Nova York — Na noite de terça-feira, 4 de novembro, Zohan Kwame Mamdani, de 34 anos, subiu ao palco de uma casa de shows no Brooklyn para celebrar sua vitória na corrida à prefeitura de Nova York. Nesta cidade massivamente democrata, com oito milhões de habitantes, o feito foi histórico: até seis meses atrás, ele era um ilustre desconhecido. Agora, Mamdani vai ter de mostrar ao que veio, ao assumir o governo municipal de US$ 112 bilhões, com cerca de 306 mil funcionários.
Apesar de sua margem de conquista ter sido inexpressiva (ele passou de raspão com 50,4% dos votos), o número de eleitores nas urnas bateu recordes. Mamdani foi o primeiro candidato à prefeitura da cidade a receber mais de um milhão de votos desde 1969. Socialista-democrata, será o primeiro muçulmano e sul-asiático a assumir o cargo.
Criticado por sua inexperiência por alguns acadêmicos, economistas e colunistas da imprensa americana, ele soube orquestrar bem a sua campanha: carismático, falou de perto, via TikTok, com eleitores da geração Z e conseguiu atrair 90 mil voluntários para promover sua chapa.
Ao mesmo tempo, o ex-governador do estado, Andrew Cuomo, que figurou em segundo lugar, recebeu mais votos do que qualquer prefeito vencedor desde 1993. Cuomo foi o democrata que perdeu nas primárias para Mamdani, mas insistiu em participar no segundo turno, candidatando-se numa chapa independente.
Representante da velha guarda de políticos nova-iorquinos, Cuomo, hoje com 67 anos, foi responsável por feitos marcantes como a reforma do aeroporto doméstico de LaGuardia (por anos motivo de chacota por sua precariedade), por um novo terminal de trem em Manhattan e por liderar a cidade com maestria durante o auge da pandemia, apesar de mortes evitáveis em algumas casas de idosos.
No entanto, o então governador pôs tudo a perder ao ser acusado em 13 casos de assédio sexual por mulheres que trabalhavam com ele, o que o levou a renunciar em 2021.
“A eficácia de Mandami baseou-se em sua forma de falar sobre os problemas que mais preocupavam os nova-iorquinos: a questão da acessibilidade econômica”, afirma o americano Clifford Young, ex-presidente e atual chair da Ipsos Public Affairs.
“Não se tratou [de sua posição em relação a] Trump, nem da política partidária, nem das ameaças à democracia. Mas das preocupações básicas do dia a dia. Portanto, seu sucesso dependerá crucialmente de sua capacidade de ajudar os nova-iorquinos a fechar as contas no fim do mês”, complementa.
Filho da cineasta Mira Nair (Casamento à indiana, 2001) e do antropólogo acadêmico Mahmood Mamdani, o prefeito nasceu e foi criado em Kampala, na Uganda. Aos sete anos, mudou-se com a família para Nova York. Frequentou escolas públicas, incluindo a prestigiada Bronx High School of Science. Em seguida, formou-se em Estudos Africanos pelo Bowdoin College, em New England.
Lá, ele criou um movimento de defesa da causa palestina, influenciado pela proximidade com o acadêmico e ativista Edward Said, que frequentava a casa de seus pais. Nesta mesma época, Mamdani perdeu o entusiasmo em relação ao Partido Democrata e filiou-se ao Partido Social-Democrata dos Estados Unidos.
Em 2020, aos 29 anos, ele se tornou deputado, representando uma das regiões do Queens, que inclui Astoria, bairro com grande concentração de brasileiros. Durante este período, conseguiu a aprovação de apenas três propostas de lei.

Recém-casado com Rama Duwaji, uma ilustradora síria de 28 anos, Mamdani reforçou três promessas durante sua campanha: criar 200 mil apartamentos de moradia pública subsidiada, com aluguel estabilizado, e acelerar projetos compostos inteiramente por unidades com valores abaixo do mercado. Ele também promete subsidiar passagens de ônibus e oferecer creches gratuitas.
Em 2017, o então prefeito Bill de Blasio implementou escola pública a partir dos três anos, mas Mamdami quer estender o benefício para bebês a partir de seis semanas de idade. Estas propostas tocam o coração da maior parte da população local, que despeja 60% do salário apenas no aluguel e equilibra pratos para custear o cuidado infantil.
Analistas passaram a campanha calculando de onde ele tiraria a verba para tudo isso, enfatizando que seus ataques a bilionários espantariam possíveis colaboradores. Entre eles, Donald Trump, com quem Mamdami travou uma notória batalha verbal.
Não demorou para memes mostrando agentes imobiliários da Flórida rindo alto circularem pelo mundo digital, remetendo à possível evasão dos mais endinheirados para aquele estado.
Apesar de suas falas
Ao mesmo tempo, Mamdami passou a campanha tentando se retratar de falas públicas feitas por ele há poucos anos: em discursos calorosos ao microfone, ele chamou a polícia de Nova York de “racista, anti-gay e uma ameaça à segurança pública”, apoiando a ideia de retirar fundos da instituição.
O candidato também teve de se explicar perante a comunidade judaica, que compõe 12% da população da cidade, por ter citado slogans como “globalizar a intifada” e por ter criticado o fato de Israel ser um estado judeu, apesar de haver 57 países muçulmanos no mundo.
Analistas políticos dizem que a candidatura do novo prefeito não ocorreu por causa de suas falas, mas apesar delas. Mamdami, que se inspira no político de origem judaica Bernie Sanders, teve apoio do controlador-geral da cidade, Brad Lander, candidato judeu que concorreu contra ele no primeiro turno.
Um dia após sua vitória, o prefeito eleito, que assume o posto no próximo 1º de janeiro, anunciou cinco mulheres veteranas em política como líderes da sua equipe de transição. Entre elas, Lina Khan, que chefiava o Federal Communications Commission (o equivalente ao CADE brasileiro) no governo de Joe Biden.
Esta foi uma forma de mostrar que, apesar de sua inexperiência, ele pretende se cercar de quem sabe mais do que ele. Quem viver, verá.