Após um hiato de cinco anos, o carioca Cildo Meireles exibe obras inéditas no Brasil. A última vez foi em 2019, quando o Sesc Pompeia, em São Paulo, reuniu alguns trabalhos do artista então desconhecidos do público em Entrevendo, uma extensa antologia de sua produção.

Considerado um dos maiores nomes do cenário artístico internacional, aos 76 anos, Meireles está com a exposição Uma e algumas cadeiras/Camuflagens, na galeria Luisa Strina, também na capital paulista.

A instalação Uma e sete cadeiras (1997-2023) já foi exibida na galeria Lelong, em Nova York. No trabalho, três pinturas de Meireles formam planos que se interceptam em um dos cantos da galeria — uma referência à One and Three Chairs, de 1965, do americano Joseph Kosuth.

Na Luisa Strina, sua última individual com inéditas acontecera em 2014. Batizada Pling Pling, a instalação ocupava seis salas da galeria, cada uma pintada com uma cor primária ou secundária diferente e equipada com uma tela de vídeo que exibia um tom complementar.

Agora, simultaneamente a Uma e algumas cadeiras/Camuflagens, do outro lado da rua, no bairro paulistano do Jardins, a galeria Galatea traz a mostra Cildo Meireles: desenhos, 1964-1977, que destaca uma prática do artista considerada menos conhecida.

No texto crítico feito para ambas as exposições, o curador Diego Matos ressalta: a seleção de trabalhos torna “visível e acessível a prática mais onipresente em sua trajetória de mais de 60 anos. Prática, aliás, indissociável de sua produção tridimensional.”

O conjunto reúne tanto experimentações abstratas, entre campos de cor e formas orgânicas, como desenhos figurativos, com cenas domésticas, mobiliários, críticas ao regime militar e, novamente, exercícios pictóricos que lidam com espacialidade, escala e arquitetura, e dialogam com a tridimensionalidade, uma prática já vista no projeto Cantos (1967-1968/2008), com óleos sobre tela que imitam quinas de paredes.

Para o galerista Tomás Toledo, um dos sócios da Galatea, os desenhos de Cildo Meireles são uma “espécie de ensaios mentais” para os trabalhos instalativos e para os objetos que ele cria. “São reflexos dos interesses do artista, que vão reaparecendo em sua trajetória e se desdobrando. Não minha opinião, são desenhos conceituais, em que ele esboça uma ideia”, diz, em conversa com o NeoFeed.

Fama internacional

O artista era pouco conhecido no Brasil, mas já famoso no circuito internacional quando a marchand Luisa Strina passou a representá-lo há 43 anos, na capital paulista — em 2024, a galeria completa 50 anos.

"Mesmo os meus trabalhos mais políticos, entre aspas, eram resultado de um interesse pela linguagem, pelo aspecto formal", diz Meireles (Foto: galeria Luisa Strina)

"Épura - Cadeira 2", de 2023 (Foto: Galeria Luisa Strina)

Sem título, de 1967, faz parte da mostra "Cildo Meireles: desenhos, 1964-1977", que destaca uma prática do artista menos conhecida (Foto: Galeria Galatea)

Uma das instalações mais conhecidas de Meireles é "Desvio para o vermelho " ( Foto: Reprodução inhotim.org.br)

Fora do País, o reconhecimento veio com a coletiva Information, realizada em 1970, no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), da qual participaram também outros grandes nomes da arte conceitual como Joseph Kosuth, John Baldessari, Hélio Oiticica e Daniel Buren, entre outros.

Foi lá que Meireles apresentou uma de suas séries mais conhecidas, Inserções em circuitos ideológicos, com inscrições em cédulas de cruzeiro. Cinco anos depois, ele estamparia numa nota de Cr$ 1 a pergunta “Quem matou Herzog?”, em referência ao assassinato do jornalista Vladimir Herzog, pelo regime militar no Brasil.

Em 2018, o artista carimbou o rosto da vereadora Marielle Franco, também vítima de crime político, em notas de real.

Essa retomada de leitmotifs marca a trajetória de Meireles, iniciada nos anos 1960. Em 1981, sua primeira exposição na Luisa Strina, Sem título, trazia, entre outros trabalhos, telas pintadas, montadas num canto do espaço expositivo, da série Espaços Virtuais: Cantos, iniciada em 1968. Nessas obras, Meireles se debruça sobre questões espaciais, elementos caros à sua prática artística.

"Sempre detestei a arte panfletária"

A exposição dos trabalhos inéditos de agora traz uma versão de um desses “cantos”. Nas pinturas, o artista lança mão de épuras (representações de figuras tridimensionais em um plano) para retratar cadeiras. O móvel reaparece em outras telas, também como épuras.

Noutra sala, completa o conjunto um grupo de pinturas feitas sobre objetos como guarda-sóis cadeiras de praia e tendas, as “camuflagens” do título.

Como Luisa Strina ressalta ao NeoFeed, o alcance internacional da carreira de Meireles ecoa sua importância: em 2008, o carioca ganhou uma retrospectiva robusta na Tate de Londres.

Participou várias vezes tanto da Bienal de Veneza quanto da Documenta de Kassel, dois dos mais importantes eventos das artes visuais em todo o mundo.

Obras do artista fazem parte dos acervos de grandes instituições internacionais, como a Tate, o Stedelijk Museum, Reina Sofía e o Pompidou. No Brasil, tem criações abrigadas, por exemplo, nas coleções da Pinacoteca de São Paulo, no Masp, no MAM/SP e no MAM-Rio.

Uma de suas primeiras e mais famosas instalações, Desvio para o vermelho (167-1984), pertencente ao acervo permanente do Instituto Inhotim, em Brumadinho, Minas Gerais, é frequentemente associada à violência da ditadura.

“Mas, pessoalmente, eu sempre detestei a arte panfletária", conta Meireles, em entrevista ao NeoFeed. "Mesmo os meus trabalhos mais políticos, entre aspas, eram resultado de um interesse pela linguagem, pelo aspecto formal.”