LONDRES - Maria Antonieta (1755-1793) fez por merecer o apelido de Madame Déficit. Seus gastos com roupas, sapatos, joias e todo o seu estilo de vida no Palácio de Versalhes eram realmente extravagantes. Só em 1776, a rainha francesa teria desembolsado mais de 450.000 livres (moeda da época) para incrementar o seu guarda-roupa, enquanto o orçamento anual aprovado para a indumentária era de 120.000 livres.
Embora até hoje a soberana seja um símbolo de futilidade e de decadência, não se pode negar a sua influência como um ícone de estilo. Seu legado na moda e no design ainda exerce grande fascínio, como prova a exposição Marie Antoinette Style, apresentada atualmente no museu Victoria & Albert (V&A), em Londres.
Até março de 2026, ficam expostos mais de 250 itens que ajudam a ilustrar o impacto da rainha, sobretudo de 1770 a 1780, no vestuário, no design e na decoração de interiores. Algumas das peças estão em exibição pela primeira vez desde a morte dessa importante figura do século 18, há 232 anos, decapitada no auge da Revolução Francesa.
Na moda, Maria Antonieta revolucionou ao abusar das silhuetas exageradas, dos penteados esculturais e dos vestidos com apliques de joias, fugindo da imagem de esposa cordata e da sacralidade da monarquia. Já os seus aposentos eram caracterizados por uma estética unificada, introduzindo um padrão para os interiores, geralmente com as mesmas cores e elementos nas paredes, nos tecidos e nos móveis.
As peças da exposição no V&A, um dos museus de moda mais importantes do mundo, incluem pantufas de seda com salto e algumas das joias que Maria Antonieta enviou para fora da França, em sua tentativa de fuga em 1791. Acessórios luxuosos sempre foram uma característica das rainhas, mas as peças da austríaca forçada a se casar aos 14 anos apresentavam cortes inusitados, destacando o brilho das pedras preciosas.
Peças do aparelho de jantar com detalhes em ouro e alguns móveis também dão uma ideia do gosto daquela que abriu as portas para o que hoje é conhecido como “vida de celebridade”. Um destaque de mobília é uma poltrona de estilo neoclássico com motivos florais e padrões entalhados na madeira.
Ainda fazem parte da mostra itens de sua nécessaire (como frascos de perfume), fragmentos de tecidos de suas roupas e réplicas de seus trajes monumentais. São criações rococó, estilo que marcou o seu guarda-roupa sobretudo durante a adolescência, com várias camadas de saias, armações nos quadris, laços e rendas – a rainha foi uma das pioneiras no uso de renda.

Ainda que a corte francesa tivesse códigos rígidos de vestimenta, a rainha impunha seu estilo mais arrojado, inspirada nas últimas tendências da moda parisiense e do exterior. Isso explica tudo o que ela usava ter sido alvo de escrutínio e, irremediavelmente, de imitação.
A última parte da exposição é dedicada justamente à influência que Maria Antonieta exerce até hoje, reinterpretada por diferentes gerações. Há peças de alta costura de grifes como Dior, Moschino, Chanel, Vivienne Westwood e Valentino inspiradas na rainha.
John Galliano, por exemplo, assinou a coleção primavera/verão de 2006 da Dior, toda baseada na Revolução Francesa. Um vestido com corpete até traz uma imagem da soberana, que hoje é muitas vezes evocada na moda para passar a ideia de empoderamento feminino e sexual.
A coleção de sapatos desenhada por Manolo Blahnik para o filme Maria Antonieta (2006), de Sofia Coppola, é outro ponto alto da mostra. Os calçados capturam a essência da rainha, com destaque para o par chamado “Etiquette”, com um design de fitas cruzadas copiado de um sapato de Maria Antonieta atualmente em exposição no Museu Carnavalet, em Paris.
“Maria Antonieta tem sido uma fonte recorrente de inspiração no meu trabalho. Sua influência remonta às minhas primeiras coleções”, afirma Manolo Blahnik, em depoimento escrito para a exposição no V&A, patrocinada por sua marca.
“Foi um privilégio participar do filme. Eu mesmo confeccionei os sapatos à mão, na Inglaterra, usando as mais sofisticadas sedas de Lyon e suntuosos bordados ingleses de Stephen Walters. Também cuidei pessoalmente dos detalhes, como as rosetas”, diz Blahnik, que costumava calçar os pés de outra figura da realeza, a Princesa Diana, uma de suas clientes favoritas.
A autora da suposta frase “Se não têm pão, que comam brioches!” ainda foi homenageada com uma coleção de vestidos no formato de bolo, peças também presentes na exposição. Para o outono-inverno de 2020-2021, o estilista Jeremy Scott assinou para a Moschino minivestidos como se fossem criações da confeitaria.
Divertidas, as peças são estruturadas como camadas de bolo. E os detalhes, desenhados em branco, imitam a decoração de glacê. Uma ousadia que possivelmente agradaria a própria rainha.