AMSTERDAM — No início de março, mesmo em uma noite fria e chuvosa de inverno, milhares de turistas se apinhavam, como de praxe, nas ruelas de De Wallen, uma das regiões mais antigas e visitadas de Amsterdam. Para os estrangeiros, o bairro localizado no coração da capital holandesa é mais conhecido como Red Light District.
O apelido vem dos neons que iluminam as casas de prostituição regulamentadas, sex shops, clubes, bares, restaurantes e, claro, os mundialmente famosos coffee shops holandeses — onde é possível fumar maconha e comer alimentos à base de cannabis.
O microcosmo do Red Light District resume bem a atmosfera de Amsterdam, mas também serve de paradigma para as políticas públicas mais recentes de contenção dos “turistas da maconha”.
Quase 80% dos cerca de 20 milhões de visitantes anuais escolhem a cidade pelo fácil acesso à erva. Deles, seis em cada dez (exatos 57%) consideram os coffee shops fator decisivo na escolha da capital holandesa como destino de férias. Outros 22%, porém, só vão para lá por causa das cafeterias, informa o último levantamento da plataforma municipal Open Research Amsterdam.
Visitar alguns dos museus mais importantes do mundo? Explorar os canais da chamada “Veneza do norte” ou simplesmente se perder pela cidade contemplando sua arquitetura única? Nada disso lhes interessa.
O cerco ao turismo da maconha já está em curso há alguns anos, mas apertou em 2023. Agora, está vetado o uso da erva nas ruas do Red Light District. Além das placas de “proibido fumar cannabis em público”, guardas fiscalizam a região em busca de infratores. Quem desrespeitar a ordem é advertido. Em caso de reincidência, multa de € 100 (cerca de R$ 550).
Os navios de cruzeiros já não podem mais atracar no porto da cidade. Também não são aceitos a posse de mais de cinco gramas da planta e o cultivo para consumo próprio.
"Levante-se e brilhe. É hora da marijuana"
O recrudescimento das leis de Amsterdam deve alterar o mapa global do turismo canábico, avaliado em US$ 17 bilhões, pela revista americana Forbes, e dominado há quase meio século pela Holanda.
Conforme o uso se torna mais amplamente aceito em outros países, novos players chegam ao mercado - Uruguai, Jamaica, México, África do Sul, Espanha, Portugal, algumas cidades dos Estados Unidos... e mais recentemente a Alemanha.
Sediada em Boulder, no estado americano do Colorado, a plataforma Bud and Breakfast é uma espécie de “Airbnb da maconha”. Ideia do veterano do setor turístico Sean Roby, a empresa lista 420 acomodações cannabis-friendly, ao redor do planeta.
“Recebemos dezenas de reservas por dia agora”, diz o empresário à plataforma Business Insider, em reportagem do final do ano passado. “Temos lugares que estão reservados com seis meses de antecedência.”
O Camp Laughing Grass, no Maine, por exemplo, oferece dias de tranquilidade no campo, passeios e brincadeiras no rio, todos os apetrechos para o consumo da maconha e um pavilhão para a socialização dos hóspedes em torno de um “baseado”. Sobre as camas das cabanas, em um quadrinho, lê-se: “Levante-se e brilhe. É hora da marijuana”.
A Alemanha liberou o uso recreativo da erva em 1º de abril passado. Qualquer pessoa com mais de 18 anos pode transportar até 25 gramas em vias públicas, cultivar até 50 gramas e cultivar em casa, no máximo, três pés da planta, por adulto.
Durante a campanha pela descriminalização, os políticos pró-maconha insistiram veementemente na promessa de que as cidades alemãs não sofreriam os mesmos problemas impostos a Amsterdam pelo turismo canábico em massa.
O governo do chanceler Olaf Scholz também autorizou, a partir de 1º de julho, a formação de associações de produtores e “clubes sociais”, desde que tenham, no máximo, 500 integrantes. Essas entidades não podem ter fins lucrativos e seus sócios devem morar na Alemanha ¬— o que deve dificultar o acesso dos turistas à erva.
Na Holanda, não é legal
Ao contrário do que a maioria imagina, a maconha não é legal na Holanda. A posse de mais de cinco gramas, bem como o plantio para uso próprio são considerados crime. A venda e o consumo são apenas tolerados, nos coffee shops, principalmente. O abastecimento dos cafés é feito na clandestinidade.
“O maior desafio é, na verdade, a falta de legalização”, diz Simone Van Breda, presidente do Sindicato dos Varejistas de Coffee shops de Amsterdam, em conversa com o NeoFeed. “Como resultado, os cafés estão enfrentando regulamentações cada vez mais rigorosas, embora tenham fornecido acesso seguro à cannabis por décadas.”
Hoje, os cafés não podem mais fazer nenhum tipo de publicidade; devem evitar que clientes fiquem parados na porta, têm de estar a 250 metros, no mínimo, de escolas e podem manter um estoque de, no máximo, meio quilo de erva.
Muitos holandeses são absolutamente contra as novas leis. A repressão pode afastar os visitantes de Amsterdam e prejudicar os negócios locais, em especial os coffee shops, um dos símbolos do país.
Isso já está acontecendo. Se, em 1993, Amsterdam contava com cerca de 400 cafeterias, em 2011, esse número foi reduzido a 222. Hoje, restam apenas 164, com uma clientela mensal ao redor de 2,75 milhões de pessoas.
Mas, ao endurecer as leis, as autoridades municipais alegam estar pensando no bem-estar dos 900 mil habitantes da cidade, em especial os moradores do Red Light District.
A turba de turistas é composta em sua maioria por homens jovens, sobretudo britânicos. Segundo os defensores de legislações mais severas, os viajantes fazem barulho demais, produzem montanhas de lixo e transformam as ruas em banheiro.