Pregam os gurus da autoajuda que viver é a arte de correr riscos. Esqueça, porque não é disso que se trata. Aqui, a ameaça é inerente; a tragédia, iminente; e a morte, uma possibilidade. Aqui, paga-se (muito dinheiro) para se colocar, deliberadamente, em perigo. Se algo der errado, como já deu, o resgate pode ser difícil – ou até impossível. Bem-vindo ao universo dos turistas extremos.
Como, em geral, ir ao topo da montanha mais alta, mergulhar em oceanos profundos, passear entre animais ferozes, nadar em águas polares e viajar para o espaço sai caro, o privilégio de se arriscar é dos milionários.
Nem a implosão do submarino Titan, em 18 de junho passado, em uma expedição aos destroços do Titanic, a 3,8 mil metros da superfície, parece ter freado a sanha por experiências ultrarradicais e ultra-exclusivas dos ultrarricos.
Também chamadas de shock tourism, dark tourism e frontier tourism, as viagens extremas crescem. Para efeito de análise de mercado, estão inseridas no segmento “turismo de aventura”. Nos cálculos recém-divulgados da consultoria Future Market Insights, o setor movimentou globalmente US$ 292 bilhões em 2022. Neste ano, deve fechar em US$ 338,4 bilhões e, daqui a uma década, bater US$ 1,5 trilhão, a uma taxa de crescimento anual composta de 16,2%.
Conforme a Grand View Research, o turismo extremo representa “uma parcela significativa” da receita, com 20% do mercado de aventura total. “Há um aumento gradual do número de viajantes dispostos a atividades de alto risco”, analisam os consultores.
O empresário britânico Hamish Harding era umas das cinco vítimas fatais do submersível da empresa americana OceanGate Expeditions. Fundador e presidente da corretora de aeronaves Action Aviation, tinha o perfil do turista extremo clássico. Dono de uma fortuna de US$ 1 bilhão, aos 58 anos, ele pagou US$ 250 mil por uma viagem de, no máximo oito horas, às profundezas do Atlântico Norte.
“Devido ao pior inverno em 40 anos em Newfoundland [na costa canadense], esta missão provavelmente será a primeira e única missão tripulada ao Titanic em 2023”, escreveu o empresário, no Instagram, um dia antes de morrer. “Acabou de abrir uma janela meteorológica e vamos tentar um mergulho amanhã.”
Em 2022, Harding havia ido ao espaço com a Blue Origin, de Jeff Bezos. E, no ano anterior, batera o recorde de mergulho mais longo, no ponto mais profundo da Terra, em companhia do investidor e explorador americano Victor Vescovo. Em quatro horas e 15 minutos, eles percorreram a fossa oceânica Challenger Deep, no Pacífico, a quase 11 mil metros do nível do mar.
Foram a bordo de uma embarcação com reserva de oxigênio para quatro dias, além de água e ração de emergência. Caso tivessem algum problema, dificilmente poderiam ser resgatados. Mais tarde, Harding descreveria a experiência como “potencialmente assustadora” – “Mas eu estava tão ocupado fazendo tantas coisas que não tive tempo de ficar com medo”.
Emoção, orgulho e status
O empresário britânico era um “caçador de emoções”, descreveram parentes e amigos. Como pontuam pesquisadores da Universidade da Tasmânia, no artigo “Why is extreme ‘frontier travel’ booming despite the risks?” (Por que as viagens extremas estão crescendo apesar dos riscos?, em uma tradução livre), para a plataforma The Conversation, em 22 de junho, o envolvimento deliberado em atividades extremas mexe com a química cerebral, proporcionando sentimentos de euforia e realização. Os viajantes extremos “relatam sentir-se vivos e experimentar uma sensação de transformação”.
A emoção de enfrentar e vencer os próprios medos é poderosa. Isso tudo leva ao orgulho e ao prazer de se gabar para seus pares e nas redes sociais. “O apelo final do turismo extremo é o status ou prestígio de uma viagem cara e perigosa”, escreve Scott Smith, professor associado de hotelaria e gestão de turismo, da Universidade da Carolina do Sul, nos Estados Unidos, também para a The Conversation.
