos”, alinhadas a Campos Neto poderão sugerir ruptura com o chefe da Nação. Decisões alinhadas ao Planalto poderão engrossar o coro contra a autonomia do BC.

E difícil, neste momento, prever tempo bom ainda que o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, “bombeiro de plantão”, jure de pé junto que tudo vai ficar como está. Até quando?