O atleta caminha até a ponta da plataforma e se joga. Enquanto está no ar, seus movimentos são precisos e elegantes, sem hesitações. Com domínio total sobre seu corpo, ele transmite uma sensação de leveza e graça, como se desafiasse a gravidade. A entrada na água se faz suave e “seca” — na medida em que um mergulho pode ser seco, sem grandes respingos.

Assim são os saltos perfeitos. Ou eram… até uma série de vídeos viralizar no TikTok, Instagram e YouTube e o mundo ser apresentado ao manu jumping. Popularíssimo na Nova Zelândia, o esporte se caracteriza por mergulhos em bomba. Se no salto ornamental, o objetivo é minimizar o impacto na água, nos melhores “estouros de manu”, ele é maximizado. Quanto mais barulhentos e mais espalhafatosos, melhor.

O atleta caminha até a ponta da plataforma e se joga. Enquanto está no ar, seus movimentos são precisos — mas nem sempre elegantes. Com total domínio sobre seu corpo, ele realiza manobras aéreas, até se fechar em formato de “V” e… splash — uma coluna alta de água se forma e respingos jorram para todos os lados.

O esporte nasceu da forte ligação das comunidades maori com o mar — primeiros habitantes da Nova Zelândia, eles chegaram às ilhas entre os séculos 13 e 14, vindos da Polinésia, em canoas. E tudo começou como diversão de criança (Quem nunca brincou de dar bomba?!)

Nos verões neozelandeses, onde houver uma ponte, um cais ou um penhasco, haverá alguém estourando manu. A prática está tão enraizada na cultura do país que não se tem com muita clareza quando e onde ela virou mania nacional.

Alguns defendem a vila de Raglan na década de 1960 — com a construção da ponte sobre a enseada de Opoturo, logo transformada em plataforma para os mergulhos.

Outros apontam como berço da modalidade as piscinas públicas Moana-Nui-a-Kiwa, em Māngere, subúrbio de Auckland, nos anos 1980.

Não há certeza nem em relação à origem do nome da modalidade. Na língua maori, manu significa pássaro e muitos associam o mergulho ao movimento de voar para dentro da água. Há, porém, quem defenda que manu é a versão abreviada de Māngere.

A quintessência neozelandesa

O fato é que, nos últimos anos, o salto manu está se profissionalizando na Nova Zelândia e, graças às mídias sociais, conquistando admiradores mundo afora

Campeonatos semelhantes estão sendo organizados na Austrália e no Havaí, como conta ao NeoFeed o empreendedor neozelandês Scott Rice, criador do Manu World Championships.

"Cresci perto da água e pratiquei manu jumping  na minha juventude para me divertir", lembra ele. "A cultura bombing na Nova Zelândia é enorme e, com minha experiência em gerenciamento de eventos e uma lacuna oportuna em nosso portfólio de eventos, lançamos o campeonato mundial."

Em sua segunda edição, encerrada recentemente, o torneio reuniu uma centena de atletas, em dez etapas classificatórias, realizadas em oito cidades — por enquanto, de “mundial”, a competição só tem o nome, já que todos os esportistas são da Nova Zelândia.

Os dias de campeonato são de festa. O público está cada vez maior e mais animado. No último dia de provas, Mark Mitchell, ministro dos Esportes, arriscou uma bomba e, vestido, se jogou da plataforma montada no Harbor Viaduct, um antigo porto de Auckland transformado em espaço de convivência, um dos mais badalados da cidade.

“Eu adorei voltar a saltar”, comemorou o político, em entrevista para o jornal The New Zealand Herald. “Essa é a quintessência da Nova Zelândia.”

Em 2025, os prêmios em dinheiro somaram US$ 40 mil — US$ 10 mil a mais do que no ano passado. Entre os patrocinadores do último torneio estavam não apenas marcas regionais, como a Frank Energy, a maior empresa de energia do país, e a Bumper, de alimentos vegetarianos, como companhias globais, tais quais Burger King e Mars, por meio dos chocolates Snickers.

"Há um desejo real de que as marcas se associem a algo exclusivamente neozelandês, voltado para os jovens", resume Rice. "Além disso, o manu tem chamado a atenção de um grande número de veículos de comunicação internacionais. O mergulho é simples e divertido: é pular na água e fazer o splash mais alto possível."

