É um desafio criar uma empresa no Brasil. Burocracias, impostos, processos que se arrastam, encargos, alto custo de capital... O sistema joga contra o empreendedor. Já para fintechs parece que as dificuldades não existem. Ondas de recursos de venture capital aparecem e algumas se transformam rapidamente em unicórnios.
Uma pesquisa recente da KPMG e da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (Abvcap) mostra que essa corrida pela digitalização e a grande liquidez global levaram os fundos de venture capital (VC), que investem em startups, a bater um novo recorde anual de aportes no Brasil. Esses fundos aportaram R$ 46,5 bilhões no ano passado em startups brasileiras, triplicando a cifra registrada um ano antes.
Mas esse céu de brigadeiro é mesmo real para todas as fintechs? A resposta simples é não. Não somente porque são poucos os unicórnios, mas, mais importante para esse artigo, porque muitas fintechs não são vistas como empresas de tecnologia e por isso não são candidatas a serem investidas por empresas de venture capital.
Então, vamos à pergunta mais importante: o que qualifica uma empresa que combina finanças com tecnologia como “tech”?
Não irei me ater à definição mais óbvia, que é: empresas de tecnologia são empresas cujo produto final é a tecnologia (pensem Microsoft ou Google). Portanto, vou tentar responder a essa pergunta de outra forma, elencando as características mais comuns à fintechs investidas por VC´s. E acredito serem três:
- Fluxo de caixa que preveja um gasto de capital alto ao início e custo marginal de novos clientes decrescente no tempo;
- Presença forte de pessoas com background de tecnologia no time inicial, sejam fundadores ou equipes de desenvolvedores próprias;
- E finalmente, crescimento acelerado.
Em relação às duas primeiras características, uma fintech pode tê-las ou não e pode até mesmo depender de capital para obtê-las um pouco mais à frente, mas são fáceis de entender. Já quando o assunto é crescimento acelerado... dá pano pra manga.
Gestoras de venture capital buscam retorno de dez a vinte vezes o capital investido e têm horizonte de investimento de cinco a oito anos. Mas a questão é: para atingir esses múltiplos no prazo pretendido, quais os riscos do plano das empresas investidas?
Esse tipo de plano, de crescimento acelerado, é conhecido no mercado por “strike ou canaleta”, remetendo ao mundo do boliche. O strike, a vitória rápida e triunfante, está previsto. Mas a canaleta, o zero, o fim do negócio, também.
Quem não quer arriscar uma sequência de bolas na canaleta para ter um strike fica de fora do jogo. Não calça nem os sapatos próprios para aquela pista encerada. No Brasil, ainda são escassos os formatos de financiamento para uma fintech que deseja crescer no longo prazo e diminuir o risco de canaleta. No momento, muitas companhias que mesclam tecnologia e finanças no Brasil enfrentam esse dilema: onde conseguir dinheiro para ter um negócio que foca no longo prazo?
Para além do mundo de venture capital, uma opção que se abre é o recurso privado, de Family offices, por exemplo. Para uma companhia com perfil de crescimento sustentável, o dinheiro privado, com um dono definido, faz mais sentido no processo. As chances de que um family office sente-se em frente a uma pista de boliche e arrisque ver seu dinheiro rolando para a canaleta são muito menores.
Estamos num momento crucial de mercado. Nem toda fintech é uma maneira de fazer caixa rapidamente e partir para uma próxima aventura. Muitas querem ficar, deixar um legado, e com certeza vão mudar a maneira como o mundo consome tecnologia e investimento.
*Pedro Guimarães, CEO e sócio-fundador da Fiduc, empresa com R$ 500 milhões de ativos sob gestão.