Aos oito anos, o alemão Pascal Finette propôs aos pais trocas semanais pelo equivalente a um centavo de dólar. Mas, a cada semana, o valor deveria dobrar. Senhor e senhora Finette toparam na hora. Imaginavam estar fazendo um ótimo negócio.

Ao fim do primeiro mês, o garoto recebeu 16 centavos. Depois de três meses, US$ 40. Em seis meses, o casal teria de pagar ao filho US$ 671 mil. Ao completar um ano do primeiro penny, o valor chegaria a inacreditáveis US$ 45 trilhões.

Aos oito anos, Finette lera sobre funções exponenciais em um livro do físico americano Albert Allen Bartlett (1923-2013). Empreendedor de impacto, investidor e consultor, hoje, aos 50 anos, ele recorre às lembranças da infância para ilustrar o futuro.

“Enfant terrible”, como alguns o definem, o empreendedor é um dos nomes mais importantes nos estudos sobre a interseção entre tecnologia, impacto global e cultura. Finette é cofundador da Radical Ventures e presidente de Empreendedorismo e Open Innovation, da Singularity University.  Ao longo da carreira, passou por gigantes da tecnologia, como Google, Mozilla e eBay.

Em sua opinião, as tecnologias disruptivas, em especial, a inteligência artificial (IA), estão nos levando à chamada segunda metade do crescimento exponencial, quando o mundo de amanhã será dramaticamente diferente do que é hoje.

“Com a IA, temos uma oportunidade incrível à nossa frente”, diz Finette, em entrevista ao NeoFeed. “A generativa, em especial, pode incrementar a inteligência humana.”

A ferramenta pode ser poderosa para diminuir as desigualdades sociais e econômicas. O que ainda não está acontecendo, frisa o consultor. “Precisamos fazer algo para evitar que toda a terra prometida da IA seja em vão. Se quisermos, se decidirmos seguir por esse caminho, podemos usar a IA para fazer coisas absolutamente incríveis”, defende. “Mas isso exige que nós façamos as escolhas certas.”

Na próxima quarta-feira, 20 de setembro, Finette participa, por vídeo, do III Fórum Brasileiro do Capitalismo Consciente, em São Paulo, a ser realizado na Câmara Americana de Comércio (Amcham), em São Paulo.

Com dois livros lançados, ainda não editados no Brasil, “Disrupt Disruption: How to Decode the Future, Disrupt Your Industry, and Transform Your Business” (2023) e “The Heretic: Daily Therapeutics for Entrepreneus” (2016), o empreendedor é formado em administração, economia e psicologia pela Universität zu Köln, em Colônia, sua cidade natal.

Confira a seguir, os principais trechos de sua entrevista com o NeoFeed.

Citando Bartlett, você costuma dizer que uma de nossas maiores limitações é a incapacidade de compreender a aceleração exponencial; que tendemos à linearidade. Em sua opinião, a IA nos ajuda a enxergar o mundo sob a ótica exponencial? 
Com a IA, temos uma oportunidade incrível à nossa frente. A generativa, em especial, pode turbinar a inteligência humana. Pense na geração de ideias, na criação de conteúdos; sejam palavras, imagens, vídeos. Pense também no fato de que a maioria das inovações é a recombinação de coisas existentes. A IA generativa faz exatamente isso. Estamos no início de uma era de ouro para a humanidade.

Como assim, incrementar a inteligência humana?
A IA não é apenas muito boa em legendar fotos, criar novas imagens, gravar seu texto com uma voz diferente ou escrever um haicai a partir de nossa conversa. Ela também turbina nossa capacidade de explorar o mundo. Você pode realmente ter um diálogo socrático com a IA. Você pode fazer perguntas sobre algo que deseja aprender e ela responderá. E, então, você poderá ir cada vez mais fundo. Veremos uma quantidade incrível de inovação vindo da IA. Vai ser superemocionante.

Você acha que, em geral, as pessoas têm a real dimensão das potencialidades da IA?
Ainda não. Hoje temos uma melhor compreensão sobre as tendências exponenciais porque já estamos expostos a elas há algum tempo. Estamos muito conectados; uma mente coletiva, em um mundo no qual a informação viaja e as coisas acontecem incrivelmente rápido. Mas, em geral, a pessoa média ainda não compreendeu o impacto, a vantagem que podemos obter das tecnologias de aceleração exponencial.

Por quê?
Os modelos melhoram em ritmo verdadeiramente exponencial. Neste momento, somos 8 bilhões de pessoas no planeta e o grupo dos que foram expostos à IA ainda é relativamente pequeno. E, há uma boa razão para isso: ainda é muito caro. Se você quiser usar a versão profissional do ChatGPT, vai ter de pagar US$ 20, por mês – o que é um obstáculo para muitos. Além disso, ainda é complicado usar a IA. O ChatGPT oferece uma interface de texto estranha, difícil de entender. Há muito espaço para melhorias, para garantir que a tecnologia se torne tão onipresente quanto um smartphone.

Como a IA impactará o futuro do trabalho?
Se você não é um encanador ou um carpinteiro, mas um trabalhador do conhecimento, verá que a IA terá um impacto enorme no seu trabalho. Para muitos de nós, a IA tornará nosso trabalho mais produtivo, mais rápido e melhor, como um copiloto de confiança. Mas isso tem implicações negativas. Não se engane. Eu me preocupo um pouco com a substituição de empregos. Infelizmente, nós, como indivíduos e como sociedade, ainda não estamos pensando nisso e garantindo que essas pessoas tenham oportunidades no futuro.

Como usar a IA para diminuir as desigualdades sociais e econômicas?
Essa pergunta é tão boa quanto espinhosa. Tudo o que a IA faz atualmente é aumentar as desigualdades. É um problema enorme que nós, como indivíduos, sociedade, governos e empresas, precisamos resolver. Se pensarmos no ensino, por exemplo. Em teoria, a IA deveria ser capaz de oferecer melhores oportunidades, garantindo que nenhuma criança seja deixada para trás. O que vemos hoje em dia, porém, é uma minoria se beneficiando da IA – aquelas pessoas que sabem e podem pagar para usá-la.

"Tudo o que a IA faz atualmente é aumentar as desigualdades. É um problema enorme que nós, como indivíduos, sociedade, governos e empresas, precisamos resolver"

E no futuro?
Pode haver um grupo grande de pessoas que sofrerá com a IA. E isso é algo que definitivamente devemos abordar. A inteligência artificial pode ser vitoriosa, mas precisamos estar conscientes e fazer algo para evitar que toda a terra prometida da IA seja em vão. A IA pode fazer coisas absolutamente incríveis, mas isso exige que nós, humanos, façamos as escolhas certas.

Como usar a inteligência artificial para promover o capitalismo consciente?
Essa questão é importante. Ao usar a tecnologia, as empresas precisam aplicar os princípios do capitalismo consciente. Caso contrário, pode dar muito errado.

E as empresas estão prontas?
Eu não tenho certeza.  Algumas estão sim, mas muitas, ainda não. Precisamos ter essa conversa.

O que leva um menino de 8 anos ler Albert Allen Bartlett?
Boa pergunta. Curiosidade. A curiosidade é uma força incrível. É o que nos impulsiona como seres humanos.