QUINDÍO - Eleito melhor confeiteiro da França aos 18 anos de idade, Thierry Mulhaupt trilhou um caminho de premiações, rigor técnico e inovações com seus bombons. Hoje, aos 59, soma a essa rota chocolateira a aventura em uma plantação de 10 hectares de cacau sustentável no sopé da Cordilheira dos Andes, em Quindío, na Colômbia.

A bem dizer já fazia uma década que o francês de Estrasburgo não sabia onde, mas sonhava em criar a melhor barra de chocolate do mundo. Os tabletes ainda podem levar até três anos para atingirem o pico de qualidade, o terroir, por sua vez, está definidíssimo.

“Um pouco como o terroir de exceção delimitado pelos monges da Idade Média que permitiu o vinho Romanée Conti, as parcelas da Casa Rivera del Cacao nos permitem acreditar que fazer o melhor chocolate do mundo é possível, visto que começamos a produzir os melhores cacaus e eu tenho savoir-faire para extrair o seu melhor, transformando-o em chocolate”, disse o chocolatier ao NeoFeed.

A Shangri-La de Mulhaupt fica a coisa de 300 quilômetros de Bogotá, num departamento mais conhecido pelo café mais premiado do país, o San Alberto. Os solos muito ricos, a abundância de fontes de água, a excelente exposição solar e os 1100 metros acima do nível do mar garantem o crescimento ideal não somente dos cafezais, mas também dos cacaueiros, a ponto de hoje a Casa Rivera ter uma floração sincronizada das 9 espécies plantadas.

Por incrível que pareça, o confeiteiro desembarcou ali sem maiores pretensões, visitando a família da nora. De repente se viu numa cruzada de dias e dias e mais de uma centena de propriedades até a cadeia montanhosa de Serra Nevada. Contratou especialistas colombianos, franceses e holandeses para inspecionarem 50 delas. Com o aval da própria paixão e dos consultores, investiu US$ 150 mil numa fazenda sem nenhum pé de cacau.

O socio José Luis Perez fica à frente da Casa Rivera del Cacao, enquanto o chocolatier está em Estrasburgo

Para justificar o nome Casa Rivera del Cacao, Thierry selecionou as variedades (Arauquita, Saravena, San Vicente, Tame, Lebrija, Monsalve, Santagueda, Porcelana e Marsella) e apostou na rastreabilidade total – do semear ao processamento das amêndoas, passando pela colheita à mão, a extração da polpa, a retirada, a fermentação e a secagem das sementes.

Tudo em sistema agroflorestal, criando sinergia com mais de sessenta espécies de frutas e castanhas tropicais, além de canela, baunilha, cumaru, pimenta e múltiplas espécies florais e madeireiras de cultivo totalmente orgânico.

O zelo ecológico será devidamente recompensado: o preço por quilo do chocolate premium com concentração superior a 60% varia atualmente entre US$ 80 e US$ 120. A Casa Rivera poderá produzir 750 mil quilos por ano. Num cenário ideal, faturará US$ 90 milhões.

Embora permaneça discreto, o projeto acaba de completar 4 anos. Se por um lado o período é insuficiente para as tais barras-desejo, já é responsável por incluir a Casa Rivera no mapa do turismo.

As formulações estão sendo testadas no laboratório de Estrasburgo

“Foi uma opção de apoio nos primeiros anos do plantio, visto que não havia nenhum tipo de colheita. Com a pandemia, íamos desistir, mas acabamos premiados pela Procolombia (entidade de promoção de turismo e investimentos estrangeiros no país) como experiência inovadora”, conta José Luis Perez.

Gerente e sócio da finca, o advogado quindiano caiu de paraquedas em 2018. Foi acompanhar o chocolatier na visita técnica, visto que era promotor de empreendimentos imobiliários, e deixou-se abduzir pela missão de criar o melhor chocolate do universo.

Hoje, Perez é sumidade em cacau e na história da gastronomia colombiana. Com a esposa, cuida dos nove quartos do hotel, do restaurante, das visitas guiadas, dos cultivos e, óbvio, permite que Thierry venha apenas duas ou três vezes ao ano à Colômbia.

No restante do tempo, o chef pâtissier cuida das 4 butiques próprias, de pontos de venda na França, Luxemburgo e Alemanha e a eventos relacionados ao último de seus cinco livros, o Chocolat[e], que desvenda segredos do cacau enquanto produto, conta sobre a experiência na Colômbia e também traz uma série de receitas.

“Nosso foco sempre será a produção de cacau e de chocolate, mas havia um interesse profundo nessa experiência, sobretudo de pessoas da indústria gastronômica. Nossos principais clientes são açougueiros, chefs, confeiteiros e chocolatiers amplamente reconhecidos de diferentes partes do mundo”, revela José Luis.

Apesar do hype foodie, no melhor cenário possível, o turismo representará 8% da receita bruta da Casa Rivera. “O grande público adora o cacau, mas incrivelmente é um produto muito desconhecido. Gostamos de compartilhar o que sabemos, mas não planejamos, no momento, ampliar a experiência aqui”, complementa o advogado.

O hotel construído em meio a mata: "cacauturismo"

A médio prazo a ideia é instalar ali uma planta de produção na fazenda, assim além de exportar as amêndoas para o atelier de Malpaussant em Estraburgo, haverá confecção de tabletes também na Colômbia, coisa que ainda não acontece. Desse modo, os chocolates atenderão aos mercados europeu e americano de maneiras mais sustentáveis.

Mas, afinal, existe definição de melhor chocolate do mundo? Para Thierry, sim: “Em termos de gosto, é o chocolate mais elegante, mais complexo, mais saboroso. É mais semelhante ao vinho ou ao café. Tudo respeitando a natureza, o homem e a biodiversidade. Uma combinação entre o savoir faire e especificamente o terroir excepcional da Casa Rivera del Cacao.”