A Montblanc é a única integrante do conglomerado de luxo Richemont, que tem marcas icônicas de relógios como Cartier, IWC e Panerai, a contar com um smartwatch em seu portfólio. Seus produtos são, portanto, mapeados de perto pela concorrência como a Hermès, que possui uma versão exclusiva do Apple Watch, TAG Heuer, Louis Vuitton e a marca independente Breitling.

Na semana passada, a grife alemã decidiu apresentar o Summit 3, seu mais recente smartchwatch, em São Paulo. “O Brasil é importante para a lançamento de novas tecnologias, uma vez que smartwatches têm muita representatividade por aqui”, afirma ao NeoFeed Felix Obschonka, diretor de novas tecnologias da marca, que veio ao País para a premiére do produto.

O novo relógio destaca-se por apresentar proporções e formato semelhantes aos relógios tradicionais de sua linha. Inclusive, a caixa é a mesma de uma das coleções mais simbólicas da companhia, o modelo 1858. O aço dá lugar ao titânio em três variações: cinza, preto e bicolor. O modelo ainda é o primeiro do mercado a contar com o sistema operacional WearOS 3, do Google. E traz novas funcionalidades como oxímetro, monitor cardíaco. Custa R$ 10,1 mil.

É curioso lembrar que acreditava-se que o relógio de pulso morreria com o tempo – ao menos no uso diário. Mas, em 2015, toda e qualquer teoria ao redor de sua morte foi rebatida quando Tim Cook anunciou “o dispositivo mais pessoal já criado pela Apple”, com a apresentação do Apple Watch.

Já no ano seguinte, o mercado de smartwatches alcançava 37 milhões de unidades vendidas, de acordo com a CCS Insight, e a representatividade da Apple batia os 57%, de acordo com a Strategy Analytics.

No fim de 2015, TAG Heuer, do grupo LVMH, apresentou a primeira versão de seu relógio inteligente, o Carrera Connected. A Montblanc, por sua vez, lançou a primeira geração do smartwatch Summit no início de 2017. “Percebemos que os smartwatches começavam a migrar dos early adopters para ser uma categoria que veio para ficar”, afirma Obschonka ao NeoFeed.

Felix Obschonka: "O relógio é algo que está no seu corpo. A parte interessante é que as pessoas adotaram isso."

O setor de smartwatches cresceu 24% entre 2020 e 2021 e, no último ano, de acordo com a Fortune Business Insights, já representava um mercado de US$ 22,02 bilhões, cerca de R$ 116 bilhões, com um total 115 milhões de unidades vendidas. Estima-se ainda que, em 2025, este mercado bata 258 milhões de relógios com um crescimento médio de 14,9% ao ano até lá.

De acordo com dados da Federação da Indústria Relojoeira Suíça, o incremento de exportações de relógios em geral em 2021 foi de 2,7% em relação a 2019 e 31,2% em relação a 2020, com um total de 22,3 bilhões de francos suíços, ou R$ 122 bilhões.

O cenário atual também reforça este crescimento: entre janeiro e junho deste ano, o total de exportações já conta com um crescimento de 11,9% em relação ao ano anterior. Tais números mostram que o medo da indústria de luxo em perder mercado para os relógios inteligentes ficou para trás. Ambos convivem e ampliam o púbico.

Felix Obschonka passou a integrar o time da Montblanc no setor de novas tecnologias ainda em 2014, com o objetivo de agregar uma audiência mais jovial à marca. Hoje, um de seus desafios é trazer funcionalidades ao smartwatch de modo a torná-lo sempre relevante para o público. A seguir a entrevista que concedeu ao NeoFeed:

Qual era o projeto da marca na época e o que aconteceu desde que você entrou na companhia?
A intenção era encontrar uma solução para o problema de como podemos alcançar uma nova audiência e nos mantermos na área tradicional. Esse foi o começo. Lá, o foco foi nos instrumentos de escrita. Tivemos um instrumento em parceria com a Samsung, com um evento em Berlim em 2014. Em 2016, tivemos o lançamento do Augmented Paper, um dispositivo que transfere o texto escrito a mão para o celular ou computador. A ideia era dar continuidade dos produtos no espaço digital e aumentar sua eficiência.

Por que a primeira geração do smartwatch da companhia foi em 2017?
Nesse ano, percebemos que os smartwatches começavam a migrar dos early adopters para ser uma categoria que veio para ficar. Para mim, foi um prazer, porque eu amo relógios e foi a possibilidade de misturar a alta relojoaria com novas tecnologias. Então, foi algo muito divertido. Hoje, o Summit conta com cinco versões.

Summit 3: caixa de titânio e pulseira de couro

O que era esperado no mercado do smartwatch?
O que encontramos foi um imenso sucesso comercial e uma nova gama de clientes. Em especial para o Brasil, vemos que temos muitos clientes que são interessados em gadgets e luxo. Encontramos, na verdade, um grupo de pessoas que se tornou amigo da marca por causa desta categoria.

