Mais conhecida pelo vinho, a propriedade Castiglion del Bosco está no coração da Toscana, mais exatamente em Montalcino, e acaba de ter seu hotel eleito o melhor do mundo em 2022. A premiação realizada pela publicação Travel + Leisure vem em momento surpreendente, pois a propriedade passou por uma troca de mãos recentemente.
Em março deste ano, a família Ferragamo (descendentes do fundador da grife Salvatore Ferragamo), que estava no controle desde 2003 vendeu os 2.000 hectares de terra para um family office (que prefere se manter anônimo) pela quantia de 400 milhões de euros.
Mesmo com o forte apego às raízes toscanas, a cifra acima foi um argumento imbatível para explicar a venda por parte da família Ferragamo. Em 2003, o valor aproximado pago por Chiara e Massimo Ferragamo na compra de Castiglion del Bosco foi de 30 milhões de euros.
"Castiglion del Bosco entrou em seu novo capítulo em 2003, quando foi transformado em sua glória atual por Massimo e Chiara Ferragamo. Em 2022, o Castiglion del Bosco mudou de mãos e os novos investidores não são italianos. Trata-se de um family office internacional que, por um lado - graças a sua natureza internacional - garantirá o maior desenvolvimento de toda a propriedade", comentou Simone Pallesi, CEO de Castiglion del Bosco com exclusividade ao NeoFeed.
Obviamente houve grande investimento tanto nos vinhedos quanto na vinícola e na criação e manutenção do campo de golfe de 18 buracos desenhado por Tom Weiskopf, 16 vezes campeão do PGA Tour (principal torneio internacional de golfe), além da estrutura criada para a hospitalidade.
O hotel com 42 habitações e 11 vilas ocupa as instalações originais do castelo construído em 1100 (parcialmente em ruínas em 2003). Por estar dentro do parque natural do Val d'Orcia, patrimônio da UNESCO, não é permitido erguer novas construções no terreno, apenas reformar. Além disso, deve-se manter a arquitetura original do projeto.
A recuperação da propriedade contemplou até a reforma de uma capela com afrescos romanos do século XIV. “Criamos uma cooperação harmoniosa entre duas realidades muito diferentes. De um lado, o mundo mais artístico e criativo da vinificação. E, do outro, a organização e estrutura da indústria hoteleira", diz Pallesi.
O hotel Castiglion del Bosco é administrado desde 2015 pela rede cinco estrelas Rosewood, que recentemente inaugurou seu primeiro hotel no Brasil, em São Paulo. Com a premiação, o capítulo dos vinhos ganhou ainda mais visibilidade. A propriedade tem pedigree de primeira linha
Castiglion del Bosco é um dos sete produtores a fazer o Brunello di Montalcino desde a primeira década de 1900. Quando a DOCG (Denominazione de Origine Controlatta i Garantita, um degrau acima da DOC) de Brunello de Montalcino foi criada, em 1967, Castiglion del Bosco estava no grupo de vinícolas fundadores da regulamentação. Hoje são mais de 250 produtores a engarrafar seus vinhos com o selo da DOCG.
Em 2003, porém, os vinhedos estavam parcialmente abandonados e mais da metade dos 62 hectares de Sangiovese, ou melhor, seguindo o nome do clone local, Brunello, tiveram que ser replantados. Na adega, o trabalho não foi menor. Sequer havia controle de temperatura nos tanques de fermentação.
Todo o trabalho para reerguer a reputação do Brunello de Castiglion del Bosco esteve e ainda está nas mãos da enóloga Cecilia Leoneschi. Filha de um enólogo que vivia em Maremma, na costa toscana, Cecilia passou por Avignonesi, outro ícone toscano com foco na Sangiovese mas da sub-região de Montepulciano, cerca de 60 quilômetros à leste de Montalcino.
Aos 28 anos de idade, a enóloga assumiu o trabalho de replantio e recondução dos vinhedos, estudo de solo e subsolo para dividir as parcelas dos vinhedos conforme cada personalidade e equipar a adega para trabalhar com todos estes microlotes de vinhos.
"O isolamento natural do vinhedo de Castiglion del Bosco protege as videiras e reduz consideravelmente o número de intervenções necessárias. No entanto, acreditamos que cada intervenção deve ser adaptada a cada parcela de terreno e o solo trabalhado para preservar e otimizar a produção de cada parcela de vinha”, diz Leoneschi, ao NeoFeed.
O princípio fundamental para a enóloga era converter o cultivo das videiras para o regime orgânico, prática adotada integralmente em 2014. "A abordagem da viticultura natural foi introduzida de forma gradual, com a nova filosofia totalmente adotada em 2014. A propriedade tem certificação orgânica desde 2016. O nosso objetivo é produzir vinhos distintos, de grande integridade, mais enraizados na terra, mais complexos e duradouros, graças a este tipo de viticultura (orgânica)”, afirma Leoneschi.
A partir daí, toda a colheita da uva é realizada de forma manual, as fermentações arrancam de forma espontânea (sem inocular leveduras) e o afinamento do vinho se faz tanto em barricas de tamanho bordalês (225 litros), quanto nos tradicionais botti (tonéis de 3.000 e 5.000 litros), todos de carvalho francês. E aqui a indicação que o estilo da vinícola caminha bem entre as expressões clássicas e modernas de Brunello di Montalcino.
A primeira é associada aos vinhos mais ácidos e elegantes, enquanto os modernos são associados ao estilo mais concentrado e com o perfume e os taninos do carvalho (quanto menor o barril, maior o impacto da madeira no vinho).
Graças ao trabalho da enóloga e da excelente safra 2016 (que chegou ao mercado em 2021 e que custa R$ 560,00, na ViaVini), Castiglion del Bosco reencontrou seu período de glória. Entre diversas pontuações acima de 95 de críticos internacionais, o Brunello di Montalcino 2016 recebeu 99 pontos de James Sucking e o mesmo vinho esteve na lista dos 50 melhores vinhos de 2021 da publicação inglesa Decanter.