Nova York - Na manhã de domingo, 18 de maio, o New York City Ballet sobe ao palco do David H. Koch Theatre, no Lincoln Center, para a performance de MidSummer Night's Dream, uma adaptação da peça escrita por Shakespeare em 1595. A diferença desta apresentação é o público.

Na plateia estarão centenas de famílias e crianças a partir de cinco anos com autismo, paralisia cerebral e variadas deficiências de desenvolvimento. Além delas, estará uma equipe reforçada, pronta para acolher a todos.

Intitulado Sensory-Friendly Performances ("Apresentações Sensoriais"), o projeto é dirigido por Megan Gentile, responsável pelo Departamento de Educação da companhia. Os shows têm duração de uma hora e vinte minutos e os preços dos ingressos variam de US$ 36 a US$ 76, um valor infinitamente inferior às demais apresentações da companhia.

Desde que foi criada, a iniciativa já trouxe milhares de crianças e famílias ao New York City Ballet, formando um novo público que jamais imaginaria ter essa oportunidade em circunstâncias tradicionais.

“Do ponto de vista artístico, nada muda no palco e nem na orquestra. Ali estará todo o corpo de baile e também os primeiros bailarinos”, diz Megan, ao NeoFeed. “As mudanças acontecem na plateia e na recepção do público, sob aspecto social e ambiental.”

As luzes do auditório, por exemplo, nunca se apagam completamente. A iluminação do teatro fica entre 20% ou 30% durante o espetáculo. “Para os bailarinos, isso é uma novidade porque eles conseguem ver o público, como acontece nos ensaios”, completa a diretora.

Alguns dias antes do show, as famílias recebem por e-mail um guia com passo a passo para que as crianças se preparem e administrem suas expectativas. Nele, há textos e fotos de tudo o que vai acontecer durante a experiência: o local, as equipes, os bailarinos e qualquer outro detalhe importante para que ninguém seja pego de surpresa.

“Antecipar os acontecimentos traz segurança para esta audiência, então esta preparação é essencial”, lembra Megan. “É uma forma de acolher este público. Sabemos que muitos estão nervosos ou ansiosos com a experiência. Especialmente os que estão vindo pela primeira vez.”

Regras flexíveis

Para receber as famílias, o New York City Ballet treinou voluntários extras, que distribuem redutores de ruído e fidgets, pequenos objetos usados para direcionar a energia e a inquietação das mãos, além de estarem capacitados para responder a qualquer pergunta. “Entendemos que o nosso teatro é grande e imponente, com quase 2,9 mil assentos — e isso pode ser intimidador. Temos de criar um ambiente seguro e receptivo”, diz Megan.

As regras também dão flexibilidade para entrar e sair do teatro durante a apresentação. Enquanto em outros espetáculos do New York City Ballet (ou qualquer apresentação do mesmo porte), quem chega atrasado só pode entrar em brechas pré-determinadas para não incomodar os demais.

Nas performances sensoriais, o público fica livre para entrar e sair quando desejar. “Normalmente, elas deixam o auditório quando estão ansiosas, ou precisam se mover um pouco”, conta a executiva. "Neste show, elas têm espaço para isso.”

Estas performances nasceram a partir de um programa criado em 2014 chamado Access Workshops, feito para crianças com necessidades especiais.

“Um dia, uma mãe nos escreveu um e-mail contando que sua filha tem paralisia cerebral e, como muitas meninas de sua idade, sonhava em fazer ballet. Mas ela não encontrava nenhuma alternativa. Como ela conhecia os workshops que oferecemos para crianças, adolescentes e adultos, ela nos perguntou sobre a possibilidade de criarmos aulas especializadas para crianças com deficiências”, conta a diretora.

O projeto das performances sensoriais nasceu dos workshops para crianças com necessidades especiais (Foto: Rosalie O'Connor)

Megan já tinha interesse em explorar esta área, e o e-mail daquela mãe foi uma oportunidade para aprender mais. A mulher conectou a equipe de Megan a alguns centros médicos, em particular, o Weinberg Family Cerebral Palsy Center, na Universidade de Columbia, em Manhattan. Trata-se de um centro para pacientes com paralisia cerebral, reunindo pesquisadores clínicos, médicos e educadores que assistem famílias, pacientes e cuidadores.

Com eles, Megan e seu time debateram a forma de criar este programa e aprenderam sobre o impacto que ele teria tanto para as famílias quanto para os bailarinos. “Descobrimos ainda que não teríamos que reinventar a roda. Apenas fazer mudanças sutis na forma de desenvolver e produzir nossos programas”, diz ela, acrescentando que os workshops não são semanais — eles giram em torno das apresentações do calendário da companhia.

A recepção positiva do primeiro workshop, há dez anos, apontou para uma necessidade e interesse neste nicho, levando o New York City Ballet a desenvolver programas para diferentes faixas etárias, inclusive expandindo o trabalho para hospitais infantis e escolas de educação especial.

Por meio de parcerias, os bailarinos e músicos visitam as crianças e preparam um workshop especialmente para cada situação.

Todos os workshops têm custo zero para os participantes e fazem parte do orçamento anual da companhia, que é apoiada pela cidade de Nova York, além de patrocinadores corporativos e patronos particulares. Os grupos são propositalmente pequenos para que os bailarinos possam dar atenção a cada participante.

“Para alcançar um público maior, criamos estas performances, incluindo o Quebra Nozes, um dos marcos da temporada natalina no calendário da cidade,” diz Megan. “Desta forma, comunicamos a esta comunidade que a nossa companhia de ballet é uma imensa instituição cultural feita para todos.”