Uma pandemia. A ruptura na cadeia de suprimentos. A guerra na Ucrânia. O risco de desabastecimento energético. A sequência de fatos coloca o mundo à beira de uma recessão global. A crise assusta o empresariado, que se sente tentado a retomar um modelo "antiquado" de fazer negócios.

“É exatamente o que chamam de tempestade perfeita, uma combinação inesperada que nos leva a uma delicada situação econômica.” O diagnóstico é do escritor, consultor e professor universitário Raj Sisodia, fundador do Capitalismo Consciente.

O movimento, que nasceu em 2008, defende que as empresas levem em conta não apenas a maximização de resultados, mas o bem-estar de todos os envolvidos no negócio, inclusive o planeta. O capitalismo consciente se baseia em quatro princípios: liderança consciente, consideração por todos stakeholders, cultura consciente e propósito.

Sisodia afirmou que é num momento de crise como o atual que os líderes empresariais vão se diferenciar. Ele citou nomes como Elon Musk, da Tesla, e Marck Zuckerberg, da Meta, como maus exemplos. “Agem como robôs.”

Mas disse que são os bons exemplos que vão moldar o capitalismo e atingir os melhores resultados no longo prazo. “Os que estão realmente centrados em pessoas.” Durante uma conversa de uma hora com o NeoFeed, ele explicou por que acredita que pagar maiores salários, evitar demissões e olhar para além do valor das ações na bolsa garante um futuro promissor para as empresas. Sem medir palavras, arriscou: “A Tesla é uma bolha. Vai se tornar uma nota de rodapé na história.”

Sisodia é autor de 10 livros, como os best-sellers “Capitalismo consciente: como libertar o espírito heroico dos negócios” e o mais recente “Empresas que curam: despertando a consciência dos negócios para ajudar a salvar o mundo”. Ele também publicou mais de uma centena de artigos acadêmicos.

Sisodia veio ao Brasil para participar de um evento sobre os impactos da tecnologia no futuro da sociedade, dos negócios e nas relações de trabalho, promovido pela Flash, empresa de benefício corporativos, em São Paulo. A seguir trechos da entrevista concedida ao NeoFeed:

É possível adotar os princípios do capitalismo consciente no momento em que as perspectivas são de uma recessão global?
Há sempre uma tentação, em momentos de crise, de se voltar para um modo de sobrevivência, uma mentalidade de escassez e medo. Muitas empresas que se dizem conscientes, na verdade, não são. Quando enfrentam momentos difíceis, logo adotam um manual velho, ultrapassado. Mas os líderes realmente conscientes entendem que são nesses momentos que se deve olhar para pessoas. É o momento de oferecer esperança e segurança.

"Muitas empresas que se dizem conscientes, na verdade, não são. Quando enfrentam momentos difíceis, logo adotam um manual velho, ultrapassado"

Como fazer isso sob a pressão de números declinantes?
Eu entendo que há momentos em que é necessário tomar medidas para sobreviver. Mas é necessário que se faça da maneira correta. Demissões devem ser o último recurso. Se o primeiro impulso é demitir pessoas, eu acho que há algo errado. Pessoas são fontes. Trazem conhecimento e perspectiva. Eu vou dar um exemplo, que está no meu livro “Todos são importantes”.

Exemplo de como evitar demissões?
Isso. Sobre a Barry-Wehmilller. Eles fazem maquinário industrial. Na crise de 2008, as vendas colapsaram de forma dramática. Enquanto o setor demitia de 30% a 40% da força de trabalho, o CEO, Bob Chapman, decidiu que a empresa poderia sobreviver sem demissões. Optou por licenças não-remuneradas de um mês. Também interrompeu a contribuição para aposentadoria durante aquele ano. Ele dividiu a dor. Ninguém foi 100% poupado. Ninguém foi demitido.

O que aconteceu depois da crise?
Foi criado um grande senso de união. Fortaleceu a cultura. Depois de um ano, quando a recessão acabou e as vendas retomaram, eles cresceram 40%. Porque eles tinham uma força de trabalho extremamente engajada. Enquanto isso, os concorrentes estavam tendo que contratar novamente.

E o que dizer, por exemplo, a investidores que veem o valor das suas ações caírem drasticamente nesses momentos de crise?
É mesmo um grande desafio para empresas abertas. Mas um líder precisa ter a clareza de quais são os seus propósitos, quais são os seus valores, qual o seu modelo de negócios. Uma empresa com um modelo consciente tem uma lógica forte. Há uma racionalidade que permite ao investidor saber que ele será mais bem-sucedido no longo prazo. Eu sempre digo. Num período de 10 anos, uma empresa vai passar por um momento em que suas ações vão cair 30%, 40%. Acontece. Mas os líderes conscientes não mudam de filosofia quando isso acontece. Eles são capazes de se comunicar com o mercado. Inclusive pra dizer de alguma maneira ao investidor que se ele não acredita naquela história, ele deveria mesmo vender aquelas ações.

