Nos últimos 30 anos, físicos, médicos, biólogos e outros profissionais das ciências duras passaram a frequentar a lista dos livros best-sellers em todo o mundo. Dois nomes, em especial, publicados no Brasil, destacaram-se: o físico e matemático Freeman Dyson (1923-2020) e etólogo, biólogo evolutivo e escritor Richard Dawkins (1941).

O primeiro deixou livros brilhantes em que explica fenômenos como a origem do universo, a vida fora da Terra e os buracos negros de forma absolutamente fascinante. Um de seus trabalhos mais conhecidos é "Mundos imaginados", em que apresenta uma visão do futuro que suscita uma permanente reflexão ética: a humanidade saberá prosseguir sem fazer mal a si mesma?

Dawkins, que assustou o mundo com seu ateísmo assumido no livro "Deus, um delírio", a partir de um texto científico, também seguiu o mesmo caminho de explicar de modo fácil o que só especialistas conhecem. Ambos geraram discípulos brasileiros, como o físico Marcelo Gleiser. Suas obras – e colunas de jornais e revistas – alimentam um filão editorial apelidado de “divulgação científica”.

Nessa linha de ciência ao alcance de todos, a editora Zahar está lançando o físico Rafael Chaves, com seu "Incerteza Quântica – Os mistérios de uma teoria e a nova era da informação". Chaves, aliás, cita que foi graças aos clássicos da divulgação científica — “livros como os de George Gamow, Richard Dawkins, Marcelo Gleiser, Ronaldo Mourão, e documentários, como os de Carl Sagan, Jacques Cousteau e David Attenborough — que meu interesse pela ciência floresceu”.

Ele se propõe a explicar de modo claro a mais bem-sucedida teoria da física, a quântica, a partir de sua história, seus conceitos fundamentais e como tem mudado o modo como ver o futuro.

Rafael Chaves:"hacker da informação quântica", é líder de pesquisa do Instituto Internacional de Física da UFRN

De modo geral, a física quântica também é conhecida como mecânica quântica e representa uma grande área de estudo que se dedica a analisar e a descrever o comportamento dos sistemas físicos de dimensões reduzidas, próximos dos tamanhos de moléculas, átomos e partículas subatômicas.

Seus conceitos surgiram há mais de 100 anos e têm sido usados para explicar desde os constituintes fundamentais da matéria que levaram a humanidade à era digital da internet, dos computadores e celulares até fenômenos astrofísicos e cosmológicos.

Sua fundamentação tem sido desde sempre usada para alimentar a revolução tecnológica que passa o mundo nos últimos 40 anos, principalmente da construção de processadores. Seus defensores afirmam que nenhuma outra foi tão precisa na predição de resultados de experimentos.

Tanto que levou ao que hoje se chama de segunda revolução quântica, cujos efeitos podem ser utilizados para processar, armazenar, criptografar e transmitir informação. Isso é feito de forma segura, a ponto de impedir os hackers de violá-la por bilhões de anos. Chaves pontua os principais eventos de sua evolução científica ao longo de um século, ou seja, suas mais extraordinárias descobertas.

Os efeitos da segunda revolução quântica podem ser utilizados para processar, armazenar, criptografar e transmitir informação

Considerado cientista de ponta e um "hacker da informação quântica", como se define, ele é líder de pesquisa do Instituto Internacional de Física da UFRN. Sua vida, aliás, começou a mudar no contato com a tecnologia aos seis anos de idade, quando ele ganhou um videogame, Atari 2600, que o pai lhe deu após vencer no jogo do bicho.

“E, apesar de não ter um computador propriamente dito, eu lia tudo sobre o tema nas revistas existentes na época, sabia todos os comandos, atalhos, novos programas e suas últimas atualizações”.

Não foi surpresa para ninguém, diz ele, quando começou o curso técnico de informática industrial “em uma idade na qual as espinhas mal haviam começado a brotar na minha face adolescente”. Adulto formado, virou pesquisador no Institute for Photonic Sciences de Barcelona e nas Universidades de Freiburg e Colônia, onde se tornou pioneiro no estudo da causalidade quântica.

Grantee do Instituto Serrapilheira, membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências, foi selecionado em 2020 como "Outstanding Referee" pela American Physical Society e listado entre os pesquisadores mais influentes do mundo em 2019.

O físico trata de questões como se um elétron pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, quando a incerteza se torna a regra e resgata a evolução do micro ao macro

Além da clareza, ele fundamenta com propriedade o tema, a partir do suporte de importantes autores – citados acima. O físico trata de questões como se um elétron pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, quando a incerteza se torna a regra, resgata a evolução do micro ao macro, as tecnologias quânticas, pirataria quântica, internet quântica, computador quântico e no fim afirma que o futuro é quântico.

Em seguida vem a interessante cronologia, cujo ponto de partida é 1800, ano em que William Herschel descobriu a parte infravermelha do espectro luminoso. Encerra a obra um indispensável glossário dos termos mais usados.

Em suas conclusões, Chaves afirma que em variadas disciplinas, cada vez mais avançadas, ele aprendia seus detalhes matemáticos, como a física quântica podia ser usada para explicar as propriedades químicas dos elementos da tabela periódica, os diferentes tipos de magnetismo, a interação entre a luz e a matéria.

Segundo ele, nenhuma outra teoria fora capaz de predizer os resultados de experimentos de forma tão precisa e, em alguns casos, com mais de dez dígitos de exatidão.

Segundo Chaves, nenhuma outra teoria fora capaz de predizer os resultados de experimentos de forma tão precisa e, em alguns casos, com mais de dez dígitos de exatidão

No entanto, por incrível que pareça, continua ele, a matemática para entender o básico da teoria não era assim tão complicada. Algo que qualquer estudante de ciências exatas aprende logo no primeiro ano de Universidade, escreve.

”O real problema era interpretar o que aquelas equações e postulados matemáticos tentavam nos dizer. Sejam as equações da mecânica newtoniana, equações termodinâmicas ou equações descrevendo fenômenos elétricos e magnéticos, tipicamente não temos problemas para interpretar o que está acontecendo.”

O que mais encanta no tema são as possibilidades de conhecer melhor o universo e o quanto isso desperta a imaginação. “O que essas histórias nos mostram é que em algum recanto do Universo novas e ainda mais incríveis formas de se processar a informação talvez estejam disponíveis. Será que deveríamos estender a tese de Deutsch e propor um computador gravitacional-quântico?", questiona.

"Será que os próprios buracos negros poderiam ser usados para resolver problemas computacionais de maneira ainda mais rápida do que os computadores quânticos? E os chamados buracos de minhoca ou dobras espaciais?” E lá vamos nós, a pensar.

SERVIÇO:
Incerteza quântica - Os mistérios de uma teoria e a nova era da informação
Rafael Chaves
Editora Zahar
376 páginas
Preços: Impresso: R$ 89,90 / E-book: R$ 39,90