NOVA YORK — Na quarta-feira, 23 de abril, as cortinas do palco do Lyttelton Theatre, em Londres, se abriram para a estréia do musical Here We Are, que fica em cartaz até o dia 28 de junho. No elenco, um brasileiro: o barítono Paulo Szot, de 55 anos, que há três décadas dedica-se óperas e musicais nos principais palcos do mundo.
O Lyttelton é uma das três salas de espetáculo do National Theatre, fundado em 1963. Trata-se de um dos teatros mais cobiçados por atores locais e internacionais, mas restrito a peças de língua inglesa. No entanto, um musical como Here We Are, que exige a participação de um estrangeiro em um de seus papéis, abriu esta porta para Paulo.
“Foi uma grande surpresa. Para nós, brasileiros, trabalhar no National Theatre é algo muito distante da nossa realidade”, diz o barítono, em conversa com o NeoFeed, no camarim do teatro, durante o intervalo de um dos ensaios. “Londres tem 240 teatros operantes dedicados — sem contar as salas de orquestra e concertos. Imagine uma cidade de atores. Isso significa que aqui as pessoas realmente consomem e adoram o teatro.”
O convite para participar da produção inglesa veio, em 2024, do ator e diretor Joe Mantello, uma das figuras mais influentes do showbiz americano — sua peça mais conhecida é Wicked, há 21 anos em cartaz na Broadway.
Na ocasião, Paulo estava em cartaz na Broadway, como Lance, um dos protagonistas do musical & Juliet, uma reinterpretação cômica da peça de William Shakespeare, que explora a vida de Julieta se ela e Romeu sobrevivessem, e ela seguisse a vida sem dar bola para ele.
O novo musical representa uma experiência distinta. Here We Are foi escrito pelo compositor Stephen Sondheim (1930-2021), autor de peças emblemáticas da cultura americana, como Into the Woods.
O tema é inspirado nos filmes O Anjo Exterminador e O Discreto Charme da Burguesia, do cineasta espanhol Luis Buñuel (1900-1983), e baseado no livro homônimo do dramaturgo e roteirista americano David Ives.
Os ensaios começaram em março. “Trata-se de um período delicioso de muito trabalho, de descoberta, de jogar, e de saber onde estão os limites: afinal, esta é uma peça surreal, estamos dentro do teatro do absurdo”, diz o barítono. “No segundo ato, quase não cantamos.”
Mantello já havia encenado o musical em Nova York e, para a temporada em Londres, levou a mesma equipe técnica, mas apenas dois dos oito atores do elenco original. Entre as novidades, além de Paulo está o americano Jesse Tyler Ferguson, estrela da série Modern Family.
Em Here We Are, Paulo vive Raffael Santello Di Santicci, embaixador estrangeiro de um país fictício chamado Moranga. Envolvido com o tráfico de drogas, Raffael é um mulherengo altamente sedutor.
“Este papel é um presente para brincar e jogar com os outros atores, ainda mais com um elenco tão maravilhoso”, diz. “Estar passos além do naturalismo torna a linguagem teatral maravilhosa para um ator. Ao mesmo tempo, o Joe, como o grande diretor que é, traz humanidade para o palco.”
O primeiro Tony brasileiro
Paulo sempre teve vontade de trabalhar com Mantello. Os dois se encontraram em Nova York para se conhecerem e para fazer uma leitura de Here We Are. Logo em seguida, veio a proposta para fazer parte da temporada no National Theatre.
O primeiro papel de Paulo na Broadway foi também de um estrangeiro, o do fazendeiro francês Emile de Becque, na remontagem do musical South Pacific, da lendária dupla de compositor e liricista Rodgers and Hammerstein (autores também de A Noviça Rebelde e O Rei e Eu). O trabalho rendeu a Paulo o Tony Award de melhor ator em musical em 2009. Foi a primeira vez que um brasileiro ganhou o prêmio, tido como o Oscar da Broadway.
O barítono nasceu e cresceu em Ribeirão Pires, na região metropolitana de São Paulo. Seus pais, imigrantes poloneses, amantes de música, dança e artes plásticas, criaram os cinco filhos, três meninos e duas meninas, em meio a instrumentos e corais. Apenas o mais velho não seguiu carreira artística.
Nos fins de semana, os irmãos cantavam juntos no grupo folclórico polonês chamado Wiosna, criado pelo pai. Aos 12 anos, Paulo começou a estudar balé e violino. Seis anos mais tarde, foi para a Polônia estudar o idioma e dança. Por causa de uma contusão no joelho, teve de se afastar das coreografias.
Como ele também fazia parte do coral da Universidade Jaguelônica, na cidade de Cracóvia, sua voz não passou despercebida pelo regente, que lhe incentivou a estudar ópera. “Este nunca foi meu sonho, mas fui encaminhado para esta realidade”, lembra.
"Seriamente charmoso"
Em abril de 2008, ao elogiar a presença do barítono no palco em South Pacific, o crítico do New York Times sublinhou: “Ele é seriamente charmoso”. Além disso, a versatilidade e o domínio de quatro idiomas são outros dos grandes ativos de Paulo.
“No mundo da ópera, formamos um repertório — aprendemos Don Giovanni, Carmen e vários outros títulos que vão se repetindo em produções diferentes pelo mundo. Algumas vezes, trabalhamos com os mesmos cantores, mas é muito raro”, afirma. “Tanto na ópera quanto no musical, o jogo de cena com novos atores e cantores é o que nos proporciona aprendizagem."
Paulo não conhecia ninguém do elenco de Here We Are. “Faz parte da nossa vida de ator e de cantor estar em um novo ambiente a cada dois ou três meses, com pessoas novas, às quais passamos a conhecer no palco e fora dele. Por isso precisamos ser bons observadores”, diz. Apesar de viajar muito, ele mantém sua base em Nova York.
Após a temporada londrina, ele segue para o Brasil, onde participa de dois trabalhos com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP) em agosto, incluindo a ópera O Imperador, e um concerto matinal regido por Masaaki Suzuki.
Em seguida, o barítono retorna aos Estados Unidos, onde atuará em um musical na cidade de St. Louis. De lá, Paulo inicia um novo projeto na Broadway, onde ficará durante seis meses. Qual? Ainda é segredo.