Autor de registros emblemáticos do fotojornalismo brasileiro, Evandro Teixeira é tema da mostra “Chile, 1973”, aberta na terça-feira, 21 de março, no Instituto Moreira Salles, em São Paulo.
A exposição mescla a cobertura do golpe militar no Chile, que Evandro fez para o Jornal do Brasil, com fotos históricas, também de sua autoria, da ditadura militar brasileira, em especial de grandes manifestações populares contra o regime, como a Passeata dos Cem Mil, que ocorreu em 1968, no Rio de Janeiro.
O IMS passou a abrigar o acervo de Evandro Teixeira em dezembro de 2019. Segundo Sergio Burgi, coordenador de fotografia do instituto e curador da mostra, os planos eram iniciar de imediato um mergulho em sua produção e já no ano seguinte apresentar uma retrospectiva.
Veio a pandemia, e a ideia precisou ser adiada. Somente no fim de 2022, o IMS retomou os trabalhos de forma sistemática e, para não atrasar mais os planos, decidiu-se fazer o recorte agora em exibição.
“A ideia era estabelecer um diálogo entre esse conjunto de cerca de 30 imagens, feitas entre em 1964 e 1968, no Brasil, um trabalho mais icônico dele, com o material do Chile, menos conhecido”, explica Burgi ao NeoFeed.
“Esse material foca em três eixos: a documentação que ele fez do Estádio Nacional, transformado em centro de detenção durante a ditadura chilena e palco de uma encenação de bons tratos por parte do regime; da cidade de Santiago sitiada, ainda sob toque de recolher e com exército nas ruas, dez dias após o golpe; e da cobertura paralela que fez da morte e do enterro do poeta Pablo Neruda [1904-1973]”.
Evandro Teixeira nasceu em 1935, em Irajuba, interior da Bahia. Começou a se interessar pela fotografia na adolescência, ao folhear os ensaios da revista “O Cruzeiro”. Deu seus primeiros passos no fotojornalismo no interior do estado, e em seguida na capital baiana, Salvador, onde trabalhou no “Diário de Notícias”, jornal vinculado aos Diários Associados de Assis Chateaubriand (1892-1968).
Em 1957, mudou-se para o Rio, onde atuou no “Diário da Noite” e na revista “O Mundo Ilustrado”, para a qual a fez a cobertura da Copa do Mundo em 1962, sediada no Chile. Seu trabalho chamou a atenção do “Jornal do Brasil”, cujas reformulações editoriais daquele fim dos anos 1950 passaram a destacar fotografias na primeira página. Evandro permaneceu no jornal carioca por 47 anos.
Burgi conta que o próprio Evandro já havia sinalizado a importância que o material do Chile - um conjunto com cerca de 300 imagens, 120 delas editadas para a mostra - tinha para ele, mas ressalta que o fotógrafo tem um “escopo de trabalho extensivo e diversificado”, sobre o qual o IMS ainda irá se debruçar futuramente.
Estão aí outros registros icônicos, como o da única visita da Rainha Elizabeth ao Brasil, em 1968, quando a monarca veio para a inauguração do MASP, em São Paulo. Além de fotos de visitas de papas ao Brasil, retratos de grandes nomes da MPB e de personalidades da cultura brasileira, nas décadas de 1960 e 1970, e sua produção nos âmbitos da moda e do esporte.
Para o coordenador de fotografia do IMS, destaca-se ainda seu trabalho mais autoral, de registro da população nordestina. Um material que engloba tanto imagens feitas na própria região Nordeste, a exemplo da documentação para o livro “Canudos 100 Anos” (1997), um projeto ao qual se dedicou por quatro anos, na década de 1990; quanto as fotos da Feira de São Cristovão, no Rio, que ele capturou ao longo de vários anos, um conjunto menos conhecido.
“É um material referencial para se pensar questões ligadas ao crescimento urbano no Brasil, à industrialização e à migração interna”, afirma Burgi, para quem Evandro construiu sua “linguagem e assinatura” dentro do fotojornalismo, nos anos 1960 e 1970, criando, nas décadas seguintes, “uma interação muito forte com o circuito da cultura, das artes”.
Seu primeiro livro, “Evandro Teixeira: Fotojornalismo” (1983), trazia texto do poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), entre outros, e foi lançado com uma exposição de suas fotos.
Do ponto de vista estético, salienta Burgi, Evandro construiu, ao longo de sua carreira, um testemunho de eventos diversos, com “um olhar sobre as pessoas”, criando imagens com “muita força e muita forma”. Sua produção teria tido grande influência dos fotógrafos do pós-guerra e de revistas ilustradas, tanto de “O Cruzeiro”, no Brasil, quanto da “Life”, dos EUA.
Em entrevista ao NeoFeed, Evandro Teixeira afirma ter como referências grandes nomes do fotojornalismo mundial, a exemplo de Robert Capa (1913-1954) e William Eugene Smith (1918-1978), e, no Brasil, de José Medeiros (1921-1990), com quem fez cursos por correspondência.
Entre as fotos em exibição na mostra do IMS, Evandro considera o registro que fez durante a Tomada do Forte de Copacabana, na madrugada de 1º de abril de 1964 - tido como episódio inaugural da ditadura brasileira - “uma obra de arte”, por sua “composição bonita e iluminação espetacular”.
Em um drible na segurança, algo que marcou sua carreira, o fotógrafo presenciou a chegada do marechal Castello Branco ao forte, cercado de militares, antes de se tornar o primeiro presidente do regime. Sua foto mostra um soldado solitário, sob chuva torrencial, um registro cujo tom sombrio era tido como um prenúncio do que viria nas décadas seguintes.
O fotógrafo destaca ainda as imagens do enterro de Pablo Neruda. “Foi algo que me fez derramar lágrimas. Um momento ao mesmo tempo triste e alegre, com muitas pessoas declamando seus poemas ao redor de seu túmulo. Foi emocionante.”