“Todo mundo pode se dar ao luxo de visitar um zoológico local, enquanto um safári africano exige um nível de gastos que mostra seu status e renda.”
Entre os principais impulsionadores do turismo extremo estão as novas tecnologias. Graças a esses avanços, com dinheiro, é possível chegar hoje a destinos até então inimagináveis – das fossas oceânicas ao limite da atmosfera terrestre.
“Sempre houve pessoas dispostas a correr perigo”, afirma James Petrick, professor de turismo, da Texas A&M University, nos Estados Unidos, ao site Axios. “Elas só têm mais coisas para fazer agora.” Apesar de toda a tecnologia, algumas atividades têm margens de erro muito, muito pequena.
Preços do tamanho do perigo
O perigo é tão alto quanto o preço a pagar para corrê-lo. Uma ida a Challenger Deep não sai por menos de US$ 750 mil. Até 2019, apenas três pessoas tinham visitado o ponto mais profunda Terra, segundo o Departamento de Estado dos Estados Unidos.
Uma das agências especializadas em turismo extremo de luxo é a americana EYOS Expeditions. Em seu site, a agência anuncia ter sido a pioneira em jatos particulares para a Antártida, no sistema “fly-in-fly-out”. No continente gelado, o viajante escolhe entre ficar a bordo de um megaiate ou em barracas sofisticadas. Correr o risco de morrer, tudo bem. Passar por perrengue, jamais.
Uma semana no navio Hans Explorer sai por US$ 220 mil, mais taxas, por pessoa. Em 2024, o preço sobe para US$ 235 mil, no mínimo. O pacote permite ainda fazer kite surf sobre as geleiras da Antártida.
Como informa a EYOS, os voos são para quem quer “otimizar o tempo e evitar a infame travessia da Passagem de Drake”. Mas há quem se arrisque a navegar por uma das regiões marítimas mais complicadas do mundo. O caminho mais curto para a Antártida é também o mais perigoso.
O encontro das águas frias do sul e as quentes do norte provocam redemoinhos poderosos. Quando combinados com ventos de até 100 quilômetros por hora, e tempestades violentas, o que não é raro, o mar fica agitado. “Mas não se deixe intimidar”, sugere a agência Ocean Wide Expeditions. Pela empresa holandesa, o passeio de uma semana sai mais em conta: US$ 20 mil, por pessoa, mais taxas.
Em dezembro do ano passado, uma turista americana de 62 anos morreu e outras quatro pessoas ficaram feridas depois que uma onda gigante foi de encontro a um navio de turismo norueguês. A força da água foi tão intensa que quebrou algumas janelas de vidro. Sheri Zhu estava em sua cabine, quando foi atingida pelos estilhaços.
Luxo e oxigênio no Everest
A agência austríaca Furtenbach Adventures cobra € 199 mil, por pessoa, por três semanas no Everest. A Signature Expedition inclui o envio para a casa dos viajantes, semanas antes da partida, de uma tenda e um gerador, que simulam as condições do ar em altas altitudes. Assim, eles podem se aclimatar ao que terão de enfrentar na montanha mais alta do mundo.
A expedição premium oferece ainda “oxigênio ilimitado”, durante a estadia no Nepal. O alto custo da viagem, segundo a empresa, fica por contas dessas reservas. Há de se considerar ainda o luxo do acampamento. A temporada de 2023 vem sendo considerada a mais fatal, pelo governo nepalês. Até o mês passado, 12 turistas já haviam morrido.
Quem se dispõe a ser um viajante extremo sabe dos riscos. Além de passaportes e vistos, muitos roteiros exigem do turista a assinatura de um termo de responsabilidade. O do Titan, contam os que já fizeram o passeio às ruínas do Titanic, citava a palavra “morte” três vezes.