O conceito por trás do OxyContin, um dos medicamentos mais perigosos do mundo, é simples. “Todo o comportamento humano se resume em duas coisas: fugir da dor e ir em direção ao prazer”, diz o bilionário Richard Sackler, logo no primeiro episódio da minissérie “Império da Dor”.

A produção que estreia na Netflix em 10 de agosto resgata a origem da crise de saúde pública norte-americana, com a qual a família Sackler fez fortuna. E o OxyContin (à base de oxicodona), um remédio capaz de causar extrema dependência, comparável ao vício do crack, estaria no centro de tudo.

Da família da morfina e da heroína, o analgésico opioide não só elimina qualquer dor física como causa euforia, o que explica a receita gerada, até 2016, de cerca de US$ 35 bilhões. E pela estimativa do CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças), mais de 300 mil pessoas morreram de overdose ligada a analgésicos como OxyContin, nas duas últimas décadas, nos EUA.

Baseada no livro homônimo, do jornalista investigativo Patrick Radden Keefe, da revista The New Yorker, “Império da Dor” recorre ao material para criar uma obra de ficção. Ainda que os dados usados sejam os do livro, a minissérie dramatiza a trajetória da família Sackler, para tentar explicar o “sucesso” do remédio.

Foi com o lançamento do OxyContin, em 1995, que a empresa dos Sacklers, a Purdue Pharma, se tornou uma gigante do ramo farmacêutico. Comandada por Richard Sackler, vivido na produção por Matthew Broderick, a companhia teria manipulado médicos para a fabricação de um analgésico de uso geral, com o dobro do efeito da morfina.

Como mostra a minissérie, o poder viciante da droga foi minimizado o tempo todo, sugerindo que o abuso deveria ser contornado com supervisão médica.

E apesar da resistência inicial da agência Food and Drug Administration (FDA), o OxyCotin foi aprovado depois que a Purdue usou na bula o termo “acredita-se”, ao citar que, na comparação com a codeína e a morfina, a oxicodona teria um melhor perfil de segurança.

Além de influenciar órgãos públicos, a Purdue promoveu o produto com agressivas campanhas de marketing, apresentando-o como um tratamento eficaz, duradouro e seguro para a dor.

A empresa fazia lobby diretamente com os médicos, visitados com frequência por representantes belas e ambiciosas da marca. E quanto maior a dosagem receitada por determinado médico, maior a comissão da vendedora responsável.

Foi assim que a Purdue passou a “vender heroína como se fosse assinatura de revista”, como diz uma personagem da minissérie. Interpretada por Uzo Aduba, ela é Edie Flowers, uma das advogadas que trabalha para o escritório do procurador dos EUA John Brownlee (Tyler Ritter), encarregado de investigar a nova droga.

A Purdue só começou a afundar quando informação fornecida pela farmacêutica foi dada como uma deturpação, após avaliação mais rigorosa. Quando afirmavam que a taxa de vício entre pacientes com dor era menor do que 1%, eles se referiam, a princípio, a um “estudo histórico” publicado no New England Journal of Medicine, em 1980.

Mas não se tratava de um relatório e sim de uma simples carta de um médico, para descrever um contexto diferente, com pacientes hospitalizados.

Comandada pelos showrunners Micah Fitzerman-Blue e Noah Harpster, a série de seis episódios vai da ascensão à queda da Purdue. Para manter a fortuna e escapar dos processos na Justiça, a empresa pediu falência em 2019, pagando uma multa (de US$ 4,5 bilhões) em troca de imunidade em mais de 3 mil queixas criminais.

Há ainda o ponto de vista de quem foi vítima da droga, além da perspectiva dos representantes da empresa e a dos advogados que perseguiram a Purdue. O caso que permeia toda a trama é o de Glen Kryger (vivido por Taylor Kitsch), um pequeno empresário que se torna viciado em OxyContin, após um acidente no trabalho.

As verdadeiras vítimas também ganham voz na minissérie. Mais especificamente, os parentes das vítimas. Antes de cada episódio, o familiar de uma pessoa morta por overdose de OxyContin esclarece que a produção é baseada em fatos reais.

“Mas alguns personagens, nomes, incidentes, locais e diálogos foram ficcionalizados para fins dramáticos. O que não é ficção é a história do meu filho”, diz a mãe de Christopher Trejo, que morreu aos 32 anos, em decorrência do vício.