Mais do que comer de forma consciente, como buscam chefs de cozinha, hipsters e millennials, produtores de sabonetes, óleos essenciais, fabricantes de medicamentos e cerveja descobriram que em um ambiente 100% controlado e extremamente engajado em pesquisas agrícolas, é possível escalar com segurança seus principais insumos vegetais.
Não à toa, a 100% Livre, considerada uma das maiores fazendas verticais da América Latina, debruça-se nessa estratégia e, assim, atraiu a atenção da gigante Ambev.
Mirando a expansão dos negócios, Diego Gomes, fundador da 100% Livre, aplicou-se no desenvolvimento de tecnologia – com investimentos próprios e com o R$ 10 milhões de aporte da BMPI Venture em fevereiro último. Como consequência, ampliou seu sprout labs (em parceria com a Embrapa), automatizou operações e estruturou a área de inteligência artificial.
Se o fazendeiro urbano, por contrato, não dá detalhes sobre as quatro variedades de lúpulo, incluindo o styrian golding, em teste para a Ambev, tampouco nega que as florzinhas de Humulus lupulus, que mantêm a cerveja fresca por mais tempo e adicionam aroma e amargor, são apenas um dos ingredientes de altíssimo valor agregado que é capaz de cultivar.
Igualmente não contesta o fato de que seu trabalho deve incrementar os resultados de campo do Fazenda Santa Catarina, projeto que a Ambev mantém na região de Lages desde 2020.
Hoje, a capacidade da 100% Livre é de produzir 40 toneladas de alface por mês. Com a abertura de sua nova planta até o fim do ano, mais do que triplicará sua capacidade. Teria possibilidade de cultivar mais de uma centena de toneladas de lúpulo para a Ambev, por exemplo.
Com a ampliação das pesquisas e a construção de mais hortas Brasil adentro, as fronteiras se ampliam para propagar a agricultura sustentável e produtos de maior qualidade – e não apenas para a dona das marcas Skol, Brahma e Antarctica.
Do jeito que as coisas estão, Gomes mantém o e-commerce, abastece o Ceagesp e não para de expandir seu fornecimento ao varejo. Está em 100 pontos de vendas de redes importantes do varejo como Pão de Açúcar, Carrefour, Empório São Paulo, Natural da Terra, Mambo e Hirota e deve dobrá-los nos próximos meses.
“Com nossa tecnologia exclusiva, o tempo de cultivo cai à metade em relação ao campo, os vegetais não encaram caixas lotadas, temperatura inadequada, nem outros maus tratos. Ainda podemos ter safras de qualquer produto o ano todo. É um sistema que fortalece uma agricultura mais consciente”, diz Gomes.
Atualmente, sua fazenda no bairro paulistano do Ipiranga tem 250 metros quadrados de largura por 12 metros de altura. Pode abrigar ao mesmo tempo 90 mil pés de alface e utilizar apenas 90 mil litros de água, o que no campo demandaria pelo menos 15 mil metros quadrados de canteiros e 3,6 milhões de litros de água. Um campo promissor para lúpulo, lavanda, açafrão ou wasabi – alguns dos "tesouros do reino vegetal" para a indústria.
Sua principal concorrente hoje, a Pink Farms, que também está em processo de expansão, por exemplo, produz três toneladas de hortaliças por mês numa área de 100 metros quadrados em São Paulo.
A produção de verduras é assegurada pelo ar filtrado que percorre os corredores da plantação, pela temperatura em torno de 27°C e pelas mãos enluvadas de agricultores com máscaras e sapatos esterilizados.
As primeiras iniciativas desse tipo de agricultura brotaram em Nova York, há mais de uma década. Estipula-se que, mundialmente, as lavouras urbanas movimentarão US$ 10 bilhões até 2025. Só no ano passado duas grande marcas norte-americanas AeroFarms e Plenty anunciaram projetos de captação e de expansão de até sete vezes a capacidade produtiva.
Na Pensilvânia, a Upward Farms, por sua vez, divulgou que está construindo a maior fazenda vertical do mundo, com 23 mil metros quadrados que deve entrar em operação no próximo ano.
Por aqui, o Brasil ainda engatinha nesse terreno, visto que quase 80% dos cultivos não dispõem de sistemas alternativos de energia.
“Hidroponia é assunto velho, dominado até pelo campo há muito tempo. Usar LED no lugar da energia solar foi um turning point e as pesquisas não param de apontar outras inovações tão impactantes quanto”, afirma Gomes que, além das melhorias no seu laboratório, aplicou parte do investimento da BMPI Venture na obra de uma fazenda em Osasco.
“Ela terá mil metros quadrados e 18 metros de altura e está sendo finalizada. Até o final do ano, a 100% Livre aumentará em dez vezes seu tamanho atual. Mas nosso objetivo real é captar R$ 50 milhões em rodada seed antes do Natal para, no ano que vem, espalhar outras 10 fazendas por capitais brasileiras”, afirma o CEO.
Com o panorama atual, sua companhia já comercializa oito variedades de hortaliças e cinco de temperos, com 99% a menos de desperdício e 100% a menos de agrotóxicos do que na agricultura convencional.
Em algumas semanas, a empresa lançará morangos, uma nova espécie de tomate grape e mini pimentões orgânicos, itens que tradicionalmente sofrem o uso abusivo de defensivos agrícolas.
O empreendedor estuda também a inclusão de mais frutas no portfólio, como blueberry, o avocado hass e o caju-anão, assim como se dedica ao estreitamento de laços (ainda em sigilo) com indústrias de cosméticos e farmacêutica.