Dentro do mundo dos smartwatches, o que podemos considerar uma inovação? Há espaço para crescer nesta área?
Eu tenho falado que a Montblanc é um macroespaço como uma marca relojoeira e como uma marca de luxo. Bem no começo, a função do relógio conectado era te dar notificações vindas de seu telefone. E cerca de três anos depois, as notificações voltadas para a saúde ficaram mais importantes. E agora adicionamos ainda mais características que te ajudam a acompanhar o que está acontecendo em seu corpo, com o sono, o stress. O relógio é algo que está no seu corpo. A parte interessante é que as pessoas adotaram isso. Há espaço para inovação e é onde temos investido.

Quais são as inovações da terceira geração em relação à primeira geração do Summit?
Hoje, desenhamos relógios e adicionamos tecnologia dentro deles. E no começo era o oposto. Antes, nossos mostradores não davam tanta experiência como eles dão hoje. Temos GPS, pagamento. Incluímos o fitness tracking, com oxímetro, monitor de batimentos cardíacos e avaliação de atividades físicas. Além disso, o próprio design evoluiu muito.

Como uma marca de luxo lida com a obsolescência dos dispositivos eletrônicos?
Como esta é uma nova categoria, todos esperam que um relógio dure demais. Mas num luxo mais flexível, há esta consciência, de que você tem algo para você e não tanto para passar para seus filhos. No entanto, sim, a durabilidade de um produto é importante. Luxo é a qualidade, a expertise. Pessoas com a primeira geração do Summit seguem recebendo as atualizações. O produto que você comprou é ainda o mesmo produto que você tem hoje. Claro que existem componentes que se deterioram.

Como contornar isso?
Oferecemos aos nossos clientes a substituição da bateria, que permitirá mais três a cinco anos de duração. O mesmo com uma pulseira de couro, que com o tempo pode se desgastar, basta comprar uma nova. Então, é possível ter um produto que dure um tempo considerável. Mas o consumidor gosta de ver as novidades: novos sensores, novo design, novas funcionalidades. Então, ele que ter mais funções em seu relógio. Neste caso, oferecemos um programa de troca. Damos um crédito que pode ser usado na aquisição de um novo smartwatch.

Onde o relógio Monblanc é produzido?
Não consigo te especificar a origem de todos os componentes do produto, mas a montagem final do relógio acontece na China. É o único país do mundo, para qualquer marca, onde é possível encontrar instalações que trabalhem com alta tecnologia. Outras marcas tentaram fabricar em outro lugar, mas encontraram grandes limitações por conta da falta de expertise do mercado de outro país.

Mas não há um preconceito nessa área com produtos fabricados na China?
A noção ao redor disso não está totalmente errada. Vou te dar um exemplo: você acessa o Alibaba e compra um smartwatch super barato, recebe em casa. É produzindo na China e não é bom. Então, o consumidor vê “Made in China” e pensa “ok, não é bom”. Mas não é sobre o país que é produzido e sim sobre o quanto de cuidado você tem ao se assegurar que o seu produto eletrônico vai atender aos mais altos requisitos de qualidade.

Como?
Se eu quero produzir um relógio para uma marca como Montblanc, eu tenho requisitos semelhantes aos que tenho para produzir um relógio “Swiss Made”. Como marca, temos que ter certeza de que teremos a melhor qualidade. Se você ver smartphones, são perfeitos e fabricados na China. As pessoas têm visto a qualidade. Mas é dever de uma marca ter certeza de que seu produto vai ter a melhor qualidade.

O modelo Summit é um dos mais acessíveis do mercado. É uma estratégia?
Em termos de preço, sim, oferecemos um ótimo valor de mercado, pois isso faz parte de nossa filosofia de “compartilhar a paixão pela relojoaria fina”. Nosso relógio, por exemplo, não se tornará um relógio mecânico no futuro. Se o público está em busca de algo realmente fino e útil, este é o nosso espaço. Estou certo de aproximar novas gerações para a nossa marca.

Este smartwatch compete com os demais relógios da marca?
De maneira alguma. Quando eu olho para o meu consumidor, ele normalmente já tem um relógio mecânico, seja Montblanc ou de outra marca. Mas, naquele momento, ele deseja comprar um relógio inteligente. Então, eles não compram o relógio inteligente em substituição ao relógio mecânico. Há sempre a questão da função: se a busca é por notificação e acompanhamento de alguns dados, o caminho a ser seguido é o do relógio inteligente.

Recentemente, a Meta atrasou a entrega de seu smartwatch. Isso pode significar que inovações em “wearables” são mais complexas?
Sim, existe uma limitação de espaço, de capacidade de bateria e outras circunstâncias. No entanto, eu não acho que o atraso de um único player do mercado é um mau sinal, mas acredito que houve um foco em outro segmento. Há muita inovação acontecendo, mas elas não são tão importantes quanto no passado. No começo, quando a Apple apresentou o Apple Watch, as pessoas se perguntavam “por que eu preciso disso?”, agora as pessoas entendem a necessidade, e quais características agregam algo a elas.