Parafernália hightech

O evento deste ano trouxe ainda novidades hipermodernas desenvolvidas especialmente para a avaliação das bombas. Liderada pela professora Patria Hume, uma equipe de pesquisadores da Universidade de Tecnologia de Auckland, por exemplo, criou o ManuTech. Por meio de câmeras de alta resolução, o sistema mede em tempo real a altura e a largura do jato de água levantado depois de cada manu.

No Instituto de Ciências Marinhas da Universidade de Auckland, Tim Haggitt inventou um microfone subaquático que mede o som do estalo de cada salto ouvido debaixo da água. Quando essas informações são transmitidas nos telões, o público vai ao delírio.

Comparar o manu com uma bomba pode dar a impressão de que o salto neozelandês é fácil. Ao contrário. O mergulho exige muita técnica — o atual campeão masculino, Maara Toa, de 21 anos, por exemplo, treina seis dias por semana, no mínimo, quatro horas por dia.

Gráfico mostra as principais etapas do salto (Foto: bhamla.gatech.edu)

No "estouro de manu" perfeito, o "V" forma um ângulo de 45 graus e as nadégas são a primeira região do corpo a tocar a água (Foto: Instagram @manuworldchamps)

Quanto mais alto e grosso for o jato de água, melhor é o manu (Foto: Instagram @manuworldchamps)

"Há um desejo real de que as marcas se associem a algo exclusivamente neozelandês, voltado para os jovens", diz Rice, criador do Manu World Championships (Foto: Manu World Championships)

No campeonato desde ano, no último dia de prova, Mark Mitchell, ministro dos Esportes da Nova Zelândia, arriscou um manu de roupa e tudo (Foto: TikTok nzherald)

O público vai ao delíro com os "splashes" mais caudalosos, altos e barulhentos (Foto: Instagram @manuworldchamps)

Nos verões neozelandeses, onde houver uma ponte, haverá um saltador de manu (Foto: teara.govt.nz)

O esporte tem despertado tanta curiosidade que um grupo de especialistas em dinâmica de fluidos, do Instituto de Tecnologia da Georgia, nos Estados Unidos, decidiu investigar a ciência por trás do manu.

Autores do artigo Mastering the manu — how humans create large splashes, publicado em 19 de maio na revista científica The Royal Society Interface, Pankaj Rohila e Daehyun Choi avaliaram 75 vídeos do YouTube.

Eles ainda levaram alguns voluntários para a piscina e gravaram mais 50 mergulhos, em alta definição, para capturar exatamente o que seus corpos faziam a cada milissegundo do salto. Por fim, construíram um robozinho, o Manubot, capaz de imitar os movimentos corporais de um saltador.

O splash perfeito

Pankaj e Daehyun notaram que o melhor manu acontece quando o mergulhador, com as pernas e o tronco na posição “V”, primeiro aterrissa os glúteos na água — nas competições, se essa não for a primeira região do corpo a tocar a superfície, o atleta está desclassificado.

Usando projéteis impressos em 3D, eles descobriram que o “V” em ângulo de 45 graus produz os respingos mais caudalosos e altos.

No salto, são gerados dois splashes. O primeiro, mais fraco, acontece no momento em que os saltadores rompem a superfície da água. E o segundo, quando eles já estão submersos.

Dentro da ’água, os mergulhadores rolam para trás e chutam para fora, de modo a endireitar o corpo. Com isso, a cavidade de ar, criada a seu redor, se expande e “estoura”, lançando um jato de água para cima. Todas as manobras, as aéreas e as subaquáticas, desenrolam-se em intervalos de apenas 0,14 a 0,15 segundos. Acima desse tempo, o splash perde força.

O manu não é apenas difícil, como arriscado, alertam os cientistas. Quanto mais altas as plataformas, maior a velocidade de queda e, portanto, menor o tempo de reação — no Manu World Championships, elas chegam a sete metros.

Se, na aterrissagem, o atleta errar o ângulo em “V”, pode bater as costas com muita força na água e machucar. Aconteceu com voluntários da Georgia.

“Por enquanto, nossas descobertas destacam uma verdade simples: criar o respingo perfeito não é obra do acaso. Em vez disso, depende de uma sinfonia cuidadosamente afinada de manobras aéreas e subaquáticas”, escrevem Pankaj Rohila, no artigo Manu jumping: The physics behind making humongous splashes in the pool, na plataforma The Conversation.

E eles concluem: “Da próxima vez que você vir alguém espirrar água em todos na piscina com uma bomba gigante, lembre-se: há uma bela ciência por trás do splash”.