"Uma empresa com um modelo consciente tem uma lógica forte. Há uma racionalidade que permite ao investidor saber que ele será mais bem-sucedido no longo prazo"

Um líder consciente deve escolher investidores?
Tem que ser seletivo. O investidor institucional tem que acreditar no que está sendo feito. Em 2008, eu estava com o John Mackey, da Whole Foods. Foi quando iniciamos o movimento do capitalismo consciente. Coincidiu com a grande crise financeira. As ações da Whole Foods estavam despencando. Tinham saído de US$ 70 dólares no pico para US$ 6 naquele momento. Eu perguntei ao John Mackey como ele podia estar tão calmo. Qualquer outro CEO estaria em pânico. Ele respondeu: ‘não entendo por que o mercado está reagindo de forma tão desproporcional. Há uma recessão e, obviamente, as vendas caíram. Mas esse momento vai passar’. Ele dizia que não estava preocupado porque já tinham se comunicado com os investidores institucionais.

Deu certo?
As ações chegaram a US$ 120 depois da crise. Ou seja, quando as vendas caíram 5%, as ações caíram 80%, 90%. Depois, subiram 2.000%, de US$ 6 para US$ 120. O mercado tem os seus momentos inexplicáveis. Um líder não pode ceder a esse tipo de pressão.

Atualmente empresários de grande exposição têm adotado uma cartilha bastante diferente do que prega o capitalismo consciente. Há os exemplos como Elon Musk e Mark Zuckerberg.
Pessoas como Musk e Zuckerberg não têm uma perspectiva baseada na empatia. São líderes que agem como robôs. Então, eu não me surpreendo com as declarações deles.

Elon Musk, por exemplo, é reconhecido pelo papel que teve na crescente popularização do carro elétrico. Não são esses empresários que estão moldando o capitalismo?
Claro que Elon Musk é de alguma forma um visionário. Ele se baseou num propósito muito inspirador que é o de inventar o futuro do transporte. E fez da Tesla uma empresa de sucesso. Definitivamente, mudou o mercado. Se olharmos para os planos de outras grandes companhias, todas vislumbram produzir apenas carros elétricos em 5, 10 ou 15 anos. Isso era inimaginável antes do sucesso da Tesla. Por outro lado, Musk não criou uma cultura consciente. E isso vai importar muito.

"Elon Musk é um visonário, mudou o mercado. Por outro lado não criou uma cultura consciente. E isso vai importar muito"

Quais são os problemas de um líder como Musk?
Ele não tem uma preocupação com pessoas. E cultura é o que direciona o sucesso. Há muito “hype” na figura dele. Vi recentemente um documentário produzido pelo New York Times que tratava das mentiras de Elon Musk. Como ele prometeu e não entregou diversas coisas a investidores e clientes. É o caso de carros autodirigíveis, por exemplo. Ele vem prometendo há anos. Além disso, não é transparente sobre os riscos e os acidentes nos testes com esse tipo de automóvel.

É possível saber quais serão impactos dessa falta de cultura consciente?
Sim. Eu diria que sem essa liderança e cultura consciente, o valuation (valor) da Tesla vai colapsar. Eu acho que a empresa é um fenômeno temporário. É uma bolha. Não há nenhuma razão para ter chegado a valer algo próximo de US$ 1 trilhão. Se olharmos para os concorrentes, veremos quantos carros elétricos de qualidade já existem no mercado. Então, no fim, a Tesla vai se tornar uma nota de rodapé na história. Terão o crédito pelo impulso inicial na indústria de carros elétricos, mas não serão um player dominante de forma nenhuma.

O seu livro mais recente se chama “Empresas que Curam – Despertando a Consciência dos Negócios para Ajudar a Salvar o Mundo”. As empresas estão conseguindo ter esse papel na sociedade?
Acho que estamos progredindo. Nosso movimento começou em 2008. São 14 anos e já vi muita mudança nesse sentido. Eu me sinto animado. Existem as fases do conhecer, do ser e do fazer. Certamente já há avançamos na esfera do conhecimento. Muita gente fala sobre propósito. O termo capitalismo de stakeholders já é amplamente utilizado. Assim como liderança consciente também é uma definição comum hoje em dia. A importância da cultura é cada vez mais reconhecida. Definitivamente houve uma mudança de mentalidade. É o ‘conhecer’. Já o ‘ser’ e o ‘fazer’ levam mais tempo mesmo.

A pandemia de Covid-19 tem um papel na atual crise econômica, mas também acelerou diversas mudanças de mentalidade. Para o movimento do capitalismo consciente, houve mais avanços ou retrocessos?
Nós aprendemos como somos capazes de agir rápido, de mudar de direção, de inovar rapidamente. Aprendemos a cooperar. Eu acho que são lições não só sobre como lidar com futuras pandemias, mas também sobre a forma como trabalhamos e gerenciamos nossas vidas.

"Aprendemos como somos capazes de inovar rapidamente, a cooperar. São lições não só sobre como lidar com futuras pandemias, mas também sobre a forma como trabalhamos e gerenciamos nossas vidas"

E como indivíduos? Houve mudanças que impactam o movimento?
Muitas pessoas começaram a pensar como o trabalho impacta a vida delas. Muita gente decidiu sair do emprego. Estão falando sobre propósitos individuais, significado na vida. No passado, as pessoas não tinham tempo para isso. Nós temos a missão de tornar o trabalho mais atraente agora. As pessoas querem se sentir mais completas, usar a criatividade. Esse será um legado duradouro. Será redesenhar o trabalho para o que realmente importa para as pessoas.